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‘6 Ps’ lean para combater o ‘apagão’ de mão de obra na construção

Flávio Battaglia, Flávio Augusto Picchi e Renato Mariz
‘6 Ps’ lean para combater o ‘apagão’ de mão de obra na construção
Entenda como “produtividade, pré-fabricação, projeto, planejamento, parceria e pessoas” podem, sob a ótica lean, jogar a favor de um setor que hoje sofre com a escassez de profissionais disponíveis

A indústria da construção civil vem enfrentando recentemente no Brasil um tipo de escassez inusitado num país que há décadas sofre com os efeitos do desemprego: um “apagão” de mão de obra.

É que recentemente as construtoras se depararam com a seguinte situação: elas querem e precisam contratar, mas enfrentam, cada vez mais, enormes dificuldades para encontrar mão de obra qualificada disponível para trabalhar. E isso tem gerado, claro, problemas dos mais diversos para esse setor.

Tanto que até gerou essa expressão, “apagão de mão de obra”, hoje comum nas rodas de engenheiros, que se apropriaram do famoso termo usado para se referir à interrupção brusca de eletricidade para resumir a escassez desse outro tipo de energia tão importante: a dos trabalhadores dos canteiros de obras.

As causas do fenômeno já são conhecidas. Tem a ver com a retomada de obras e reaquecimento dos negócios pós-pandemia, num cenário econômico menos recessivo. Com isso, construtoras desengavetaram projetos, aceleraram as pranchetas, dispararam lançamentos, iniciaram ou retomaram obras...

O resultado foi uma corrida à mão-de-obra, gerando o sumiço de bons profissionais disponíveis. Quem é bom já está ocupado. Isso se agravou com a falta de renovação da mão de obra na construção, fenômeno conhecido nos países mais desenvolvidos e que vem acontecendo também no Brasil.

Outra explicação muito repetida no meio é que uma parte das pessoas que, em outros tempos, tradicionalmente iam trabalhar na construção civil estão optando, hoje, por outros tipos de carreiras. Seja pelas condições adversas e muitas vezes inseguras nas obras, seja pela disponibilidade hoje de alternativas em novos modelos de negócios, atraindo trabalhadores que tradicionalmente iriam para canteiros e seriam os futuros profissionais qualificados da construção.

Isso por um lado eleva custos e gera gargalos imediatos, mas traz um elemento altamente benéfico, que é o de exigir que o setor acelere as iniciativas de melhorias de produtividade e condições de trabalho.

A boa notícia é que, enquanto esses fatores contextuais persistem, melhorar a gestão pode ser uma excelente saída para minimizar as dificuldades inerentes a esse apagão.;

Por exemplo, implementando e aprofundando o que chamaremos aqui de “6 Ps”. São seis elementos fundamentais para a indústria da construção que, se trabalhados de maneira lean, podem racionalizar, equilibrar e mesmo diminuir a pressão por mais mão de obra nas construtoras.

 

Produtividade

O primeiro “p” se refere à necessidade de otimizar a produtividade nos canteiros. Isso porque ao produzir mais e melhor as construtoras tenderão a evitar a necessidade de mais mão de obra. Isso pode parecer óbvio, mas não é tão fácil de ser colocado em prática. Para isso, é preciso aprofundar conceitos e práticas lean que sempre reforçaram o fator produtividade em todo tipo de negócio, incluindo a indústria da construção.

Conceitos básicos de lean podem trazer grandes aumentos de produtividade, como por exemplo, o de estabilidade básica, analisando com antecedência os “4 Ms”, ou seja, as necessidades de Mão de obra, Materiais, Método e Máquinas, equipamentos e ferramentas. A aplicação de 5S, organizando o ambiente de trabalho, é também fator básico de aumento de produtividade, qualidade e segurança.

O lean traz também o princípio de uma análise detalhada do trabalho em si, através de ferramentas como diagrama de espaguete (focado em movimentações) e análise de processo (visando eliminar tempos improdutivos e desperdícios). Isso sempre, é claro, com a participação dos trabalhadores e encarregados, estabelecendo formas mais produtivas de realizar as tarefas através de um trabalho padronizado.

Sem falar da necessidade cada vez maior de otimizar os processos de logística e supply chain para eliminar desperdícios na movimentação e no armazenamento, com o uso de equipes dedicadas à logística interna, kits, rotas de abastecimento, preparação antecipada de materiais etc.

 

Pré-fabricação

O segundo “p” tem a ver com a utilização mais intensiva das possibilidades cada vez maiores do uso de componentes industrializados e pré-fabricados, diminuindo a necessidade de mão de obra em canteiros e aumentando o conteúdo produzido em fábricas, com maior qualidade, segurança e produtividade.

No entanto, não de maneira “empurrada”, ou seja, fabricando e empurrando mais e mais, como geralmente ocorre, mas de forma “puxada” pela necessidade da montagem da obra.

Ou seja, analisando e entendendo a demanda mais precisa possível sobre isso na “ponta” da obra, no sentido de produzir e entregar nem mais, nem menos, mas o necessário, conectando com a real necessidade do campo.

Isso passa também implementação de uma logística e de um supply chain realmente lean, no sentido de fazer todos os componentes chegarem na obra na quantidade, no local e no momento certos (just-in-time), sempre buscando reduzir fluxos, esperas, estoques e movimentações.

 

Projeto

O terceiro “p” significa uma conexão lean entre projeto e obra que pode ser feita no sentido de, também, contribuir para maior produtividade, integrando o projeto do produto e do processo construtivo.

Com lean, podemos otimizar essa conexão por meio de soluções técnicas que geram maior construtibilidade e, ao mesmo tempo, agregam mais valor para o cliente. Por exemplo, usando técnicas de engenharia do valor e target costing que buscam uma maior percepção de agregação de valor do ponto de vista do cliente final. Ao mesmo tempo, gerando redução de custos do empreendimento e promovendo melhorias relacionadas à gestão, tecnologias e sistemas construtivos.

Nesse contexto, encaixa-se o uso cada vez maior do Building Information Modeling (BIM) que traz grandes benefícios na otimização do processo de projeto. E tem um enorme potencial, ainda pouco explorado, de integração com iniciativas lean. Por exemplo, possibilitando a simulação e a otimização do processo de construção como um todo.

Isso significa elaborar um projeto otimizado e econômico no uso de equipamentos, tecnologias e de sistemas construtivos que usem o mínimo de mão de obra possível.

 

Planejamento

É importante também entender que o mundo da construção civil, por ser fortemente baseado em projetos não repetitivos, depende enormemente de um planejamento robusto.

No sistema lean, isso significa incorporar os conceitos de fluxo contínuo entre as atividades. E sempre priorizando planejar isso de uma maneira que haja um ritmo de avanço uniforme entre serviços, sem esperas.

De forma similar, isso também precisa ocorrer no que chamamos de “planejamento micro”, aquele que acontece ali, no dia a dia da obra. Isso para que haja todas as condições para que o serviço seja produtivo e para que os prazos estipulados sejam cumpridos.

 

Parceria com empreiteiros

O quinto “p” remete a uma nova parceria com os empreiteiros, que são fornecedores importantes de mão de obra. Isso significa estabelecer um outro tipo de relação, distinta da que geralmente ocorre.

É que tradicionalmente as construtoras contratam e delegam completamente a gestão da obra aos empreiteiros, concentrando seus esforços em fiscalizar e cobrar prazos. É preciso ir além.

Raramente estes empreiteiros dispõem de capacidades e conhecimentos técnicos para melhorar a gestão e otimizar o uso de mão de obra. Com isso, há neles sempre a pressão para usar mais e mais trabalhadores do que seria o necessário, fato esse que acaba reduzindo significativamente as margens ou mesmo “quebram” esses empreiteiros ao longo da obra.

Assim, num novo tipo de parceria, a construtora deveria ficar muito mais próximas do empreiteiro para efetivamente ajudá-lo a melhorar a produtividade e a gestão da mão de obra.

Por exemplo, apoiando os empreiteiros no dimensionamento correto da equipe, utilizando o Trabalho Padronizado para desenhar a execução do dia a dia e a logística no local de trabalho, no sentido de revelar e resolver problemas, eliminando gargalos e desperdícios. Orientando na gestão visual e no Gerenciamento Diário (GD), para que o empreiteiro consiga ter uma noção mais clara, precisa e imediata do que está ocorrendo nos canteiros.

Também ajudando em questões cotidianas, como nos problemas fiscais, no uso das legislações trabalhistas, nas relações com os fornecedores... Sempre no sentido de fortalecer uma parceria para que o empreiteiro entregue maior qualidade e, consequentemente, produtividade.

E, por que não, apoiar o empreiteiro na elaboração e análise dos custos, para que ocorra um verdadeiro ganha-ganha entre as partes. E não no sentido do que mais tradicionalmente acontece, que é a pressão cotidiana pela diminuição de lucros e prazos (“espremer” o empreiteiro).

 

Pessoas

O sexto “p” se refere a entender como desenvolver as “pessoas”, para que elas produzam mais e melhor.

Para tanto é fundamental desenvolver, antes, as lideranças das construtoras, para que evitem o comando e controle, ainda comum nesse setor, e passem a orientar liderados no sentindo de irem ao gemba com o intuito claro de desenvolver seus liderados, para que tenham inciativa e meios para resolverem problemas, assim que ocorram.

Isso pressupõe também desenvolver os setores de gestão de pessoas das construtoras, trazendo conceitos como segurança, ergonomia, motivação, avaliação de desempenho etc., elementos que são básicos em outros setores, mas ainda pouco estruturados em muitas empresas de construção.

Esses “6 ps” obviamente não fazem milagres. E nem consegue mudar de imediato as causas contextuais e estruturais que hoje geram esse “apagão” que afeta a indústria da construção.

No entanto, podem minimizar e muito essa pressão, diminuindo problemas já crônicos que afetam as construtoras. Por exemplo, atrasos nos prazos das obras ou mesmo impactos financeiros que chegam a levar empresas à beira da falência por não terem pessoas disponíveis para executar projetos já orçados e vendidos.

Por tudo isso é quase obrigatório ou mesmo motivo de sobrevivência intensificar o entendimento e execução desses 6 “ps”. Sempre sob a ótica lean.

Publicado em 09/02/2024

Autores

Flávio Battaglia
Presidente do Lean Institute Brasil
Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil
Renato Mariz
Gerente de Projetos do Lean Institute Brasil

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