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Pensar que lean é um “fim” traz entraves à transformação

Flávio Battaglia
Pensar que lean é um “fim” traz entraves à transformação

Lean não é um fim. É um meio. Trata-se de uma maneira de criar, gerenciar e aprimorar produtos, serviços e processos que as organizações devem perseguir para conseguir cumprir propósitos, metas e objetivos, dentro de seus respectivos contextos de negócios.

Pode não parecer, mas essa é uma ideia ainda pouco compreendida por grande parte das empresas praticantes. Trata-se de um pensamento distorcido, talvez um mal-entendido. E isso pode gerar uma série de obstáculo, percalços e atrasos às empresas que entram ou já estão numa jornada de transformação.

Existe uma percepção equivocada de que quanto mais “coisas lean”, melhor. Ou seja, tem-se a ideia de que com “mais técnicas” sendo aplicadas e “mais iniciativas” sendo executadas, então, necessariamente, estaremos nos tornando “mais lean”.

Mais mapeamentos, mais A3, mais GD, mais kaizen...Se tivermos muito (ou pouco) disso tudo, então, podemos dizer que uma organização é mais (ou menos) avançada em sua jornada. Isso está longe de ser verdade e pode, inclusive, trazer efeitos contraproducentes.

Lean é meio. Reúne maneiras, caminhos e métodos que precisam ser entendidos, assimilados e utilizados corretamente para, aí sim, tornarmos maiores as chances de alcançarmos determinados fins: aumentar produtividade, alavancar faturamento, reduzir estoques, melhorar qualidade, desenvolver pessoas, reduzir os acidentes etc.

Além disso, as necessidades reais de cada empresa são únicas. As dores podem ser parecidas, mas as soluções precisam ser específicas e respeitar contextos, tanto no nível da organização, quanto do ambiente competitivo. A abordagem para a transformação lean precisa ser situacional.

Quando não se consegue perceber tais nuances diante dos esforços de mudança, não raro organizações inteiras ficam perdidas em meio à adoção das “coisas lean”. Entram num processo errático de querer mais e mais, como se o volume de energia dispendida estivesse diretamente relacionado a impactos e resultados.

Isso é alimentado, muitas vezes, pelas mais nobres intenções quando se estruturam, de cima para baixo, programas corporativos de melhoria com pacotes metodológicos que devem ser aplicados em conjunto e por toda organização. E se agrava ainda mais com a abundante disponibilidade de “treinamentos” que procuram exaurir o assunto e empurram pacotes similares, com muita amplitude e discutível profundidade.

Isso faz com que indivíduos e equipes inteiras desviem-se daquilo que realmente precisam focar em cada situação. Acabam utilizando “mais coisas” do que deveriam, gastando energia “proforma”, com adornos e preciosismos simplesmente desnecessários. Os excessos metodológicos podem atrasar caminhos, desmotivar as pessoas e aumentar o ruído no processo decisório. Se errarmos a dose, a medicação pode se tornar um veneno.

As origens do lean, inclusive, remetem a essa lógica de maneira muito explícita. Se observarmos atentamente a evolução do Sistema Toyota através das décadas, veremos uma sucessão de inovações que foram se retroalimentando, moldando e ajustando às necessidades específicas da montadora japonesa ao longo do tempo.

É por isso que devemos direcionar nossos melhores esforços para desenvolver capacidade humana para expor e resolver problemas de maneira cada vez mais efetiva, em todos os níveis da organização. E isso pressupõe, necessariamente, refinarmos nossa percepção a respeito de que meios devemos utilizar para atingir determinados fins.

Qual é o ferramental de análise mais adequado para cada situação? Que adaptação simplificaria o uso de determinada técnica? Como reduzir o tempo necessário para tornar as pessoas aptas à nova configuração do trabalho? Será que faz sentido mapear o processo todo novamente?

Técnicas “consagradas” podem ser muito mais úteis se forem adaptadas às reais necessidades, incorporando-se definitivamente o respeito ao contexto e o legítimo incentivo ao pensamento criativo. Especialmente quando se está diante de realidades de negócios mais voláteis.

Em suma, uma abordagem lean de cunho mais orgânico precisa ser uma resultante da combinação balanceada entre práticas e técnicas (meios) devidamente escolhidas para serem usadas diante de desafios e problemas específicos (fins) em cada situação.

Eis aí, talvez, um ponto de reflexão permanente para todos nós. Que meios vamos utilizar para alcançarmos determinados fins? Sob a ótica lean, os meios interessam. E muito. Sabemos que se renunciarmos à preocupação com a natureza dos meios, os fins simplesmente não se sustentarão ao longo do tempo.

Publicado em 13/09/2023

Autor

Flávio Battaglia
Presidente do Lean Institute Brasil

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