Já reparou que coisas sofisticadas, complexas e importantes só funcionam porque operam como “sistemas”?
Por exemplo, no corpo humano: temos os sistemas respiratório, cardiovascular, imunológico... Ou o bioma terrestre, que reúne diferentes ecossistemas, as florestas... E até a Via Láctea, galáxia em que vivemos, da qual fazem parte o nosso Sistema Solar e tantos outros, dos quais, muitas vezes, dependemos sem perceber. Quando esses sistemas funcionam de maneira equilibrada e eficiente, tudo tende a ir bem. Do contrário...
Guardadas as devidas proporções, dentro de uma empresa há paralelos abundantes. Existem inúmeros “sistemas” dentro de uma organização. No entanto, aqui, especificamente, estamos nos referindo àquilo que chamamos de “sistema de gestão”.
Em resumo, trata-se da forma como o trabalho dos gestores está organizado e acontece, de fato, no dia a dia da organização. Isso envolve toda a estruturação das atividades de gestão desse, digamos, “ecossistema corporativo”: a comunicação da estratégia e dos objetivos das diversas áreas, a definição das metas, as rotinas de gestão, a solução de problemas, os feedbacks, as avaliações de performance... Enfim, todos os processos de cunho eminentemente gerencial, associados aos diferentes níveis da organização.
Fazendo uma analogia com um ser vivo – e não são poucos os pensadores que comparam empresas a “organismos vivos” –, o sistema de gestão seria o “esqueleto” que daria sustentação e estrutura aos “órgãos” e “tecidos” vitais .
Uma primeira constatação importante sobre isso é que é impossível não haver algum tipo de “sistema de gestão” operando. Ele existe, sempre. Pode ser eficiente ou anômalo, mas se a empresa está funcionando, ele inevitavelmente já está lá, fazendo-se presente, por vezes de maneira invisível. E talvez este seja o primeiro grande desafio: enxergá-lo.
Se não formos capazes de “enxergar” nossos sistemas de gestão jamais seremos capazes de identificar lacunas e aperfeiçoá-los. Se não for cuidadosamente pensado, desenhado e organizado de maneira consciente, o sistema de gestão será um apanhando aleatório de práticas individuais desconexas, capazes de provocar diversos e indesejados prejuízos.
São diversas as situações que nos mostram isso, todos os dias, dentro das empresas. Por exemplo, quando decisões importantes são tomadas tardia e reativamente, em função da comunicação truncada e falta de transparência sobre o real desempenho. A fatal combinação entre informações equivocadas, insuficientes, tomadas de decisão “no calor do momento”, prioritariamente inspiradas pela visão pessoal de quem tem o poder.
Também quando os problemas são “resolvidos” pelos níveis hierárquicos errados, com os recursos impróprios e com as pessoas inadequadas. Ou quando aquele “vácuo” gerado pela falta de processos de comunicação escalonados e bem desenhados é imediatamente preenchido pela “rádio peão”, as conversas de café que transformam fofocas em verdades absolutas. São diversas as distorções ocasionadas pela ausência de um bom sistema de gestão.
Empresas e respectivas lideranças que não têm essa consciência não percebem que, na verdade, essa pode ser a mais básica causa raiz de boa parte dos problemas e instabilidades. Por exemplo, quando a informação e a comunicação não fluem pela organização. Quando os problemas são percebidos tarde demais. Quando clientes são concretamente afetados, reclamam e se afastam. E quando os maus resultados já não podem ser facilmente revertidos.
Numa empresa com um sistema de gestão mal desenhado e ineficiente, as pessoas, não raro, sentem-se perdidas. Têm dificuldades para entender o real propósito de suas funções e como serão avaliadas. Trabalham “ao vento”, no máximo seguindo a burocracia. E as lideranças gastam a maior parte do tempo “apagando incêndios” ou tentando agendar reuniões com outros gestores, igualmente sobrecarregados.
Pior ainda é quando ocorre a clássica “personalização”. Quando uma liderança assume um setor ou mesmo toda a empresa. E aí redesenha o sistema da maneira como “gosta”, estabelecendo novas rotinas, novos indicadores, novas formas de avaliação, mas sem critérios científicos ou técnicos. E, claro, jogando “no lixo”, por vezes, anos de experiências e aprendizados dos gestores que ocuparam aquela posição anteriormente.
Quando isso ocorre, a gestão, em vez de apoiar processos que criam valor, passa a gerar ruídos, criar trabalhos inúteis e circular informações desnecessárias ou contraditórias, provocando confusão na linha de frente. Não raro, a empresa fica engessada, por vezes paralisada. E aí, como reação, incentiva-se levantar dados duvidosos, fazer reuniões improdutivas, enquanto o trabalho que cria valor flui de forma aleatória, e os problemas são solucionados de maneira impulsiva, desgovernada e ineficiente.
E a cada nova mudança, geram-se mais e mais insegurança psicológica, desgastes, retrocessos e prejuízos: mudam-se os formatos das reuniões, trocam-se os relatórios, “reciclam-se” os indicadores, refazem-se as avaliações. No entanto, os problemas persistem, ficam mais fortes e renascem.
Trata-se de um assunto vasto, que exige aprofundamento. Com este breve artigo, não se pretende esgotar o tema, mas despertar algumas reflexões. Listamos a seguir aquilo que consideramos serem os elementos fundamentais de um sistema de gestão eficiente, de acordo com a ótica lean.
Um sistema de gestão lean precisa conectar toda a empresa, tanto nas dimensões macro e micro, quanto nos diferentes níveis hierárquicos, nas áreas funcionais, nos processos e entre os indivíduos. Ele deve se centrar na busca incessante pela exposição de problemas, preferencialmente quando ainda próximos da “origem”, interrompendo processos ruins para que sejam repensados e melhorados, se necessário com o apoio dos níveis hierárquicos superiores. Para isso, esse sistema precisa promover e facilitar o pensamento científico.
Deve estar calcado em padrões de gestão que ajudem a manter a estabilidade dos processos e do trabalho da linha de frente, mas, ao mesmo tempo, que exponham os problemas, permitindo que haja melhoria contínua. Precisa ser baseado em gestão visual simples, didática e fácil de entender que acompanhe os indicadores críticos, mostrando o esperado versus o realizado, para promover transparência sobre o processo e a performance. E que incentive ativamente o respeito às pessoas, promovendo segurança psicológica para que possam revelar problemas e melhorar seus respectivos trabalhos diariamente, de acordo com seu nível de capacidade e autoridade.
Sistemas de gestão bem desenhados otimizam o tempo de todos dentro da organização. Criam oportunidades cotidianas de alinhamento horizontal e vertical. Abrem espaço para interações construtivas com a equipe no gemba, promovendo o desenvolvimento das pessoas e a evolução dos processos. Garantem a comunicação e o fluxo da informação certa, na hora correta, para as pessoas adequadas, entre outras vantagens, garantindo que os problemas sejam percebidos e resolvidos o mais próximo possível de sua origem.
Em resumo, sob a ótica lean, um sistema de gestão deve ser desenhado para que a empresa evolua e a performance alcance novos patamares. Para que isso aconteça, não se pode depender do “gestor de plantão”. A organização do trabalho da gestão deve ser cuidadosamente pensada e estruturada para que os “organismos vivos” tenham uma vida saudável, longeva e próspera.