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Gerenciamento Diário é fator de “sobrevivência” nestes tempos complexos – e funciona mesmo à distância

Robson Gouveia e Flávio Augusto Picchi
Gerenciamento Diário é fator de “sobrevivência” nestes tempos complexos – e funciona mesmo à distância
Entenda por que o GD é essencial no atual contexto, aprofunde seu conhecimento sobre ele e saiba quais adaptações devem ser feitas para implementá-lo, mantê-lo ou aperfeiçoá-lo no trabalho “remoto”.

Os atuais tempos de crise têm nos ensinado – às vezes de forma repentina e dolorosa – algumas lições que já são e serão cada vez mais importantes para a sobrevivências das empresas. Uma delas é certamente sobre uma das essências do sistema lean, que é o Gerenciamento Diário (GD).

Falando de forma muito simples e direta, nunca o GD foi tão importante para as companhias quanto no atual dia a dia, cada vez mais permeado de volatilidades, incertezas, complexidades e ambiguidades – o já famoso, e porque não relembrar, “mundo VUCA”.

Neste contexto delicado, em que os “planos estratégicos anuais” e as decisões tomadas para “longos prazos” já foram (ou ainda vão) para a lata do lixo, nunca foi tão necessário tomar decisões rápidas e corrigir rumos nos diversos níveis da organização. E de forma consciente, científica, com qualidade e sabedoria, entendendo, de forma precisa, as causas e as consequências do que se faz.

Tudo isso pode ocorrer se a gestão cotidiana tiver como base o Gerenciamento Diário. Assim, é fundamental reforçarmos o conhecimento sobre esse conceito essencial, que no dia a dia das empresas se transforma em práticas básicas de gestão lean e que mesmo neste contexto de isolamento social e de trabalho à distância precisa ser mantido.

A base do Gerenciamento Diário pode ser resumida numa única frase bem pragmática, mas não tão simples de ser colocada em prática: GD significa, no cotidiano das companhias, identificar problemas, encontrar as causas raízes, definir as contra medidas e, assim, resolver “agora” ou “ainda hoje” os desvios que ocorrem nas organizações.

A ideia implícita é simples, mas não tão fácil de ser implementada. É criar condições, mudando mentalidades, comportamentos e estruturas, para que as pessoas busquem resolver imediatamente os problemas, assim que eles ocorram. Com isso, os problemas não se perpetuam, nem crescem ou se multiplicam, causando retrabalhos e prejuízos a todos.

Para que isso aconteça, é preciso promover mudanças por vezes profundas nas empresas.

Por exemplo, todas as equipes de trabalho precisam criar “controles visuais” precisos e claros sobre as atividades e entregas que realizam cotidianamente. Essa “gestão visual”, como chamamos no sistema lean, deve mostrar se o trabalho realizado está ocorrendo como fora idealizado. Do contrário, deve mostrar quais são os problemas e como eles podem ser solucionados. Só assim será possível, imediatamente, identificar falhas e buscar a adoção de soluções.

Para que isso ocorra na prática, é necessário haver um elemento essencial do Gerenciamento Diário: a “cadeia de ajuda”.

Em termos práticos, significa que quando uma pessoa identifica em seu trabalho cotidiano um problema no qual ela, sozinha, com esforço e autonomia, não consegue resolver, ela terá de acionar sua “cadeia de ajuda”.

Ou seja, alguém ou algum “sistema” que poderá ajudá-la a buscar e implementar a solução necessária: seu líder mais próximo, alguma área de apoio ou o gestor do processo, por exemplo. Essa “cadeia” precisa ser estruturada, nomeada e definida para agir rapidamente nesses casos.

Caso o problema seja complexo demais para ser solucionado ao longo do dia por meio dessa “cadeia”, ele aparecerá como um desvio ocorrido naquele turno, devendo ser discutido pela equipe daquela área de trabalho no GD.

Essas reuniões, que são a base do “Gerenciamento Diário”, devem ocorrer de forma rápida, entre 10 e 15 minutos, sempre no mesmo horário. E esse será o encontro “padrão” cotidiano para se discutir as falhas e as soluções a serem implementadas.

É importante reforçar, como já dito, que em todos esses processos e estruturas, a essência da mentalidade que deve guiar os envolvidos precisa ser a mesma: resolver “agora” ou, no máximo, “ainda hoje” os problemas que afligem as organizações.

Quem já coloca esses conceitos, práticas e estruturas do GD “em ação” sabe o quanto isso é poderoso. Grandes, médias e até pequenas empresas que já fazem uso disso percebem, na prática, como esse processo une e desenvolve equipes e, assim, elimina desperdícios, diminui custos, gera inovação, aumenta a produtividade e potencializa a qualidade, os lucros e os resultados.

Daí vem a pergunta pertinente aos nossos tempos: é possível implementar ou mesmo manter o Gerenciamento Diário operando no atual contexto de trabalho à distância?

A resposta é absolutamente “sim”. O GD pode ser perfeitamente aplicado e mantido de forma remota.

Como, então, isso pode ser feito? Claro que algumas adaptações são e serão necessárias. Essencialmente, o modelo operacional do GD é composto por sete elementos, que, resumidamente, são:


  • 1 Qual é o problema que o GD precisa endereçar, o propósito e conexão com a estratégia?

  • 2 Qual é o histórico dos indicadores que serão acompanhados?

  • 3 Como as pessoas precisam se envolver e quais são os papéis e responsabilidades nas reuniões?

  • 4 O que elas precisam acompanhar e controlar diariamente (o coração do GD)?

  • 5 O que elas fazem e/ou devem fazer quando ocorrer um problema, qual a cadeia de ajuda deve ser envolvida?

  • 6 Quais precisam ser os padrões usados nesses processos?

  • 7 Como deve ocorrer o sistema de solução de problemas?

Esses sete elementos, após serem entendidos e assimilados por todos, podem ser aplicados, disseminados e utilizados no cotidiano das organizações, em painéis expostos nas paredes ou disponibilizados por softwares de compartilhamentos. Assim, poderão ser acessados, entendidos e efetivamente usados por todos da empresa, seja onde estiverem.

Da mesma forma, as reuniões diárias de Gerenciamento Diário também podem ocorrer de forma remota (por exemplo, pelas plataformas de conferência digital que muitos já estão usando).

O mais importante, seja presencialmente ou à distância, é manter a essência do GD: com base em gestão visual, identificar e buscar a solução de problemas de forma estruturada, da forma mais imediata possível.

Grandes companhias, como bancos, empresas de softwares e transportadoras, com equipes distribuídas por diversas unidades, até muito distantes umas das outras, já utilizam esse tipo de Gerenciamento Diário à distância há tempos, mesmo antes da pandemia. E possivelmente muitas mais utilizarão modelos até mesmo híbridos num cenário, por exemplo, de parte da equipe estar reunida presencialmente e parte à distância.

Outro fator fundamental para que o GD cumpra seus objetivos diz respeito ao comportamento das pessoas, que devem ser estimuladas a terem uma atitude muito mais proativa. A equipe deve ter capacidades para ir atrás das soluções para os desvios que ocorram em seus processos de trabalho. E, é claro, será preciso estabelecer uma “nova cultura” para elas não se sintam intimidadas, com medo, seja de tentarem resolver sozinhas ou mesmo para buscarem ajuda quando se sentirem impotentes para resolver.

Para que tudo isso funcione na prática, o papel dos líderes sempre foi fundamental. E é ainda mais fundamental no atual contexto de crise.

Assim, no Gerenciamento Diário, o papel do líder é diferente do tradicional. É estimular as pessoas a revelarem e resolverem problemas. Ele faz isso de diversas formas: formulando, da maneira correta, perguntas, lançando desafios, ensinando e disseminando lições já aprendidas… mas sempre com base no respeito à pessoa e visando mais “apoiar” do que “mandar”.

No contexto de indefinições cotidianas, tornou-se indispensável para toda organização entender os problemas e as mudanças necessárias de forma ágil e precisa, identificar desvios reais no momento em que acontecem e tomar decisões rápidas com base em fatos e dados aprofundados. Enfim, fazer a gestão da empresa em “ciclos curtos”, com a energia de todos na linha de frete, utilizando o Gerenciamento Diário. Isso é hoje um fator de sobrevivência e um preparo fundamental para o futuro.

Publicado em 04/06/2020

Autores

Robson Gouveia
Diretor no Lean Institute Brasil.
Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil

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