A desaceleração econômica do Brasil nos últimos dois anos tem prejudicado significativamente alguns setores. E a previsão de baixo crescimento para os próximos anos é motivo de preocupação.
Recentemente, ouvi de um empresário de uma empresa nacional em um setor já em crise o seguinte depoimento: “Meus concorrentes estão desmantelando. O crescimento que tiveram nos últimos anos os enganou. Agora não estão conseguindo enfrentar as dificuldades do mercado. Assim, apesar do mercado total estar diminuindo, minha empresa tem perspectivas de grande crescimento que preciso administrar bem”.
Essa empresa vem implementando lean há cerca de 5 anos. Conseguiu resultados na manufatura (aumento de produtividade, redução de estoques e liberação de capacidade), melhorou a logística (melhoria no nível de serviços e redução de custos logísticos) e também conseguiu uma melhor conexão com os clientes ao entender melhor a demanda através de uma maior velocidade no desenvolvimento dos produtos certos. Ele confidenciou que agora ficou claro para ele a diferença entre a sua estratégia lean e a estratégia de seus concorrentes.
Os seus competidores expandiram muito o volume de produção, aproveitando a liberação de créditos governamentais para realizar novos investimentos e aceitaram contratos aparentemente benéficos, mas difíceis de viabilizarem com clientes de grande porte ainda afeitos a mentalidade de espremer seus fornecedores e de trocar de fornecedores quando os atuais não tiverem condições de sobreviver.
Assim, para conseguir níveis de entrega razoáveis e qualidade adequada tiveram que contar com muito retrabalho, muitos estoques prejudicando o fluxo interno de produção, horas extra em excesso, entre outros desperdícios. O que acabou, por fim, onerando excessivamente os custos, dificultando a continuidade dos negócios e a sobrevivência dessas empresas.
Ou seja, apesar desse quadro de dificuldades do mercado, a empresa lean que fez a lição de casa, otimizou seus processos e conseguiu melhorias operacionais substanciais, estando, portanto, em condições muito melhores de enfrentar o aumento das incertezas e instabilidades da economia.
Muitas empresas que ainda tem a visão de que lean é algo mais a ser feito no dia a dia da empresa ou mesmo um novo conjunto de técnicas e ferramentas a serem implementadas esquecem que a filosofia lean, em essência, focaliza nas necessidades e prioridades do negócio, através da aplicação do método científico.
Nesse momento, podem ficar em dúvida sobre a inserção da transformação lean nesse quadro de dificuldades. Se for esse o caso de sua empresa, é uma boa hora de revisitar a transformação lean à luz dos objetivos principais do negócio nesse momento.
Os eventuais obstáculos da conjuntura macroeconômica devem servir de estímulo para que se acelere a implementação e, mais importante ainda, que ela fique diretamente conectada às prioridades do negócio.
Assim, nesses momentos pode ser prioritário aumentar a velocidade no lançamento de novos produtos ou mesmo de variações dos produtos existentes. Ou mudanças na estratégia de distribuição ou na estratégia comercial.
Embora, ainda que a preocupação de sua transformação lean possa ter sido até agora reduzida a uma mera redução de custos e aumento de produtividade, os aprendizados conquistados devem servir para que novas áreas, funções ou processos do negócio sofram as melhorias necessárias para lidar com os novos desafios do ambiente competitivo.
A desaceleração da economia, as instabilidades cambiais e inflacionárias servem para reforçar os princípios da busca de agregar valor e de eliminar desperdícios, de focalizar os esforços de todos naquilo que é prioritário, de otimizar a utilização dos recursos atuais, de simplificar e melhorar processos, de continuar o processo de capacitação e qualificação das pessoas.
Esses eventos externos desestabilizadores acontecerão sempre e não devem tirar nosso foco nas prioridades internas que são perenes na transformação lean, estabelecidos pela definição do norte verdadeiro e objetivos estratégicos do negócio.
Nesses momentos de dificuldades parece ser mais natural ainda pensar lean. Trabalhar com austeridade, procurando simplificar processos e eliminar atividades desnecessárias devem começar ou continuar a fazer parte mais intensamente das atitudes e hábitos nas empresas.
Se seus esforços lean continuarem e mesmo se reforçarem nesses momentos de instabilidade para criar uma empresa em que tudo o que é feito procura agregar valor para os clientes, os custos vão ser os mais baixos possíveis, os clientes ficarão mais satisfeitos, o seu faturamento pode se manter ou mesmo aumentar e os resultados financeiros poderão ser sólidos.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil
PS1. Nossos próximos eventos são: “Encontro da Alta Administração”, que ocorrerá em Porto de Galinhas/PE nos dias 10 e 11 outubro; “Encontro Lean São José dos Campos”, que ocorrerá no Hotel Nacional Inn nos dias 24 e 25 de outubro; e “Lean Summit Saúde”, que ocorrerá em São Paulo/SP no dia 26 de novembro.
PS2. Nossos próximos lançamentos serão os livros: “TI Lean: Capacitando e sustentando sua transformação lean”, de Steve Bell e Michael Orzen, disponível no final de outubro; e o “Aperfeiçoando a Jornada do Paciente”, uma grande contribuição à área da saúde, disponível em setembro.
PS3. O artigo “Pensamento Lean e Trabalho Intelectual”, de Daniel Jones e Steve Bell, aborda várias questões essenciais da TI lean. O treinamento público “Lean TI”, que ocorrerá no dia 24 de setembro, abordará alguns desses temas.
PS4. Realizaremos um novo treinamento público nos dias 13 e 14 de agosto, “Trabalho Padronizado Administrativo”, que aborda dois temas centrais da filosofia lean: o fluxo contínuo e o trabalho padronizado nos escritórios (“lean office”).
PS5. Atingimos a marca de 60 artigos em nossa coluna “Enxuga Aí: o mundo dos negócios sob a ótica da gestão enxuta” na revisa Época Negócios, edição online. E começamos a colaborar com a mais recente iniciativa do Lean Enterprise Institute-EUA, o Lean Post, para compartilhar nossas experiências e reflexões do Brasil.