O que há de comum em tudo isso? Já comentamos anteriormente que muitos kaizen feitos, na verdade, são retrabalhos, devido à empresa não ter pensando lean e aplicado seus conceitos e técnicas desde o início.
Em “Caminhadas pelo Gemba – Gemba Walks”, no capítulo “Kaizen ou Retrabalho?”, James Womack alerta para o fato de que muitas atividades de melhoria que fazemos em nossas empresas, em verdade, são semelhantes às atividades de inspeção que teimamos em fazer, embora saibamos que o importante é fazer certo da primeira vez, garantindo qualidade no processo.
As necessidades e oportunidades de começar certo, pensando lean desde o início, são enormes, e os benefícios infinitamente maiores do que o esforço de consertar ou reparar a posteriori.
Desse modo, vamos verificar o que pode ser feito utilizando os conceitos lean, não apenas para garantir maior eficácia na criação de novas plantas e novos processos, mas também ampliar as chances de sucesso na criação de novas empresas e novos negócios, sendo lean desde o início.
Novas empresas
Nos mais variados setores, são criadas novas empresas a todo instante, embora poucas sobrevivam. As taxas de mortalidade nos primeiros anos de vida são altíssimas. Cerca de 30% das empresas criadas não sobrevivem nos dois primeiros anos de vida.
Os sucessos estrondosos, como Google, Facebook, Amazon, Apple etc., atraem enorme atenção. Em geral, essas empresas estão em setores de novas tecnologias. Muitos empreendedores almejam e sonham em criar negócios semelhantes.
Mas há milhares de empreendedores e de empresas que são criadas todos os dias, nos mais variados setores, não apenas nos setores inovadores de alta tecnologia. No leanmail anterior, mencionei a existência de um movimento de lean startups, no qual são buscadas formas alternativas de se iniciar um novo empreendimento e encontrar um modelo de negócio eficaz, a partir de um lançamento inicial mínimo, experimentação, análise aprendizado e, então, ampliação da escala. Isso evita o desperdício de muitos recursos financeiros em projetos sem resultados. E dá mais previsibilidade e estabilidade ao processo de criação de novas empresas.
O desafio de uma nova empresa, particularmente daquelas que são inovadoras com produtos e processos ainda não existentes, é como conseguir, desde o início, capturar o que os clientes realmente querem, particularmente fundamental em ambientes de elevada incerteza. E manter esse espírito ao longo da vida da empresa. Isso é muito mais poderoso do que a sorte ou o acaso.
Esses conceitos estão revolucionando os métodos tradicionais de “empreendedorismo”, acelerando o aprendizado do que funciona melhor e o descarte do que não funciona.
Novos negócios de empresas existentes
Empresas precisam desenvolver novos negócios e lançar novos produtos constantemente para sobreviver e prosperar. Mesmo as empresas praticantes do lean há anos, na hora de criar novos negócios, parecem não aplicar os conceitos lean.
Como em muitos casos, o lean segue encapsulado na área de operações, o envolvimento da área de negócios é pequeno e estabelecer processos mais robustos, científicos e menos intuitivos nem sempre é tarefa fácil nessa área. Um dos fundamentos da gestão lean é tornar a gestão total da empresa mais científica, inclusive nos processo de desenvolvimento de novos produtos e novos negócios.
A diversificação das empresas grandes muitas vezes significa incorporar novas empresas (aquisições), devido à fragilidade e falta de robustez dos processos internos de desenvolvimento de novos produtos ou das novas áreas de negócios.
Para muitas empresas, parece ser mais fácil comprar ou fazer uma joint venture, em vez de expandir por conta própria. Conforme mencionamos na criação de novas empresas, nesse caso, igualmente importante é o aprendizado. Assim, embora sabidamente grande parte das fusões e aquisições não dão certo ou não trazem os resultados esperados, muitas empresas parecem preferir a comodidade do que o árduo trabalho de aprendizado, embora possa haver ocasiões em que uma joint venture possa ser útil.
É por isso que empresas lean, como a Toyota, têm uma abordagem diferente para a criação de novos negócios. É bastante conhecida a história do Lexus, um produto substancialmente diferente para um novo mercado e uma nova base de clientes. Usando o princípio de “ir ao gemba”, atribuiu a responsabilidade direta aos responsáveis pelo novo produto e fez com que eles próprios vivessem para Beverly Hills e convivessem diretamente com os americanos ricos para, a partir daí, identificar as suas necessidades e traduzi-las em produtos e processos.
Por isso, é fundamental criar as condições para um aprendizado permanente na empresa, inclusive para gerar novos negócios e novos produtos.
Algumas das lições aprendidas nos startups lean podem ser usadas também para a definição da estratégia para um novo negócio de empresas existentes. A formulação de estratégias deve ser baseada na construção de cenários e hipóteses, muito mais do que na mera instituição ou mesmo fé.
Novas plantas
Conhecemos dezenas de casos de empresas que nos procuraram em um momento que estavam prestes a fazer novos investimentos significativos para aumentar a capacidade. Após uma rápida caminhada pelo gemba, quase sempre percebíamos que a empresa não tinha falta de capacidade, mas sim má utilização da capacidade existente. Após alguns meses de trabalho, frequentemente usando a ferramenta do 3P, essa capacidade invisível e escondida aparecia e a empresa engavetava os planos de expansão, salvando, assim, milhões de reais.
Isso não significa, porém, que não possa haver o momento de expandir e haja necessidade de se criar uma nova planta. Algumas empresas têm aproveitado essa oportunidade e alocado alguns de seus especialistas em lean para construir uma planta onde haja fluxo, os processos sejam simples e robustos, a utilização do espaço seja bem feita etc. Nos casos em que nos envolvemos, sempre traz substanciais economias de investimento em comparação ao previsto originalmente, quase sempre da ordem de 50%. Assim, evita-se reproduzir os erros antigos e ter que fazer, já na primeira semana de funcionamento, a primeira semana kaizen.
Mas não temos tido o mesmo sucesso ao tentar convencer as empresas que não basta ter o leiaute apropriado, as máquinas certas na capacidade, o fluxo certo, ou seja, o hardware, se o mais importante que é o modo de pensar e a dimensão social da gestão lean, o software, não for incorporada também. Conheço várias plantas lean concebidas por equipes altamente competentes e experientes que, após iniciar a operação, não usam todo o potencial e a planta se torna uma planta “normal” em seu desempenho, ao contrário do que esperaríamos.
Novos processos
De modo semelhante, invariavelmente, sempre que somos convidados a ajudar alguma empresa a projetar um novo processo usando essa ferramenta simples, o 3P, ao final, as alternativas sugeridas significam que será necessária metade ou menos dos recursos propostos, quando a empresa já estava avançada em sua decisão.
Às vezes, há mais automação do que o necessário, a capacidade adicionada é muito acima da necessidade sistêmica, a complexidade é excessiva, não há muita flexibilidade para se adaptar a múltiplos modelos, os custos, inclusive de manutenção, são altos, a disponibilidade é baixa, mesmo em máquinas e equipamentos novos. Quantas vezes vimos processos parados por problemas em determinado robô, que após uma análise superficial, nota-se que ele efetivamente nem seria necessário, podendo ter sido encontradas soluções mais simples e baratas.
Pensar lean desde o início vai criar empresas, negócios, plantas e processos muito mais eficazes e flexíveis. Lean não serve apenas para melhorar as operações existentes. É para garantir negócios mais sólidos e melhores resultados já na concepção.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil
PS1. Diversas sessões do Lean Sumit 2012 cobrirão aspectos desses temas aqui mencionados, de modo a permitir o compartilhamento de diversas experiências. A sessão Desenvolvimento de Produtos e Inovação mostrará os progressos da Embraer e da GM ao disseminar lean para o desenvolvimento de produto e da Globo.com com a introdução de conceitos de lean IT. A sessão Começando certo em novas fábricas e expansões será dedicada a apresentação de novas plantas da Mercedes em Juiz de Fora e da Tigre. PS2. Disponibilizamos um artigo de Michael Ballé, coautor de A Mina de Ouro e O Gerente Lean, intitulado “Como enfrentar a resistência da média gerência?”, que trata das dificuldades e da importância de envolver mais efetivamente a média gerência na transformação lean. Esse tema será abordado em diversas sessões no Lean Summit 2012, em particular nos tracks focalizados em pessoas.
PS3. A discussão sobre métricas e indicadores será um dos destaques do Lean Sumit 2012, com apresentações e cursos de Brian Maskell. O artigo “Indicadores no lean” de Michel Baudin colabora com essa discussão.
PS4. Como você se sente quando fala sobre lean e ninguém o entende? No final de julho, lançaremos um novo livro: “Tudo que Sei Sobre Lean Aprendi no Primeiro Ano da Escola”, de Robert Martichenko. Ele faz uma analogia com o cotidiano escolar, apontando técnicas e ferramentas lean simples que aprendemos desde o início de nossas vidas e que, por algum motivo, acabamos nos esquecendo com o tempo.