Neste momento de grande crescimento econômico e expansão da demanda doméstica, inúmeras empresas estão desenvolvendo projetos de expansão da capacidade produtiva. Trata-se de uma decisão importante e séria que requer muitos cuidados. E é uma excelente oportunidade para as fábricas novas começarem com os conceitos lean desde o nascedouro.
A primeira avaliação a ser feita é a real necessidade de uma nova planta tendo em vista a atual capacidade de produção existente. Muitas empresas têm capacidade ociosa invisível tão significativa que os volumes podem crescer bastante sem requerer novos investimentos. Simplesmente, um esforço maior de estabilização liberará esta capacidade escondida.
Examinando o lado da demanda, as indagações a serem feitas são se o crescimento atual deverá ser sustentado ao longo do tempo ou trata-se de uma mera bolha. Construir inúmeros cenários, até os mais pessimistas, ajuda a garantir a viabilidade futura do investimento, reduzindo os riscos de insucesso.
Respondidas estas questões sobre a capacidade de produção atual e a demanda futura, esta expansão pode se mostrar realmente necessária. Agora, trata-se de projetar uma nova planta dentro dos princípios lean, considerando as seguintes dimensões:
1. Definição do produto e da demanda. É fundamental garantir que o(s) produto(s) tenha(m) parâmetros para prover uma real agregação de valor aos clientes. Uma definição importante é a padronização e a variedade. Muitas vezes, as empresas criam uma variedade excessiva que vai muito além das reais necessidades dos clientes, o que onera demasiadamente os custos para toda a cadeia produtiva.
Os produtos devem ser fáceis de montar e ter o envolvimento adequado de fornecedores capacitados para os itens que serão comprados.
Uma definição essencial é o tamanho da demanda que vai se atender o que, por sua vez, vai definir o ritmo das operações (tempo takt) e as dimensões do fluxo de valor (fornecimento - produção - distribuição). Uma estratégia de investimento gradual, que permita o crescimento da capacidade de acordo com a demanda, evita a criação de capacidade ociosa por longo tempo (ver os conceitos de Linearidade do Capital e do Trabalho. Léxico Lean, pg 47-8).
Não há fábrica eficiente sem um bom produto e sem uma demanda estável e bem dimensionada.
2. Projeto dos fluxos de valor. Agora que temos o produto e os volumes a serem produzidos, devem-se definir as etapas do processo que agregam valor ao produto.
Para isso, tecnologias de tamanho certo e adequadas à demanda do fluxo de valor são fundamentais, ajustando-se assim os equipamentos existentes no mercado às necessidades específicas da empresa. O mais moderno, ou o mais veloz, nem sempre é o mais adequado. Equipamentos e instalações flexíveis, simples, robustas e testadas são ideais. E devem-se contemplar as possibilidades de expansões futuras.
Define-se o que é possível dedicar e o que necessitaria ser compartilhado às várias famílias de produtos, mas buscando conectar etapas com capacidades equivalentes, projetando a operação em fluxo contínuo desde o início, sem monumentos, sem gargalos e sem ociosidade.
Como o nível de participação dos fornecedores deve ser definido nas fases iniciais do desenvolvimento do produto, os níveis de verticalização e os sistemas de suprimento já podem ser estabelecidos a priori.
Tanto o fluxo de informações quanto o de materiais precisam ser projetados adequadamente, de acordo com os princípios lean. O layout macro deve buscar ao máximo garantir o fluxo contínuo (fluxo de uma peça só) reduzindo as movimentações de materiais e os transportes internos.
É importante dar muita atenção ao fluxo da informação desde o início. As empresas investem um tempo enorme pensando no fluxo de materiais e não dão a mesma importância ao fluxo de informações. Não se trata simplesmente de adotar as tecnologias de informação que pareçam adequadas. O fluxo de informações deve ser o mais simples possível, visual, com a programação em único ponto. E as conexões entre os processos diretas e claras, garantindo o “Just in Time”, só produzindo o necessário na hora certa. O gerenciamento visual (andons p.ex.) deve ser planejado desde o início, e não adaptado após a operação.
Deve-se dimensionar os mínimos estoques (supermercados) de matérias-primas, produtos acabados e em trânsito quando o fluxo contínuo não for possível, assim como suas localizações e como serão controlados visualmente.
As rotas internas de abastecimento e o plano de movimentação para cada peça tem o objetivo de facilitar a entrega de materiais nas mãos dos operadores e minimizar os movimentos, transportes e esperas.
As docas de entrada poderiam ficar próximas das docas de saída para otimizar a mão-de-obra e limitar o uso de empilhadeiras a apenas uma área física, evitando problemas de segurança.
A localização da nova planta precisa considerar a macro-logística em função de suprimentos e do mercado consumidor, assim como a integração com as outras operações da empresa. Não priorizar tanto eventuais pacotes de investimento com juros baixos, pois qualquer investimento desnecessário onera a empresa, que vai arcar com os custos fixos.
Os impactos ambientais também devem ser considerados, utilizando-se de tecnologias limpas e a menor utilização possível de insumos como energia, água, etc.
É fundamental considerar o planejamento do trabalho no nível do processo, elaborando os padrões de trabalho e o trabalho padronizado. As estações de trabalho servem para facilitar a vida das pessoas que as operam, mantêm e abastecem, evitando desperdícios e garantindo soluções ergonômicas confortáveis.
3. Definição da Estrutura e Pessoas. Projetar uma nova planta não se restringe à instalação física. A definição da estrutura a ser criada começa de “baixo para cima” (ou de cima para baixo”, dependendo do ponto de vista), ou seja, a partir do trabalho de agregação de valor a ser executado e do apoio direto necessário (materiais, informação, manutenção) para garantir a solução de problemas rápida e eficaz assim como a definição de contramedidas para evitar a recorrência ate a identificação e eliminação da causa raiz.
O estímulo ao trabalho em grupo e a estrutura de apoio direto devem funcionar como mecanismo de suporte e não como forma de exercício de autoridade e controle.
As necessidades de se produzir com qualidade a baixos custos vão estabelecer os níveis de conhecimento e habilidades da mão-de-obra, definindo a seleção, treinamento e qualificação do pessoal. Às vezes, ter a atitude correta é mais importante do que o próprio conhecimento técnico e a experiência prévia dos contratados.
O treinamento dos diferentes níveis hierárquicos deve ser o mais prático possível, apesar da nova planta não estar ainda em operação. O uso de simulações reais pode ser bastante útil.
A definição dos métodos de trabalho para garantir alta produtividade e qualidade na primeira vez é feita preponderantemente pela engenharia, nesse primeiro momento, com o apoio dos “team leaders” e supervisores. Após o inicio da produção e dos esforços de estabilização, todos os operadores deverão estar envolvidos em melhorias (kaizen).
A preparação adequada para o “start up” não deve subestimar a necessidade de muito treinamento prático dos operadores e do pessoal de apoio (“on-the-job training”), com muita ênfase nos “team leaders” e supervisores.
Por sua vez, os gerentes e diretores precisam conhecer a filosofia lean para serem capazes de exercer o tipo de liderança adequada (próxima do “gemba”, desafiadora e apoiadora) e apoiados pelo sistema de gestão visual.
O aprendizado coletivo vem apenas com a prática, mas, nos anos iniciais, a luta pela estabilidade deve ser preponderante já que muitos elementos novos estão envolvidos (máquinas, equipamentos, produtos, pessoas) sem haver a necessidade de esforços substanciais de kaizen nos meses, ou até mesmo anos, iniciais da operação.
4. Gerenciamento do projeto da nova fábrica. A definição de quem deve gerenciar o projeto de definição e construção da nova planta, assim como o processo utilizado, pode definir o sucesso inicial da operação.
A começar, o gerente de projeto deve ter conhecimento prático da filosofia lean. Ser capaz de estimular as pessoas a trabalhar em equipe, ter um plano detalhado, fazer o acompanhamento visual através do A3 e do obeya (‘big room”) e ser simples, objetivo e pró-ativo na condução das etapas de implementação.
A equipe de definição do novo projeto requer pessoas que conhecem os conceitos lean das áreas de Engenharia de Manufatura, Engenharia de Desenvolvimento, Engenharia da Qualidade, Produção, Controle da Produção-Logística e do Controller que tem que estar de olho nos custos/prazos e ROI.
Desse modo, pensando no cliente desde o início, criando um fluxo de valor enxuto e flexível, definindo as estruturas e as pessoas adequadas além do gerenciamento correto da implementação, haverá grandes chances da nova operação ser um sucesso de qualidade, satisfação dos clientes, custo e rentabilidade.
Mesmo com todos esses cuidados, apenas será possível saber se a planta realmente opera de uma forma lean após algum tempo, anos mais do que meses, até que a dinâmica inter-pessoal e o estilo de liderança se consolidem, assim como o senso de urgência e a capacidade de expor e resolver problemas fiquem evidenciados.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil
PS. Este tema será objeto de uma sessão especifica no Lean Summit com apresentações sobre o projeto de novas plantas da DuPont e Sabó. O Lean Summit 2008, dias 9 e 10 de junho em São Paulo, abordará, além deste tema, diversos outros relacionados a assuntos altamente relevantes para as empresas que buscam aplicar o lean, organizados em 8 temas e com 5 especialistas internacionais, dentre os quais James Womack. Não perca a oportunidade de participar de um dos maiores eventos da comunidade lean no mundo.
Agradeço a Gilberto Kosaka, Flavio Picchi, Flavio Battaglia e Alexandre Cardoso pelas sugestões.