LOGÍSTICA E CADEIA DE SUPRIMENTOS

Prática lean alavancando resultados no supply chain da Leroy Merlin

Daniel Felipe de Oliveira, Marcos Katsurayama e Alvair Silveira Torres Júnior
Prática lean alavancando resultados no supply chain da Leroy Merlin
Entenda como um programa prático de capacitação conduzido pelo Lean Institute Brasil junto à Universidade Corporativa Leroy Merlin trouxe resultados transformadores para a equipe de Supply Chain

A Leroy Merlin é um varejista de produtos para construção, reforma, decoração, acabamento, bricolagem e jardinagem. De origem francesa, atua em 12 países, incluindo o Brasil, onde o varejo é um segmento particularmente de margens muito estreitas e altamente competitivo. Em um cenário onde custo, velocidade e qualidade são três elementos essenciais na competição, é fundamental que as operações na cadeia de suprimentos estejam enxutas.

Para tanto, a prática Lean foi fomentada pela necessidade da empresa em aprimorar seus custos e aumentar a rapidez na preparação de pedidos — isso, por meio da eliminação de desperdícios. Enxergar as tarefas que não agregam valor para serem eliminadas vinha a colaborar, ainda, para uma entrega de qualidade muito melhor na medida em que os fluxos de materiais e informações performavam de modo mais completo e correto, evitando uma série de atividades que podiam afetar negativamente a experiência do cliente.

Havia clareza de que, expondo e tratando os desperdícios, seria possível alcançar um aumento de produtividade de 20 a 30% no período de três anos. Melhorar os fluxos de trabalho no dia a dia da operação de Supply Chain no Brasil — que possui com mais de 1,6 mil pessoas apoiando as operações logísticas em uma rede de 47 lojas e quatro centros de distribuição — seria o caminho para atingir um aumento da rentabilidade, o que permitiria à empresa atrair mais investimentos do Grupo Adeo, ao qual pertence.

É importante ressaltar que a área de logística da Leroy Merlin passava por um grande momento de transformação. O modelo antigo de simples depósito da loja com colaboradores operacionais que aguardavam serem direcionados já não funcionava mais em um cenário omni-canal, no qual as expectativas dos clientes eram cada vez mais altas no tocante à agilidade e qualidade das entregas.

A filosofia Lean se encaixava perfeitamente nas expectativas da alta direção em relação ao comportamento das equipes frente aos novos desafios apresentados nos indicadores de OTIF (on time in full), NPS (net promoter score), tempo de preparação e tempo de entrega. A Leroy Merlin precisava urgentemente mudar o conceito de logística para um modelo verdadeiro de Supply Chain, ou seja, construindo integração e conectando a operação à estratégia.

 

Universidade corporativa alinhada ao propósito de melhoria no supply chain

Consciente de que a transformação dos fluxos de valor para melhoria de performance passa pela transformação das pessoas, a Leroy Merlin dispõe de uma “academia” centralizada que procura identificar todas as competências que são necessárias para o exercício de cada função. Chamada “Universidade Corporativa”, a iniciativa tem o propósito de suportar a capacitação de cada uma das pessoas para que possam cada vez mais caminhar no sentido de construírem uma empresa melhor.

A Universidade Corporativa criou, em 2021, uma academia específica para as formações da área de Supply Chain, uma área que, naquele momento, era carente de desenvolvimento naquele momento. O início da construção considerou a criação de trilhas básicas de conhecimento em processos, porém, também foi identificada a necessidade de uma grande mudança de “mindset” nas equipes até então voltadas apenas para processos operacionais. Em parceria com o Lean Institute Brasil, foi iniciado o processo de formação das Equipes de Supervisores de Logística e, logo a seguir, dos gerentes das áreas como multiplicadores.

A Universidade Corporativa Leroy Merlin utiliza como metodologia de ensino a regra do “70-20-10”. Isso se baseia no entendimento de que 10% do aprendizado se dá em “sala de aula”, 20% vêm por meio do compartilhamento do conhecimento com colegas, mas 70% se dá pelo genchi genbutsu, que significa ir ao local real (gemba), observar os fatos por si e então aplicar o ciclo PDCA (“Plan, Do, Check, Act”, ou “Planejar, Fazer, Checar, Agir”, em português). Em outras palavras, sem o viés prático da capacitação de pessoas alinhado ao propósito do que acontece de verdade no gemba, não é possível gerar plenamente a transformação das pessoas e, consequentemente, a transformação do negócio para melhor.

Com base nessas premissas, as formações sempre previam, ao final, a apresentação de um projeto aplicado às diretorias, estimulando a consolidação prática do conteúdo aprendido. Os resultados apresentados nos projetos mostraram a efetividade da metodologia, o que estimulou nos participantes a continuidade das práticas em suas rotinas.

Tal premissa metodológica para a capacitação foi diretamente associada com a prática Lean para desenvolvimento das pessoas. O pensamento Lean preconiza o envolvimento prático de cada indivíduo, ou seja, a conexão empírica dele com o propósito real do trabalho. Ainda, além do propósito e pessoas, a transformação Lean precisa permear os aspectos técnicos dos processos e do trabalho, bem como o sistema de gestão e liderança, sem deixar de lado as especificidades culturais e pressupostos básicos de pensamento que permeiam o grupo de pessoas envolvido. Tal abordagem para transformação Lean é consolidada em um modelo: o Lean Transformation Framework (LTF). O LTF, ilustrado na Figura 1, foi desenvolvido a partir de décadas de trabalho com organizações e indivíduos em busca da transformação, sendo uma estrutura utilizada como um guia para experimentação, solução de problemas e aprendizado com o objetivo de ajudar as organizações a se tornarem cada vez mais Lean.

Figura 1 — Lean Transformation Framework (LTF): como conectar pessoas, processos e gestão para o propósito da transformação

 

O LTF na Leroy Merlin está em aplicação para levar a prática Lean para todas as 47 lojas do Brasil, bem como para centros de distribuição. Para isso, está se pautando em algumas poderosas ferramentas. Todas essas ferramentas conectam pessoas e processos para gerar resultados transformadores.

Entre elas, estão:

  • Mapeamento do Fluxo de Valor, que mapeia o processo e identifica o que gera valor para o cliente e o que é desperdício;
  • Gerenciamento Diário, que garante que a equipe trabalhe diariamente em direção às variáveis de controle selecionadas, e conduzindo a solução de problemas;
  • 5S, para um local de trabalho arrumado, bem organizado e limpo, no qual as pessoas possam fazer o melhor trabalho possível;
  • Pensamento A3 como metodologia de aplicação do PDCA para apoiar a melhoria, com os cinco porquês críticos construídos na etapa de análise para ensinar as pessoas a sempre chegar à causa raiz de um problema.

Hoje, já é possível observar que os conceitos passam a fazer parte da rotina diária da maior parte das lojas e o envolvimento das equipes é cada vez maior. As equipes contribuem com ideias inovadoras e desenvolveram uma visão mais ampla dos processos e de seus propósitos dentro da Supply Chain.

 

Trilha de capacitação para a transformação lean no supply chain

Uma vez que as premissas para desenvolvimento das pessoas estavam estabelecidas (valorizando a prática e a transformação real com propósito para gerar resultados), foram desenvolvidas trilhas de formação para toda a estrutura de Supply Chain.
Envolvendo gerentes, supervisores e equipes da operação, a trilha contemplava o desenvolvimento de habilidades sociotécnicas específicas para a gestão de Supply Chain, servindo como forma de criar multiplicadores internos para expandir a prática Lean de forma autônoma na própria empresa.

Para tanto, os encontros de formação eram sempre desenvolvidos com conexão para tratativa de problemas reais dos participantes, os quais eram externalizados e discutidos. A trilha também envolvia a execução prática de um projeto de melhoria dos participantes, utilizando o formulário A3 conforme a Figura 2.

Figura 2 — Formulário A3 como forma de operacionalizar o PDCA

 

O Formulário “A3” se refere ao tamanho do papel (42 x 29,7cm), que é tipicamente usado para relatórios de uma única página refletindo o método científico (PDCA – Plan, Do, Check, Act) para solução de problemas. Geralmente, conforme a Figura 2, o relatório é dividido em seções que representam cada etapa do método de solução de problemas: planejar (Plan), fazer (Do), verificar (Check) e agir (Act). É uma maneira de “contar a história do problema” altamente visual que desenvolve o pensamento crítico, não apenas limitando o espaço físico para explicar algo, mas também para pedir ao “dono” do problema para definir a melhor maneira de descrever os dados relevantes necessários para construir o consenso e ajudar o aprendizado organizacional.

O uso do Formulário A3 na trilha de formação para Supply Chain reforçou o desenvolvimento do entendimento profundo e experiência dos participantes com PDCA e liderança. Uma vez que a solução de problemas envolvia sempre o trabalho em equipe, o “dono do A3” sempre tinha a necessidade de promover alinhamento entre seus pares e liderados, e contava com um mentor da própria empresa. Essa relação de “mentorentorado” é um componente crucial para o desenvolvimento das pessoas e vem junto da dinâmica da construção do Formulário A3. Mais importante que colocar muito entusiasmo no relatório A3 em si é o processo de sua criação e participação da equipe e do mentor — ou patrocinador (sponsor) — do projeto de melhoria que gera o aprendizado e a transformação.

A formação dos supervisores de Supply Chain foi composta por 17 módulos semanais com temas variados em soft e hard skills com a participação do Lean Institute Brasil na formação e mentoria dos projetos aplicados.

Para os gerentes de Supply Chain, a trilha contou com 128 horas para 40 participantes em 12 módulos na modalidade híbrida (encontros presenciais e online), teve início em setembro de 2022 e finalizado no início de 2023, com a apresentação dos projetos aplicados pelos participantes.

A Figura 3 ilustra alguns dos encontros que ocorreram na modalidade online.

Na conclusão da trilha de formação, todos os participantes apresentaram os resultados alcançados pelos projetos práticos de melhoria construídos a partir do Formulário A3. Foi impactante perceber a tratativa dos problemas reais evidenciados ao longo da trilha por meio dos resultados práticos que foram apresentados, tais como:

Figura 3 — Encontros de formação da turma de gerentes de Supply Chain na modalidade online

Melhora na performance da modalidade de entrega “Clique e Retire”:

  • Tempo de preparação de 31% para 91% em 2h em uma regional;
  • Aumento de 52% no faturamento nessa modalidade na mesma regional;
  • Aumento de 13,2 pp no resultado de NPS dessa modalidade em um estado no litoral e de 24 pp em estado da região Sudeste;
  • Melhora nos resultados de OTIF (On Time In Full):
  • De 83% para 93% em uma regional no interior do país;
  • De 93% para 97% em um estado do litoral;
  • Redução no cancelamento de pedidos:
  • Redução de 63% em uma regional, equivalente a R$ 3,3 milhões;
  • Redução de 53% em outra regional.

Outros resultados qualitativos referem-se à padronização das operações e avanço na prática dos 5S. Na dimensão da gestão e comportamento da liderança, destaca-se a expansão da aplicação do Gerenciamento Diário (GD) e a presença mais frequente da liderança no gemba.
Algumas dessas evidências estão disponíveis na Figura 4.

Figura 4 — Exemplos de evidência de resultados qualitativos nas áreas da operação de Supply Chain e mudanças na gestão e liderança

 

Continuidade e yokoten (disseminação) da jornada lean

Foi possível colher depoimentos dos participantes da trilha de formação, que reforçaram aspectos qualitativos da transformação para melhor e de como se pratica e se executa a gestão de Supply Chain no dia a dia. Comentários como “aprendemos a fazer as perguntas corretas”, “sou hoje mais questionador dos meus processos” e “minha equipe se sente mais empoderada para conduzir melhorias de forma autônoma” reforçam como o caráter de multiplicador Lean buscado com a trilha de formação foi alcançado na medida em que tais práticas descritas reverberam e acessam outras pessoas da organização.

Vale destacar o papel da equipe do centro de distribuição de São Paulo (CD-SP) como pioneira na aplicação e disseminação do Lean a partir de profissionais especializados e dedicados à excelência operacional em Supply Chain. Hoje, essa equipe está aprofundando a prática Lean em uma loja modelo onde os resultados já se demonstram muito promissores, com projeção para em breve haver a replicação nas demais lojas.

Os diversos resultados já colhidos na estrutura de Supply Chain creditam cada vez mais a prática Lean na Leroy Merlin. Como próximos passos, a empresa já se estrutura para estender a prática Lean em outras áreas funcionais, tais como comércio, atendimento e propriamente toda a gestão.

Publicado em 26/04/2024

Autores

Daniel Felipe de Oliveira
Head para Supply Chain e Logística
Marcos Katsurayama
Especialista em Educação Corporativa da Academia Supply Chain da Leroy Merlin
Alvair Silveira Torres Júnior
Senior Lean Coach
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal