RECURSOS HUMANOS

Gestão dos Recursos Humanos no Sistema Toyota de Produção

O artigo trata do como gerenciar os recursos humanos para atingir os níveis de eficiência obtidos com o Sistema Toyota de Produção.

Com a difusão do Sistema Toyota de Produção (TPS), o mundo já fala a mesma língua das ferramentas da produtividade: JIT, jidoka, kaizen, etc. Mas, pouco se fala sobre como gerenciar os recursos humanos para atingir tais níveis de eficiência. O fato do TPS produzir de acordo com a demanda (atuar sob o JIT), incluir a qualidade do produto no processo de produção (jidoka) e dar enfoque à melhoria contínua (kaizen) torna imprescindível uma boa Gestão dos Recursos Humanos para obter a participação de todos os envolvidos e manter o moral elevado.

Para entender a Gestão dos Recursos Humanos no TPS, nada melhor que examinar o exemplo da Toyota no Japão. Com a crise que se seguiu à 2ª. Guerra Mundial, a Toyota enfrentou sérios problemas referentes à mão de obra e a acordos com sindicatos, o que resultou em numerosas demissões e acordo de emprego vitalício para os que ficaram na empresa. Desde então, a empresa vem aplicando uma Gestão dos Recursos Humanos à sua maneira, sob influência da cultura do Japão, de forma a conquistar cada vez mais a participação dos funcionários na melhoria das atividades no processo de produção, redução de custos e responsabilidade sobre a qualidade, garantindo assim, o crescimento da empresa como um todo. Tudo isso tem sido conquistado dentro da filosofia da empresa que pode ser descrita como melhoria contínua e respeito à vida humana. Essa filosofia tem permeado a empresa e todos os seus funcionários através da gestão dos recursos humanos. Hoje, com a entrada da Toyota em vários países e a necessidade de explicitar essa linha de pensamento foi escrito em 2001 o Toyota Way, a formalização dessa filosofia.

1. Toyota way

O Toyota Way diz respeito à postura ou valores que os envolvidos com a empresa devem ter. Assim como o TPS, o Toyota Way também baseia-se em dois pilares que são a melhoria contínua e o respeito às pessoas. Esses pilares podem ser explicados da seguinte maneira:

  • melhoria contínua, ou sabedoria e kaizen como é dito no Japão, é formado por três itens, a saber, challenge (desafio), kaizen (melhoria continua) e genchigenbutsu (ver o local e ver os fatos).

Por challenge entende-se como o incentivo à criação, inclusive ao erro. O ser humano apreende o conhecimento com o acúmulo de acertos e erros e, se existe o medo de errar a possibilidade de acertar também é restrita; assim, na Toyota os funcionários são encorajados a criar, ter uma visão a longo prazo e tomar decisões bem avaliadas.

Kaizen é a idéia de que não existe nada perfeito, que a melhoria é infinita. Ou seja, jamais deve se acomodar com a conquista atual e, por mais que pareça perfeito, tudo pode ser melhorado. O melhoramento deve ser contínuo, jamais ter fim.

Genchigenbutsu retrata o espírito do TPS de valorização da produção. Todas as decisões devem ser tomadas a partir de uma avaliação real do fato ou das coisas, ou seja, através da visão, tato, etc. Isso significa que, se o foco da empresa é o produto, todos os envolvidos devem conhecer pessoalmente o processo de produção do mesmo.

  • respeito às pessoas fundamenta-se no respeito ao próximo, aos acionistas e aos funcionários e o teamwork (trabalho em grupo). Incentiva-se à comunicação e a criação da confiança e responsabilidade mútua entre a empresa e seus funcionários, com o objetivo de promover o seu desenvolvimento.

De modo geral, esses são os itens que formam um Toyotaman. Entretanto, como o Toyota Way 2001 é a descrição da filosofia da empresa, torna-se muito genérico e abstrato. Para entender como alcançar os objetivos do STP é necessário ver na prática o que é feito dentro dessa filosofia. Essa prática nada mais é que a gestão dos recursos humanos. A Gestão dos Recursos Humanos na Toyota, assim como no Japão de modo geral, exerce um papel estratégico dentro da empresa e, justamente isso, é que sustenta a aplicação do Sistema Toyota de Produção.

2. Gestão dos Recursos Humanos na Toyota (GRHT)

Para entender a GRHT é importante atentar para as seguintes características que envolvem o relacionamento dos funcionários com o TPS:

  • estreita relação entre o gerenciamento da qualidade e o gerenciamento de pessoal;
  • impecabilidade no prazo de entrega (JIT);
  • redução de custos (eliminação dos desperdícios);
  • polivalência;
  • Erespeito à vida humana e às atividades de melhoria contínua.

Essas características exigem uma certa estabilidade na relação trabalhista e, para isso, a Toyota toma medidas que envolvem as eleições sindicais, práticas de assistência social e várias outras atividades de apoio ao relacionamento humano. Assim, a GRH na Toyota estende-se às empresas sub-contratadas e à sociedade local.

A seguir, vamos mostrar o funcionamento da GRHT na prática. A incorporação da Toyota Motor Sales (vendas) em 1982 difundiu uma tendência cada vez maior de nivelamento de operários e executivos. Entre 1989 e 1993 houve uma reforma salarial através de acordos firmados entre a empresa e o sindicato trabalhista. E, em 1997, uma reforma estrutural onde foram delineadas as metas para esse nivelamento, não só no âmbito salarial, mas inclusive em relação a treinamento e promoção. Os objetivos dessa nova estrutura eram a produção de carros atrativos para a venda e a intensificação da base de lucro.

2.1. Garantia do emprego

Na Toyota o emprego é garantido desde o pós-guerra através do emprego vitalício. Nem mesmo nos momentos mais difíceis, como no caso da crise do petróleo em 1973, ou da crise que se assola atualmente no Japão desde a queda do milagre econômico japonês do final dos anos 80, a Toyota não tem desfeito esse acordo unilateralmente. Mas, isso apenas é possível devido à existência de um cano de escape. Ou seja, existe os funcionários regulares e os não-regulares que são os trabalhadores temporários, os trabalhadores externos (contratados via empreiteira ou sub-contratadas), os part-time (horário não integral) e os trabalhadores sem vínculo empregatício. Apenas aos funcionários regulares é garantido o emprego. Os demais ficam a disposição das alterações de mercado. Quando a crise é tão grande a ponto de até mesmo os funcionários regulares ficarem ociosos, a Toyota transfere os mesmos, temporária ou definitivamente, para as empresas sub-contratadas que geralmente têm um número maior de trabalhadores sem vínculo empregatício.

Como é de costume no Japão, as empresas contratam anualmente, toda a primavera (mês de abril), jovens recém-formados no segundo grau e em nível superior. Estes são os que se tornam funcionários regulares da empresa. Nos casos em que a crise persiste por longo tempo, essa contratação anual apresenta índices inferiores comparados aos anos anteriores, o que vem acontecendo no Japão consecutivamente.

2.2. Salário

Baseado no nivelamento dos funcionários, o cálculo salarial é feito de forma a aumentar a flexibilidade funcional, aumentar a flexibilidade do sistema para adaptações estratégicas, aproveitar ao máximo a capacidade dos funcionários e desenvolver a capacidade criativa dos mais jovens. Assim, para os funcionários da produção preza-se a capacidade/ habilidade e para os executivos, os resultados.

O cálculo do salário dos funcionários da produção, até o ano de 90, era a soma do salário base (valor do salário firmado na contratação) mais o salário por produtividade. Em 1990, o cálculo do salário passou para: salário base (40%) + salário por produtividade (40%) + salário idade (equivalente ao salário por tempo de serviço, 10%) + salário por habilidade (10%). Porém, a estabilidade do emprego e a diminuição nos índices de contratação anual ocasionaram o envelhecimento da mão de obra na empresa, surgindo a necessidade de garantir a qualidade de vida dos funcionários e mantendo a sua motivação. Assim, salário passou a ser calculado como o é atualmente: salário base (40%) + salário por produtividade (20%) + salário idade (20%) + salário por habilidade (20%). A redução do salário por produtividade e o aumento do salário idade e por habilidade representa uma maior segurança para aqueles que já atingiram uma certa idade, a empresa, por outro lado, busca contar com uma maior participação dos funcionários com maior experiência.

Em relação ao salário dos especialistas e funcionários de escritório, até 1993, o cálculo era a soma do salário base (40%) + salário idade (20%) + salário por habilidade (40%). Na reforma estrutural de 1997 ficou determinado o programa de desenvolvimento de pessoal, no qual, em relação ao salário, excluiu o salário idade incorporando essa proporção ao salário base; e o salário por habilidade foi dividido em duas partes, por capacidade e por resultados, para assegurar maior expressão do potencial dos funcionários.

2.3. Promoção

Assim como em muitas empresas japonesas, existe na Toyota a dupla hierarquia. A primeira representa a hierarquia dos cargos que é equivalente ao que vem sendo praticada no Brasil, descrita através de um organograma da empresa no qual cada nível superior tem um poder de decisão maior. A segunda é a hierarquia do salário, diz respeito ao salário por habilidade. No caso da Toyota, desde 1997, a hierarquia salarial por habilidade apresenta 10 categorias que podem ser descritos como geral básico, intermediário e avançado; pré-especialista; especialista básico, intermediário e avançado; super especialista intermediário e avançado, e o super especialista superior que é equivalente ao nível do supervisor na hierarquia de cargos. A diferença do salário por habilidade da mais baixa categoria (geral básico) até a mais alta (super especialista superior) é aproximadamente de 3 vezes. A hierarquia do salário é uma forma de dar valor ao funcionário ao invés de definir o valor pela tarefa que o mesmo executa. As grandes vantagens dessa hierarquia são uma maior flexibilidade na alocação dos funcionários e o incentivo ao aprendizado.

Portanto, a promoção na Toyota possui dois significados, a promoção de cargo e a promoção de categoria. A promoção de categoria (salarial) é definida entre o superior imediato e a GRHT, anualmente, como resultado do OJT (on the job training-aprendizado na prática) realizado durante o decorrer do ano. O funcionário recém contratado é colocado na primeira categoria (mais baixa), após um ano passa por uma avaliação através do qual é definido o novo salário. Para a promoção de cargos, um item de grande importância é a avaliação dos colegas do mesmo grupo de trabalho. Os candidatos à promoção são escolhidos pela GRHT dentre aqueles que atingiram a categoria equivalente ao cargo abaixo do oferecido para a promoção. Esses candidatos participam de um Off-JT (Off the job training-cursos em sala de aula) e são elevados de categoria e dentre eles é escolhido o melhor para preencher a vaga.

2.4. Treinamento

A concorrência acirrada no mercado automobilístico exige cada vez mais a alta qualidade dos produtos e para alcançá-la um fator de grande importância é o treinamento. Para formar trabalhadores cada vez mais competentes, a Toyota tem demonstrado ainda mais a sua tendência em nivelar os funcionários. Essa tendência se reflete no novo programa de treinamento dos funcionários da produção, aplicado desde 2002. Os objetivos desse novo programa são desenvolver o espírito de desafio nos trabalhadores, melhorar o planejamento das habilidades de forma a adequar às alterações da produção e reconhecer e retribuir o esforço individual. Até então, aos trabalhadores da produção, alem do OJT, eram oferecidos apenas orientações sobre como proceder nos Círculos de Controle da Qualidade (CCQs) e as sugestões de melhoria contínua. Com o novo programa, os funcionários da produção vem conseguindo atingir o mínimo estabelecido dentro das tarefas na avaliação realizada após um ano da data de contratação, passam para uma categoria superior onde receberão treinamento, adequado ao tema e objetivos definidos pelo próprio funcionário. Após o treinamento, aqueles que desejarem, passam por uma nova avaliação e um novo treinamento. O programa é composto por 4 níveis, cobrindo 14 temas da produção e atinge 95% do total de funcionários da produção.

2.5. Relações trabalhistas

Uma peculiaridade da GRHT é o alto nível de confiança e reciprocidade entre a empresa e o sindicato dos trabalhadores. Em 1996, comemoraram-se os 50 anos da fundação do sindicato na empresa com a presença de representantes da indústria automobilística de vários países, no qual foram reafirmados os objetivos do sindicato de cooperar com o crescimento da empresa e a manutenção da competitividade e, a empresa por sua vez, comprometeu-se a colaborar com o desenvolvimento econômico e social do país baseado nos princípios da igualdade. Esse comprometimento por parte da empresa engloba atividades de assistência social, educação e outros. Os pontos fortes desse acordo são uma base comum para todos os trabalhadores e a garantia da confiança e responsabilidade mútua. A reciprocidade é tanta que a empresa participa das eleições de representantes do sindicato apresentando os seus candidatos. Ser representante do sindicato da empresa faz parte do programa de promoções (carreira). A relação amistosa faz com que os acordos empresa x sindicato sejam todos resolvidos internamente. Outro detalhe é que o sindicato abrange os trabalhadores da produção, os chefes, supervisores até os diretores de seção, garantindo assim que o sindicato lute pelos direitos dos trabalhadores, tais como salário, programas de promoções, condições de trabalho, treinamento e outros sem perder de vista o objetivo maior que é o crescimento e a competitividade da empresa.

3. Conclusão

Os itens citados acima são apenas alguns dos tópicos da GRHT. Conforme foi dito anteriormente, é a prática dessa GRHT que garante a formação do Toyotaman descrito no Toyota Way. Por outro lado, a filosofia da empresa, descrita no Toyota Way, baseada na melhoria continua e no respeito humano é que tem guiado o planejamento da GRHT. A melhoria contínua pode ser vista em vários aspectos da GRHT, como exemplos, podem ser citados os treinamentos no qual o trabalhador é incentivado a tornar-se cada vez mais capacitado e responsável, e as reformas aplicadas na GRHT para adequar-se às peculiaridades do mercado de trabalho da empresa e as condições econômicas do país levando em consideração as solicitações do sindicato dos trabalhadores e a garantia da competitividade. O respeito à vida humana também é um fator que está sempre presente e pode ser observado, dentre outros, no nivelamento dos funcionários e na política salarial, na qual o trabalhador é avaliado pelo nível de sua habilidade, e não pelo seu posto de trabalho. O importante para qualquer empresa no Brasil que aplica a produção enxuta não é aplicar o GRHT na íntegra, mesmo porque as condições sociais, econômicas e trabalhistas de nosso país são totalmente diferentes, o que impossibilita a prática de certos detalhes. No entanto, para atingir a competitividade com baixo custo do produto e alta qualidade é imprescindível a participação e a responsabilidade de todos os envolvidos. E, essa cooperação e responsabilidade mútua só podem ser alcançados com a existência do respeito humano e a busca constante da perfeição, ou seja, a melhoria contínua.

Sobre a Autora:

Erica Hiramine de Brito
e-mail: [email protected]

Formada em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Pernambuco, trabalhou em linha de produção nas fábricas japonesas e fez especialização em Aumento de Produtividade baseado no Sistema Toyota de Produção (Chiba, Japão - 2000). Participou do processo de implementação do JIT em sub-contratada da Toyota Veículos (Gotemba - Japão). Foi pesquisadora das técnicas japonesas de Gestão da Produção pela Yokohama City University (Japão, 2002), onde atualmente cursa o segundo ano de mestrado em Ciências Administrativas, com foco em Recursos Humanos.

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Publicado em 21/09/2005

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