SAÚDE

Como posso conciliar o objetivo de uma área da saúde lean de focar no paciente com as demandas da gestão de cortar custos?

Caro Gemba Coach,

Sou o diretor lean de um hospital onde a administração continua investindo e, então, pedindo que cortemos custos. Entendo que o lean almeja um melhor atendimento ao paciente e lead-times menores, mas não estou conseguindo conciliar isso com as demandas de meu CEO. Algum conselho?

Bem, relaxe e aproveite seu problema; como nossos colegas britânicos diriam: essa é uma situação muito comum que nos leva ao coração do pensamento lean, então vale muito a pena explorá-la. Tanto o lean quanto a gestão tradicional buscam as mesmas coisas – vantagem competitiva através de melhor serviço e maior produtividade, mas eles têm modos radicalmente diferentes de alcançá-las.

Vamos ao gemba olhar para uma operação relativamente pouco controversa em um hospital: exames de sangue (em oposição ao cuidado, onde “bom atendimento” é difícil de definir e depende muito do contexto). Amostras de sangue dos pacientes são colocadas em tubos e reagentes são adicionados. Então, os tubos vão a uma centrífuga por alguns segundos e, depois, são examinados com um microscópio. Obviamente, os procedimentos variam de simples a muito complexos, onde a mistura celular tem de ser adaptada em vários passos, dependendo da natureza do exame.

Essencialmente, temos uma operação altamente especializada, que requer passos rigorosos, incluindo rotulagem, mistura de componentes e julgamento na interpretação de como as células aparecem no microscópio. Mas, o processo como um todo leva apenas algumas dezenas de minutos. No caso mais extremo, podemos imaginar um exame de sangue que, desde a picada até a lâmina até o microscópio, apenas alguns minutos se passam.

Um hospital, entretanto, realiza muitos desses exames por dia, então uma pergunta válida é como aumentar a produtividade, e, aqui, temos duas abordagens completamente diferentes.

Diferentes visões da produtividade

O pensamento tradicional olha para o custo unitário de cada exame de sangue, e o cálculo revela que investir em uma máquina automática de exames de sangue que os põe em lotes e, portanto, realiza muitos em certo período de tempo faz muito sentido. Para tanto, será necessário consolidar todos os exames de sangue na máquina a fim de usá-la eficientemente, mas também será necessário menos pessoal de laboratório por exame. A máquina pega amostras de uma esteira e, então, faz a diluição, adiciona os reagentes, mistura e faz análises através de softwares. Ela consegue realizar quase dez mil exames por hora. Isso é inteligente porque:

1. A qualidade é melhor porque há menos risco de erro humano.

2. Os custos são mais baixos porque há menos pessoal necessário.

3. Os custos de amortização vão para o orçamento do hospital central, e não para o custo padrão do exame de sangue.

O pensamento lean tem uma visão muito diferente da produtividade do exame de sangue e foca no lead-time. A questão é muito diferente: quão rapidamente entregamos o produto final, os resultados da análise, ao médico? Se olharmos dessa forma, cada enfermaria teria seu próprio laboratório, e a questão é quantos exames cada enfermaria conseguiria realizar por si só. Esse é um problema central do lean – se quisermos desenvolver autonomia em locais mais próximos aos clientes, também precisamos desenvolver flexibilidade, o que, em alguns casos, como no exame de sangue, está longe de ser óbvio.

Ainda assim, alguns exames são urgentemente necessários para o médico dar um diagnóstico correto, enquanto outros são checagens de rotina para garantir que não estejamos analisando mal a condição geral do paciente. De fato, alguns resultados de exames podem ser checados após o paciente receber alta, já que são apenas necessários para eliminar casos improváveis.

Por esse ponto de vista, a produtividade é vista como o menor tempo de estadia do paciente no hospital, já que os exames são feitos o mais rapidamente possível sob demanda. A máquina automática não consegue fazer isso porque precisa lotear todas as amostras primeiro – as amostras têm de ser juntadas em algum momento para serem levadas ao laboratório. Então, ela cuida das amostras por lote e dá os resultados em um tempo fixo, normalmente algumas horas após retirar a amostra. Isso é muito lento para os resultados que são urgentemente necessários e muito rápido para as checagens de rotina. Temos entregas atrasadas em um caso e superprodução em outro.

Podemos visualizar duas formas diferentes de operar:

1. Tradicional: As amostras são juntadas por enfermaria, reunidas no laboratório central, loteadas na máquina automática. Os resultados são, então, organizados e entregues em um horário definido para as enfermarias. Como resultado, o trabalho da enfermaria foca na entrega dos resultados, quando o diagnóstico e, portanto, o cuidado pode continuar. O investimento no laboratório central e automatizado faz a análise da amostra muito “eficiente” por uma análise de custo unitário, mas muito complicado no geral.

2. Lean: As amostras são coletadas em todas as enfermarias todas as horas, separadas e enviadas a diferentes unidades laboratoriais dependendo da necessidade e especialidade. Os resultados são entregues assim que estão prontos. Isso requer muito rigor de logística e esforço (coletar a cada hora), mas, agora, o processo de exame de sangue está incorporado ao cuidado, e as enfermarias podem focar no paciente, em vez de focar nos exames, conseguem diagnosticar mais rapidamente e reduzir o tempo de estadia em todos os casos que permitir essa redução.

Foque no paciente

Como isso afeta a produtividade? No primeiro caso, a produtividade da unidade de exame de sangue impede a produtividade da enfermaria, já que médicos e enfermeiros dependem do processo automatizado de exame de sangue para fazerem seus trabalhos. No caso de enfermeiros, isso se aplica a toda a logística. Porque a logística entrega os materiais em grandes lotes para as enfermarias, enfermeiros gastam tanto tempo lidando com logística quanto passam cuidando do paciente e não conseguem se organizar efetivamente porque seus horários são definidos pela entrega.

Com rigorosas entregas regulares just-in-time, por outro lado, a enfermaria pode, agora, focar nos pacientes, perder menos tempo esperando por isso ou aquilo e lidando com grandes lotes quando chegam, o que significa perder mais tempo abrindo caixas e separando tudo. Como resultado de um ambiente de trabalho mais estável, os gerentes da enfermaria podem organizar melhor o trabalho padronizado e, por fim, precisarão de menos pessoal de enfermaria para cuidar melhor da mesma quantidade de pacientes.

A abordagem lean diz que melhor controle de logística leva a um ambiente de trabalho mais estável, o que permite aos gerentes da linha de frente criar um trabalho contínuo para todos (oito horas de trabalho padronizado para cada pessoa) e entregar melhor qualidade e maior produtividade. O trabalho lean requer menos pessoas e menos espaço de armazenamento, então tamanho da enfermaria também pode ser menor:

Melhor uso de capital no trabalho -> melhor uso de ativos fixos -> maior produtividade -> melhores margens

Executivos da alta administração fazem investimentos esperando reduções de custo como retorno. Como o investimento centralizado requer muito volume para ter um retorno efetivo, na maioria dos casos, a esperança por reduções de custo nunca se materializa. Tendo se comprometido a essas reduções de custo com seus próprios chefes, os executivos, então, procuram cortar custos onde podem pressionando os custos correntes. O resultado é, como se diz – altos investimentos sendo mal administrados por um lado, e reduções insensatas de custos criando incêndios operacionais por outro. Parece absurdo (na verdade, é absurdo), mas, na verdade, isso reflete os duros fatos de uma teoria da produtividade que assume que o custo unitário diminui quando o volume aumenta – em um mundo onde o volume quase nunca aumenta, mas a demanda por variedade sim.

Por outro lado, focar no controle e, então, reduzir os lead-times por logísticas firmemente controladas leva à liberação de equipes de agregação de valor para se organizarem em seus trabalhos e não dependerem de entregas subsidiárias (quão frequentemente você teve de esperar em casa porque pediu algo que será entregue “no dia”). Isso, por sua vez, permite às equipes focarem em fazer melhor seus trabalhos com menos desperdício de tempo, o que significa serviço e produtividade melhores.

Em vez de investir e, então, recuperar o investimento reduzindo arbitrariamente os custos operacionais, o pensamento lean o leva a melhorar seus giros de estoque (melhorar o uso de capital) usando equipamentos de forma mais flexível (melhorar o uso de ativos fixos), o que resulta em produtividade sem ter de reduzir custos correntes E levará a uma redução de custos conforme custos excepcionais devidos a contratempos desaparecem.

Ainda assim, como você diz, o desafio permanece: como convencer os executivos da alta administração?

Fonte: Lean Enterprise Institute.

Publicado em 23/11/2015

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal