No outono de 1990, Dan Jones, Dan Roos e eu concluímos
A Máquina que Mudou o Mundo, nossa descrição da empresa
lean. Previmos que em 1991 ou 1992 seria o
momento da crise quando todo o poder do lean (representado
pela Toyota e pela Honda) ameaçaria derrubar a produção em
massa (defendida pela General Motors). E na recessão de
1991-1992, a GM quase faliu.
Porém, como geralmente acontece com as previsões, estávamos
errado. O momento da verdade estava de fato atrasado
15 anos. O que agora parece certo é que a Toyota passará
a GM em 2006 para se tornar a maior empresa industrial do
mundo e a GM e a Ford passarão por uma transformação profunda,
quer seja liderada pelos dirigentes atuais ou por qualquer
outra pessoa.
Recentemente, enquanto ouvia executivos industriais e a
mídia lidando com esse evento extraordinário, notei a manifestação
irrelevante da maioria dos esforços para se encontrar
a causa raiz. A crise não ocorre devido a moedas desalinhadas,
a subsídios do “Japão, Inc.” ou a preços de energia aumentando
(apesar do último ter afetado o timing). E isso não é um simples
caso de muitos aposentados para a GM e a Ford manterem.
(Na verdade, isso tem sua causa e efeito no passado: a GM e a
Ford têm muitos aposentados norte-americanos como funcionários para manter, pois ambas as empresas têm perdido metade
das ações do mercado norte-americano nos últimos 25
anos e não têm contratado quase nenhum novo funcionário
em um quarto de século). A causa raiz da crise está no choque de
dois sistemas de negócio, e o melhor sistema está ganhando.
Como apontamos na Máquina — dedicando um capítulo
para cada ponto —, uma empresa lean consiste de cinco elementos:
um processo de desenvolvimento de produtos, um
processo de gestão de fornecedores, um processo de suporte ao
cliente, um amplo processo de gestão da empresa e um processo
de produção do pedido a entrega. E cada um desses processos
é superior aos processos empregados pelas mesmas
tarefas no produtor em massa.
O processo de desenvolvimento de produtos lean permite
que a empresa produza veículos com poucas horas de engenharia
e poucos meses de desenvolvimento, tendo poucos defeitos,
enquanto investe menos capital e torna os clientes mais
felizes. As ferramentas mais importantes são o conceito de engenheiro-
chefe, o projeto com múltiplas alternativas (o qual
também é simultâneo) e protótipo de alta velocidade com curvas
de trade-off para que a reinvenção seja evitada.
A gestão lean de fornecedores cria um pequeno número de
fornecedores altamente capazes em uma parceria de longo prazo
com seus clientes. Os fornecedores trabalham para atender as
metas demandadas pelos clientes (de custos, qualidade, entrega
confiável e novas tecnologias) e para alcançar essas metas, examinando conjuntamente o desenvolvimento e o processo de produção
que eles compartilham com seus clientes. A abordagem lean
tem benefícios dramáticos e previsíveis, mas se a GM e a Ford
ao menos entendessem esses conceitos, perceberiam que sua
notória necessidade de salvar a si mesmos, extorquindo seus
fornecedores, tornou a implementação impossível.
O suporte lean ao cliente cria clientes para a vida toda enquanto
reduz os custos de distribuição, trabalhando a partir da
experiência desejada pelo cliente até o fim das necessidades
do sistema de produção. De fato, apesar da Toyota ter desdobrado
esses conceitos de forma brilhante no Japão, ela falhou
em sua aplicação nos Estados Unidos. Seu sistema de distribuição
do Lexus criou um alto nível de satisfação dos clientes,
mas a um custo substancial. Alcançar a alta satisfação e o baixo
custo é o tópico principal do lançamento de meu livro Soluções
Enxutas, em coautoria com Dan Jones, e oferece uma oportunidade
maravilhosa para a GM e a Ford passarem a Toyota,
usando seus próprios métodos. Ou, se elas falharem, isso poderia
ser o ato final da tragédia, enquanto a Toyota finalmente
faz seu varejo lean nos próximos anos, da forma como ela
transformou suas operações de peças de serviços nos anos 90.
Um sistema lean de gestão envolve gerentes de todos os
níveis, encontrando os problemas principais que precisam ser
resolvidos e pedindo às equipes que lideram que descubram e
implementem as respostas. Essa prática de fazer as perguntas
certas, em vez de fornecer as respostas certas (as quais, de qual
quer forma, os chefes de alto nível não podem saber) é, talvez,
o contraste mais notável entre a mentalidade enxuta e a gestão
moderna ortodoxa e o mais difícil de se consertar.
Colocando esses quatro elementos juntos, não é uma surpresa
que os exemplos lean, Toyota e Honda, estejam avançando
constantemente, enquanto os produtores em massa em
recuperação, como a GM e a Ford, regridem constantemente,
apesar de adotarem partes do sistema lean. E note que nem
tenho mencionado o quinto elemento de uma empresa lean
— operações de produção — porque a GM e a Ford são agora
quase competidoras desta dimensão em termos de produtividade
da mão de obra e qualidade da planta de montagem. A
causa raiz da crise atual não está na fábrica. Está no resto do sistema
de criação de valor.
O que deveria acontecer em breve para a GM e a Ford resolverem
essa crise?
Reescrever o contrato social. Como a Toyota aprendeu
quando foi à falência em 1950 e demitiu um quarto de sua mão
de obra, nenhuma empresa em uma indústria muito competitiva
pode fazer promessas aos funcionários (ou aposentados)
que não são sustentáveis no mercado. Por isso, a Toyota fez um
acordo: acertar o tamanho da empresa de uma só vez, adequar
os salários e benefícios às condições do mercado (com as bonificações
de todos os funcionários ajustadas aos lucros) e tentar
defender arduamente cada funcionário que desejar adotar
o novo sistema de criação de valor. Há mais de 50 anos — ao
seguir cuidadosamente essas regras — a Toyota foi capaz de aumentar constantemente sua competitividade, ao mesmo
tempo em que defendia seus funcionários. Mas todos na Toyota
entendem que um emprego permanente com boas remunerações
depende da contínua criação de mais valor por funcionário.
É por isso que todos se preocupam tanto e refletem muito
sobre melhorar continuamente cada processo. “Emprego para
toda vida” é uma consequência da criação de valor, e não uma
pré-condição ou um direito.
Introduzir todos os elementos da empresa lean. Isso inclui desenvolvimento
de produtos, gestão de fornecedores, suporte ao
cliente e gestão lean. Essas práticas permitiram que a Toyota e a
Honda escolhessem os produtos certos a serem, pela primeira vez,
comercializados na América do Norte com preços de vendas substancialmente
mais altos dentro de cada segmento e com custos
substancialmente menores. Isso ocorre apesar de seus funcionários
na América do Norte estarem recebendo salários e benefícios
comparáveis aos da GM e da Ford — exceto pelos insustentáveis
planos de aposentadorias antecipadas e pensões definidas — e
seus fornecedores também obterem margens adequadas.
Simplificar o leque de produtos. A GM e a Ford tem um problema
especial, nunca enfrentado pela Toyota, em sua multiplicidade
de marcas. Mas a solução está realmente no passado
da GM. O presidente Alfred Sloan fez milagres no início dos
anos 20, racionalizando o caos da sobreposição e de empresas
e produtos imemoráveis que herdou do fundador Billy Durant.
Mas onde estaria o novo Alfred Sloan que também pode explicar
o que são o Buick, Pontiac, Saab, Saturn e GMC (e Mercury, Mazda e Jaguar, da Ford), ou se livrar de marcas que apenas
adicionam custos? A linha Scion da Toyota na América
do Norte (“o que há de novo?” nessa marca), a Toyota (uma
marca essencial para quem ama se transportar sem problemas,
mas não liga muito para carros) e a Lexus (para os que necessitam
de status ou imagem com seu transporte) contêm tantas
marcas quanto uma empresa de carros hoje pode suportar.
Qual é a perspectiva se a produção lean for uniformemente
adotada? Após um momento de verdade — envolvendo funcionários,
aposentados, fornecedores e investidores — seguido
de uma reestruturação dramática em cada empresa, o equilíbrio
poderia retornar a essa sólida indústria. A GM e a Ford poderiam
sobreviver como empresas independentes, embora sendo
consideravelmente menores, e a Toyota notaria que precisa
trabalhar ainda mais para melhorar cada processo conforme os
competidores adotam a mentalidade enxuta. E que isso seria
bom para todo o mundo.
Mas o que realmente acontecerá? Isso é algo para os gerentes,
funcionários e investidores da GM e da Ford decidirem
e decidirem rápido. Dan e eu aprendemos em 1990 que a mentalidade
enxuta provê uma excelente forma de identificar a
causa raiz do problema, mas que os pensadores lean não deveriam
dar nenhuma credibilidade às previsões!