CULTURA E LIDERANÇA

Homicídio como exemplo?

Meu colega do LEI Dave LaHote adora dizer que gerentes – e principalmente gerentes seniores – superestimam sua efetividade, particularmente quando buscam melhorar suas empresas através de iniciativas formais. E que eles subestimam o impacto (geralmente negativo) de suas ações diárias causadas aos funcionários. Recentemente, eu presenciei um exemplo impressionante quando visitava uma planta de fundição de metal de uma multinacional em um país em desenvolvimento, que tem sua sede em um país desenvolvido. (Eu espero que você entenda porque eu estou preocupado em não identificar lugares que visito, a menos que eu possa os oferecer elogios. Eu tento demonstrar respeito aos meus anfitriões quando eles me permitem ser um convidado em seu genba, e eu verdadeiramente quero que eles se aperfeiçoem. Humilhação pública e culpa nunca podem ser meios efetivos para este fim.)

A planta estava em uma indústria inerentemente perigosa e eu fiquei surpreso e satisfeito ao ver uma exibição visual na entrada do chão de fábrica mostrando as causas de ferimentos reportáveis do mês passado. Era muito detalhado e atualizado. Os gerentes seniores da planta, que me acompanhavam, afirmaram que isso, verdadeiramente, focava, na mente de todos, a segurança e era parte de um programa abrangente de segurança-alerta ordenado pela sede para reduzir ferimentos.

Mas então eu fiz algumas contas. O gráfico mostrava que no mês passado 12 por cento dos trabalhadores da planta tinham perdido alguns dias de trabalho por causa de ferimentos! E o gráfico também indicou que isso era um mês típico. Aritmética simples mostrou que a média de tempo que um funcionário poderia esperar para ser ferido e se afastar do trabalho era uma vez a cada oito meses! Então eu me questionava o porquê enquanto continuava minha caminhada.

Enquanto isso, a planta estava tendo um problema sério de qualidade com seus equipamentos de fundição para veículos pesados. Então, um gerente sênior da sede tinha acabado de chegar. Nossos caminhos se cruzaram na mesa vibratória, projetada para eliminar a areia restante da peça fundida, caindo por uma calha da operação de moldagem. Enquanto eu andava em direção a ele, o gerente sênior me explicava que, para solucionar um problema, era importante localizar sua fonte, que provavelmente era a mesa vibratória. E, de repente, esse homem muito grande reuniu, surpreendentemente, força e agilidade para se pendurar em uma barra suspensa na mesa vibratória, enquanto ela operava e fundições massivas caiam pela calha, então ele movia-se rapidamente em direção à mesa vibratória.

A princípio, eu pensei que isso era uma loucura que ameaçava a vida do gerente sênior. Mas, depois, quando eu me virei para ver as expressões nos rostos dos funcionários, enquanto eles o observavam, eu percebi que era muito mais provável que ele estaria arriscando a vida dos funcionários no futuro. A mensagem oficial do gerenciamento sênior da empresa era que os ferimentos eram a prioridade principal para o gerenciamento, para ser reduzido através de um programa abrangente de segurança. Mas as atitudes de um gerente sênior – bem-intencionado no sentido de que gerentes devem certamente ir à fonte do problema, em vez de discutir sobre eles em uma sala de conferência – enviaram uma mensagem muito mais poderosa: Se você quiser progredir aqui, você precisa mergulhar e tomar atitude, sem levar em consideração os riscos. Será que isso se tornará, eu me pergunto, um caso de homicídio como exemplo?

Isso foi um único caso ostensível, é claro, e principalmente perturbador para mim, porque eu tinha acabado de dirigir por uma favela remota, onde os trabalhadores da linha de frente moravam, com poucas chances de terem bons salários exceto nesta planta. Mas enquanto eu pensava no que tinha presenciado, eu percebi que vejo exemplos menos salientes e perigosos em minhas viagens.

Por exemplo, recentemente, tenho visto muitos casos de gerentes tentando “virar a página” através do desdobramento do hoshin kanri, pensamento  A3 e trabalho padronizado (inclusive dos gerentes de linha), como parte de programas abrangentes lean. E a mão-de-obra geralmente responde muito positivamente. Mas, depois, algo dá errado na operação ou os gerentes recém-criados pelo lean ficam cansados depois de um longo dia. E o gerente moderno que existe em cada um de nós, surge para dar direções de abordagem, a fim de prescrever uma solução, antes que haja qualquer acordo sobre problema, ou recorrer às soluções sem documentação, que diminuem todos os esforços para impor normas. (Eu poderia relatar mais do que alguns exemplos de nossa própria organização envolvendo esses líderes – eu – mas me pouparei dessa dor. Basta dizer que eu frequentemente sou culpado da acusação).

Felizmente, eu, às vezes, vejo exemplos contrários também. Poucas semanas atrás, eu passei um dia com um CEO¹, que chamarei de Bob, já que ele se esforçava para salientar seus esforços no gerenciamento e melhorar o processo essencial de sua empresa através do A3. Ele estava indo contra toda uma vida de trabalho dando ordens de seu escritório e gerenciando através de resultados, e seus A3s, na verdade, não estavam muito bons.  Ele se esforçou principalmente em encontrar a causa raiz. E eu notei que os outros elementos das iniciativas lean de sua empresa estavam muito crus também, principalmente esforços para alcançar estabilidade básica em processos essenciais.

Mas eu fiquei comovido pela obstinação de Bob, mesmo no final de um longo dia, quando muitas coisas tinham dado errado e ele era tentado a voltar aos velhos caminhos. E eu vi o efeito notável que ele estava tendo em seus relatos diretos, que saiam de seus escritórios e faziam perguntas que nunca tinham feito antes, enquanto se esforçava com seus A3s bem distantes da perfeição. O que eu estava vendo era o impacto poderoso de exemplos pessoais positivos em uma situação onde os elementos formais das iniciativas lean da empresa não pareciam ainda ser sofisticados ou efetivos. Eu sabia que em um ou dois anos, a organização de Bob estará longe do caminho de uma empresa lean, enquanto a planta de fundição ainda terá um programa brilhante de segurança sem nada para oferecer.

Então, eu recomendo a todos, e eu certamente me incluo, a fazer um pouco de hansei (auto-reflexão crítica) em intervalos frequentes. Pergunte-se: a mensagem que eu e os outros líderes de minha organização estamos passando através de regras formais, programas, iniciativas e novas ferramentas de gerenciamento, como o A3, é a mesma mensagem que nós estamos passando através de exemplos pessoais? E se não for, o que podemos fazer para tornar nossa caminhada coerente com nossas conversas?

Notas da tradutora:
1 – CEO (Chief Executive Office) é um termo da língua inglesa que significa o cargo mais alto de uma empresa. Em português, equivale-se ao diretor executivo, diretor geral ou presidente. 

2- Bob tem origem inglesa e é apelido de Robert. Significa pessoa determinada, esforçada.
J. Womack parece ter preferido chamar o CEO de Bob, pois assim não revelaria seu verdadeiro nome e, ao mesmo tempo, mostraria sua característica.
Publicado em 26/07/2010

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal