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Detroit Auto Show ofuscado pelas duras críticas do Dr. Womack à Toyota

A e-letter mais recente de Jim Womack, intitulada "Além da Toyota", gerou um debate intenso e até mesmo rancoroso. "Todos nós, incluindo até mesmo a Toyota, precisamos ir além da Toyota", escreveu Jim, acrescentando, "os dias maravilhosos da Toyota, arrebatando tudo ao seu alcance conforme revelava um número cada vez maior de aspectos dos seus métodos de criação de valor já passaram".

Muitos reagiram veementemente a essas palavras. Na verdade, ao reler a carta de Jim agora, percebo que essas duas sentenças, as mais provocativas dos seus comentários, não são realmente tão provocantes.

De qualquer maneira, o debate é algo saudável, não é?

Quanto ao "Lean". . .

Sim, "lean" em muitos aspectos é o termo equivocado. Acho que a maioria de nós reconheceu isso há muito tempo.

E, independentemente do termo, a interpretação típica de "lean" tornou-se limitada demais. Lean é mais do que apenas ferramentas.

No que se refere ao "Sistema Toyota de Produção" (TPS) ou ao "Modelo Toyota" (Toyota Way), eu diferenciei anteriormente o Sistema Toyota de Produção e o "sistema de produção da Toyota". Eu disse que "eu diferenciei...", mas eu não diferenciei nada até que aprendi a fazer isso por meio de uma lição difícil do Sr. Ohba, meu chefe na época no TSSC. Para minha grande frustração, conforme tentava argumentar em resposta a algumas das lições específicas do Sr. Ohba que, "veja, a Toyota na verdade não faz todas essas coisas...", ele me alertava a "nunca confundir o 'Sistema Toyota de Produção' com o sistema de produção da Toyota'". Eu ficava furioso, por que isso efetivamente punha um ponto final ao debate no qual estava tentando envolvê-lo. Mais tarde, após me acalmar, percebi que essa foi uma das lições mais importantes que ele me transmitiu.

Essa lição é fundamental para o feroz debate atual que se centra parcialmente na pergunta: "Há mais para aprendermos com o 'TPS' ou com o ‘Modelo Toyota'?". Bem, não sei quanto a vocês (ou sua empresa ou clientes), mas para mim certamente há - nós ainda mal começamos!

Quanto à Toyota ...

Se, por um lado você pergunta: "Há mais para aprender com a "Toyota" (a empresa) e sua produção e gestão?", novamente acho que a resposta é claramente "sim", embora seja igualmente evidente que a Toyota está tropeçando. E é POSSÍVEL que a empresa tenha ido além de simplesmente TROPEÇAR; é possível que a Toyota tenha perdido o que antigamente a tornava tão especial. Digo que é "possível", pois somente o tempo dirá. O tempo VAI dizer.

Detroit Auto Show: Toyota Versus Hyundai

Aqui está um fascinante paralelo com o debate da "Toyota versus lean e declínio da Toyota versus o que ainda há parar aprender". Mike Rother e eu participamos do Detroit Motor Show (sempre muito divertido, mesmo para recuperar terreno, o que afirmamos estar fazendo - "recuperá-lo"). Fomos a um "dia de apresentação preliminar da indústria" para os profissionais do setor automotivo (eles nos deixaram participar) para conferir os produtos de perto antes da abertura da feira ao público.

O nome que estava obtendo toda a atenção dos engenheiros do setor era Hyundai. Os engenheiros dos concorrentes estavam absolutamente reunindo-se em torno dos veículos da Hyundai, medindo, tomando notas, tirando fotos, gravando vídeos. Acontece que o CEO da Hyundai America do Norte é John Krafcik. John Krafcik foi membro da equipe do MIT liderada por Womack que efetivamente criou o controvertido tema "lean". (John também é um dos dois primeiros engenheiros americanos contratados pela NUMMI em 1984!)

Krafcik pode de fato ser um atento observador de outra nova fronteira no que chamamos de lean - a ascensão da Hyundai levanta considerações interessantes sobre se há mais a aprender com a Toyota.

Sabemos que, sobretudo, a Toyota compete com si mesma e não participa muito do "benchmarking" típico (eles fazem benchmark, mas de maneiras muito específicas e concentradas). Em vez disso, a Toyota olha no espelho e pergunta, "Como podemos melhorar?"

Mas a Toyota como empresa é paranóica por natureza e, em momentos importantes, olha para fora de si própria para estabelecer grandes desafios. Em 1950, a empresa determinou que iria "alcançar Detroit em três anos", o que foi sem dúvida o ponto de partida que levou a 50 anos de melhoria contínua incessante. Esse desafio foi inspirado por olhar para fora primeiro, e então olhar para dentro para ver o que precisa ser feito, que melhorias eram necessárias.

Uma ocasião para a Toyota olhar para fora de si próprio foi claramente o primeiro dia de trabalho de 1984, na primeira mensagem anual do Presidente da Toyota que tive a oportunidade de ouvir. O Dr. Shoichiro Toyoda tinha sido presidente desde 1982, portanto, essa era a segunda ocasião para ele transmitir uma mensagem tão importante para a empresa.

Para a Toyota, o discurso anual do presidente era muito mais do que um discurso de exortação oficial. O discurso anual marca a ocasião na qual o presidente anuncia a direção (hoshin) para o ano, listando os desafios a serem superados, e conclamando a organização a atingir níveis maiores de realização.

Sua mensagem nesse dia foi memorável, proferida da maneira que foi após um ano no qual a empresa registrou lucros recorde, não apenas para si mesma, mas para qualquer fabricante japonês, em uma época em que não parecia verdadeiramente possível deter esses fabricantes. A maneira que ouvi isso foi simplesmente, "os coreanos estão chegando, os coreanos estão chegando!". Décadas mais tarde sabemos que o setor automotivo coreano é formidável. No início da década de 1980, qualquer preocupação com a Hyundai e Daewoo parecia piada. A impressão que recebi naquele dia foi que o desafio das empresas automobilísticas coreanas era iminente. Nós, os funcionários da Toyota, precisávamos enfrentar o desafio ao redobrar os esforços para desenvolver produtos melhores, oferecer um serviço melhor, para satisfazer os clientes.

Acho que o Dr. Toyoda, já sabia, mesmo naquela época, que sua empresa tinha superado os pioneiros da indústria nos EUA e Europa. Ele sabia que a Toyota não podia mais encontrar seus desafios lá. E ele sabia que sua empresa precisava de desafios. Conforme escrevi em uma comunicação em dezembro de 2009, a Toyota não é a Toyota sem desafios:

"A Toyota não pode existir - A Toyota não pode ser a Toyota - sem um desafio. Isso é verdadeiro no nível micro - cada grupo de trabalho e cada indivíduo - e para a empresa como um todo".

"Há pouca dúvida de que a Toyota vai superar essa situação e de fato ressurgir mais forte do que nunca. Mas, o problema maior e um tanto irônico para a Toyota é o fato de que a necessidade e oportunidade para responder a esses problemas imediatos surgirão como um bem-vindo passatempo em relação a ter que enfrentar sua verdadeira e mais profunda crise".

Talvez vocês não puderam visitar o Detroit Auto Show, mas podem ler a reportagem de capa de Alex Taylor na edição atual da revista Fortune. Para o Dr. Toyoda, o desafio da indústria automobilística coreana era algo que exigia atenção da sua empresa em janeiro de 1984. Em janeiro de 2010, o restante da indústria concorda.

Mas a crise da Toyota não tem nada a ver com os coreanos.

"Lean" - O que é em resumo?

A Toyota é a Toyota e eles fazem o que fazem para atingir seus objetivos. O resto de nós observa e tenta entender isso, para atingir os objetivos de uma maneira similar. Alguns dentre nós tentam entender isso para descrevê-lo, utilizando palavras. "Lean" é um Rorschach -significa o que você acha que significa.

Steven Spear sugere em seu blog que "lean" é menos que a Toyota faz, e que o termo "lean" passou a representar apenas as ferramentas para melhorar as operações, afirmando:
"…a questão não é 'ir além da Toyota'. A questão é ir além do 'lean' e convergir para o sistema de gestão completo que a Toyota inventou, utilizou com tanto sucesso, assim como as demais empresas–uma abordagem para criar organizações capazes de realizar um auto-diagnóstico, aprender, se adaptar, melhorar e inovar.   O lean, por si só, não torna isso possível".

Jon Miller, entre outros, respondeu sugerindo o contrário, que "lean" deve ser mais do que isso.

"Comentando o post de Steven, e não o e-mail de Jim, afirmaria firmemente que o objetivo deveria ser "superar a Toyota" e não "superar o lean". O argumento de se precisamos atualizar a definição de lean é válido, mas essa não é uma questão de irmos além do lean, mas de renomear e ampliar seus limites e de tirá-lo do dogma de alguns. Um propósito e princípios compartilhados é o que precisamos".

A palavra "lean" pode, certamente, ser utilizada para significar algo menos que a Toyota ou algo mais. Eu sempre considerei a palavra "lean" como sendo conveniente e, como acho que Jon Miller está sugerindo, útil. Não gosto de ir nas empresas e falar sem parar que a Toyota fez isso, a Toyota fez aquilo ("A Toyota é a Toyota, não podemos SER a Toyota, mas podemos aprender com ela, etc."). Portanto, para mim a palavra "lean" sempre foi uma maneira conveniente de falar sobre "um ideal" que é maior do que apenas a Toyota (embora a Toyota seja nosso único ou melhor modelo empírico, de maneira que temos que ter cuidado ao falar sobre um "ideal" que nem mesmo existe.).

Mas, para argumentar em contrário, lembro-me de um aviso há muitos anos de Robert Cole (atualmente professor emérito da Berkeley, que mencionei sucintamente na semana passada - confiram o seu livro Managing Quality Fads ou seu clássico Japanese Blue Collar) que alertava que sempre que você define um termo de maneira ampla demais, tira qualquer significado que ele possuía. Ele se torna como o ar. Você acaba dizendo que ele abrange tudo na vida. Ele perde o significado. Portanto, posso entender o argumento de limitar o termo "lean" a somente as ferramentas.

O ponto é, seria muito difícil fazer isso para mim. E, conforme Miller sugeriu em sua resposta para Spear, sempre me pareceu mais produtivo simplesmente tentar fazer um trabalho melhor de definir o termo lean, ao invés de tentar oferecer um termo alternativo. Eu testei termos diferentes. Se falo com você sobre "lean", você e eu sabem aproximadamente do que estou falando. Mas se falamos sobre "manufatura de classe mundial", a discussão imediatamente se torna tão diluída que é difícil até mesmo manter uma conversa focada ("Ah sim, manufatura de classe mundial - você quer dizer que nem a da GE ou Dell, certo?).

Ah, você sabe, o melhor termo para essência de tudo isso ("isso" = Maneira Toyota, TPS, Lean, WCM, etc.) continua sendo o bom e velho "PDCA." O PDCA, conforme descrito em alto nível por Deming e operacionalizado pela Toyota.

Atualmente, falo muito sobre o processo A3, como outras pessoas, incluindo Durward Sobek, Art Smalley, David Verble e David Meier. A "resolução de problemas" agora recebe muita atenção, geralmente em conjunto com o A3. Jeff Liker popularizou uma visão da "Modelo Toyota". Mike Rother introduziu o "Toyota Kata". Spear está introduzindo a "Organização de Alta Velocidade". Tom Johnson tem o seu "Gerenciar por Meios", em contraste com "Gerenciar por Resultados", comparando o TPS com sistemas naturais. Peter Senge e outros ainda trabalham na articulação e desenvolvimento da "Organização de Aprendizado". Doc Hall tem seu conceito de "Compressão" (embora com esse termo Doc esteja abordando questões em um nível um pouco diferente...). Considero que tudo isso (exceto o conceito de Doc) seja simplesmente maneiras diferentes de expressar e tentar operacionalizar o PDCA.

E, certamente, o PDCA é entendido melhor simplesmente como uma forma de estruturar ciclos de aprendizado operacionais focados.

Então ...

Conforme foi sugerido (não sei quem disse isso primeiro), o TPS (ou o Modelo Toyota) é menos uma questão do que a Toyota faz e mais uma questão do que a Toyota é. Nenhuma outra empresa pode "SER" a Toyota. O ponto é que por meio de diversos acasos históricos a Toyota é uma organização que emitiu uma luz brilhante sobre a maneira na qual as organizações podem funcionar, explorar melhor os talentos das pessoas que compõem o seu quadro, e responder de maneira flexível para se adaptar a circunstâncias em mudança. A Toyota tem sido uma organização que se comporta como um organismo.

Não posso falar em nome do Dr. Womack, mas me parece que ele estava dizendo simplesmente que "lean" (seja definido de maneira ampla ou limitada) sempre esteve relacionado à Toyota. E agora é o momento das organizações pararem de olhar tanto para a Toyota. Não acho que a Toyota - ou Kiichiro ou Taiichi Ohno ou o Sr. Cho ou Akio - discordariam disso.

Publicado em 19/02/2010

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal