ESTRATÉGIA E GESTÃO

Entender a realidade em detalhes é a essência para resolver problemas

Flávio Augusto Picchi
Entender a realidade em detalhes é a essência para resolver problemas
Para isso, é preciso ir direto à fonte, ver com os próprios olhos e conversar com as pessoas envolvidas

Observar cotidianamente como ocorre o trabalho é fundamental para saber onde surgem os problemas e apoiar as experimentações de soluções



Quem acompanha nossa coluna provavelmente já percebeu que umas das bases da gestão lean é o que chamamos simplesmente de “vá ver”.

Em resumo, trata-se de observar cotidianamente como ocorre o trabalho, como acontece a agregação de valor, para observar problemas, estimular a busca por causas raízes e apoiar as experimentações de soluções – algo fundamental, principalmente para ser exercitado pelos líderes das empresas na interação com suas equipes.

Trata-se de um processo por vezes difícil de ser colocado em prática. Não é raro líderes que tentam fazer isso, mas com atitudes equivocadas e sem perceber de forma mais profunda elementos importantes relacionados a tudo isso.

Como, então, realizar o “vá ver” de uma maneira que efetivamente resolva os problemas e melhore os processos?

É preciso se atentar a alguns elementos fundamentais que, em última instância, têm a ver com compreender em detalhes a verdadeira realidade que gerou os problemas. Indo direto à fonte, vendo com os próprios olhos, conversando com as pessoas envolvidas.

Só assim é possível entender o “real” contexto do problema, colhido pessoalmente, em primeira mão.

A palavra “real” aqui faz toda a diferença, em contraponto com as “versões da realidade”, que em geral são obtidas somente através de relatórios ou de pessoas que estão distantes dos locais e equipes efetivamente envolvidas. Essas “versões” se tornam verdadeiras “ilusões”, escondendo ou não mostrando detalhes que são decisivos para uma boa solução.

A primeira providência, ao identificar um problema, é ir ao “local real”, onde o trabalho é feito, ou seja, no gemba, como chamamos na filosofia lean. Ir para a sessão onde uma peça com defeito foi gerada ou à área administrativa onde o processo com problema é desenvolvido.

Uma vez no gemba, precisamos identificar a “real localização”, ou seja, em que máquina ou estação de trabalho aquele desvio pode ter sido originado. Também temos que entender a “condição real”, ou seja, como as pessoas estão trabalhando. Elas têm ferramentas adequadas? Recebem informações completas? Quais desses fatores podem estar relacionados aos problemas?

Qual é o “objeto real”, ou seja, no que realmente estamos focando? Por incrível que pareça, não é trivial obtermos consenso sobre qual problema estamos querendo resolver. As pessoas se debatem pulando para pretensas soluções sem nem se entenderem quanto a isso.

A busca dessa “realidade” continua em outros aspectos: qual é o “momento real”? Os problemas apresentam algum padrão, em termos de variação no tempo? Se concentram em determinado turno ou dias específicos da semana?

Precisamos também perguntar qual é o “método real”, ou seja, como as pessoas realmente realizam o trabalho? Muitas vezes, percebe-se que isso é bem diferente do que está nos procedimentos ou fluxogramas que estabelecem o que seria o processo ideal. Existem variações? Diferentes pessoas realizam tarefas de maneira diferente?

Juntando essas percepções, o líder, junto com as equipes diretamente envolvidas, vai começar a entender os “fatos reais”, o que realmente ocorreu. E, a partir disso, quais são as “causas reais”, que vão apontar a origem e os mecanismos que geraram o problema, podendo assim priorizar e direcionar as contramedidas que efetivamente vão resolvê-lo.

Essas são expressões – lugar, localização, condição, objeto, tempo, método, fato e causa – que sinalizam, ou seja, alertam e lembram elementos essenciais a serem considerados quando se precisa interagir com quem faz o trabalho para entender o que está acontecendo e buscar a melhoria contínua de tudo.

Em resumo, o “vá ver” parece, em princípio, algo simplório, mas traz consigo uma série de elementos sofisticados. Uma boa parte desse princípio pode ser feita inclusive nas interações digitais, nesse mundo híbrido que estamos vivendo.

Essa prática aproxima os líderes de suas equipes, efetivamente apoiando e desenvolvendo as pessoas, e traz enormes resultados em termos de problemas efetivamente resolvidos.

É o primeiro passo para conseguir entender como orientar os indivíduos para que eles mesmos também despertem essa consciência e continuamente melhorem o trabalho que fazem.

Publicado em 15/09/2021

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil