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O lean como um caminho

Dan Jones
O lean como um caminho
Um dos "pais" do termo lean - Daniel Jones -, que proporcionou grandes reflexões e aprendizados sobre os princípios lean nas últimas décadas, contribui com mais uma provocação aos praticantes, discorrendo sobre "por que qualquer tentativa de definir o lean está destinada ao fracasso".

Em um artigo recente (em inglês), Torbjørn Netland nos trouxe a pergunta “o que é lean?” (obrigado, Torbjørn, por este artigo instigante). Ao longo dos anos, tentei várias vezes responder a essa pergunta em minhas palestras, artigos e vídeos. Agora que consegui superar as ansiedades trazidas pela Covid ao voar para nossa casa em Creta, tenho a cabeça limpa para fazê-la novamente.

Embora seja importante definir o que você entende por lean, hoje acredito que todas as tentativas de definir o lean estão erradas. Disputas sobre  o “meu lean” versus o “seu lean” raramente são produtivas (particularmente com consultores interessados em diferenciar suas ofertas de outras). Elas simplesmente refletem onde as pessoas estão em sua jornada de entendimento do sistema lean, algo que mudará com o tempo à medida que aprenderem mais sobre ele.

Na verdade, cada vez mais acho que o próprio lean é um caminho de descoberta, ao invés de um estado a ser definido ou um modelo a ser copiado. Esse caminho é sobre aprender fazendo, praticando e refletindo, guiado por alguém que está mais adiante no caminho – muito parecido com aprender um instrumento musical ou artes marciais com um sensei. Saber realmente algo é ser capaz de ensinar aos outros: nesse caso, o sensei, ou professor, usa um questionamento habilidoso para ajudar o aluno a compreender o uso do método científico para abordar uma situação, tarefa ou problema específico.

Uma rede de relações entre professores e alunos em todos os níveis da organização constrói uma linguagem e abordagem compartilhadas para a tomada de decisões. O sensei define o caminho por meio de seu questionamento. E o caminho está focado no que é aprendido, bem como nos resultados (as contramedidas propostas funcionam para clientes, usuários e o resto da organização?). Esse foco explícito no caminho do aprendizado é mais evidente na Toyota.

Obviamente, o lean é um caminho de desenvolvimento pessoal na compreensão da experiência de trabalho em sistemas complexos. Poucos de nós somos artesãos no controle de todos os aspectos de nosso trabalho, e muitos ainda são engrenagens descartáveis nas máquinas de produção em massa de Charlie Chaplin, instruídos a deixar seus cérebros em casa pela manhã. Sistemas complexos e interdependentes apresentam novos desafios. Nossa experiência nos diz que a tomada de decisão humana é essencial para que sejam eficazes em circunstâncias variáveis. Confiar apenas na automação e no big data é um erro.

As ferramentas lean não devem ser simplesmente aplicadas para resolver um problema, mas, na verdade, para desenvolver diferentes maneiras de pensar sobre o trabalho em si. Elas nos ajudam a descobrir como aprender a realizar nosso trabalho com o melhor de nossas habilidades. Elas mostram como o contexto desse trabalho precisa ser organizado para que possamos fazê-lo. E elas nos fornecem feedback direto sobre a eficácia com que ajudamos os usuários finais a atender às suas necessidades e como ajudamos o próximo “cliente” no processo de criação de valor a fazer seu trabalho.

Mas o lean também é o que eu chamaria de um caminho de desenvolvimento social, mais diretamente em aprender a trabalhar juntos em equipes e projetos. Reunir diferentes perspectivas requer uma linguagem e abordagem comuns. Ver o andamento do trabalho, encontrar e definir problemas e oportunidades de melhoria, realizar experimentos com as contramedidas propostas e refletir, responder e compartilhar o que foi aprendido. Dentro de um contexto visual que se baseia nesse aprendizado e em uma cadeia de ajuda para escalar e acionar o suporte necessário.

Lean também é um caminho de desenvolvimento de liderança, para encontrar a direção futura a partir da observação atenta de como a organização cria valor hoje e como as necessidades do usuário estão mudando. Em seguida, para criar um diálogo e obter propostas de toda a organização para responder a esses desafios e apoiar o desenvolvimento das capacidades necessárias para realizá-los. Com o tempo, isso significa construir uma organização que aprende e que pode enfrentar os desafios futuros mais rapidamente do que a concorrência.

Cheguei a pensar também que o lean é um caminho para desenvolver julgamentos sobre como se envolver e responder às principais questões de nosso tempo. Onde investir recursos financeiros, como construir comunidades sociais saudáveis e como enfrentar os desafios existenciais das mudanças climáticas. E, criticamente, como usamos as comunicações digitais e a Inteligência Artificial como facilitadores para enfrentar esses desafios, e não como uma nova forma de controle social.

Trinta anos de prática abordando questões levantadas pelo lean e observando os outros em seus caminhos lean me convencem de que você realmente só experimenta como o lean muda sua maneira de pensar e agir praticando o lean com você mesmo e com os outros. A disciplina rigorosa de experimentar contramedidas alternativas costuma gerar respostas contraintuitivas e revelar o próximo conjunto de perguntas. Cada ciclo aprofunda sua experiência de uso do método científico na análise do trabalho a ser feito.

Em vez de usar pesquisas secundárias para definir o lean como um conjunto de ferramentas que funcionam em todos os ambientes, o foco deve ser nas capacidades desenvolvidas usando um método comum de solução de problemas para responder a uma série de questões específicas em contextos específicos. Isso deve ser acompanhado pela análise do que é necessário para traduzir esses recursos em resultados de negócios.

Não é de surpreender que as abordagens do tipo “faça para você”, conduzidas por especialistas, percam o lean de vista e que as abordagens do tipo “faça para mim”, conduzidas por consultores, muitas vezes não levem a resultados duradouros. A experiência mostra que o desenvolvimento direto da capacidade deve ser conduzido de cima para baixo e incorporado em um sistema de gestão que o suporte. Quando o lean é conduzido do topo, geralmente com o apoio de um sensei experiente, os resultados são impressionantes e duradouros.

Publicado em 28/07/2021

Autor

Dan Jones
Dan Jones é cofundador do movimento lean e conselheiro sênior da Lean Enterprise Academy.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal