RECURSOS HUMANOS

Transformação Lean: Onde o RH se encaixa?

Nos últimos anos muitas empresas iniciaram suas transformações lean ou estão desenvolvendo a cultura da melhoria contínua. Como o foco do lean mudou da manufatura para sistemas de toda a empresa, incluindo o sistema social, ele está sendo cada vez mais questionado: Como a função dos Recursos Humanos (RH) pode contribuir para essas iniciativas?

Minha primeira resposta de anos de trabalho na área de RH é: não pode muito. Depois, entendi que a resposta instintiva estava baseada em como o RH tradicionalmente funcionava na maioria das empresas. Com uma reflexão mais profunda, minha resposta é que para a função de RH ser uma força de liderança e contribuição em uma transformação lean, é necessário que ela se transforme primeiro.

A base dessas opiniões estão em minhas observações dos últimos doze anos tentando ajudar diversas empresas a implementarem e sustentarem o lean e as práticas de melhoria contínua. Uma coisa que ficou evidente para mim é que é quase impossível mudar a cultura e os comportamentos de uma empresa sem trabalhar a gestão da linha de frente. E é aí, acredito eu, que a função de RH encontra seu maior desafio em liderar ou até mesmo contribuir para a transformação lean. Você não pode mudar uma cultura sem engajar os colaboradores e você não pode engajar os colaboradores sem engajar os gerentes de linha, e o papel tradicional do RH geralmente está atrapalhando esse caminho.

Primeiro, os Recursos Humanos em seu papel tradicional é uma função de controle. Muitos falam que a função de RH é representar o colaborador e orientar o desenvolvimento do colaborador, mas a maior parte do que o RH é orientado a fazer é controlar os colaboradores de uma empresa tanto humanos como recursos humanos. Isso faz com que as regras, políticas e sistemas definam os comportamentos esperados e aceitáveis e a maioria de seus esforços sejam direcionados para garantir que eles sejam observados e impostos. O RH tem geralmente o papel de dizer aos colaboradores o que eles não podem fazer, em vez de incentivá-los a pensar no que poderiam fazer para tornar as coisas melhores.

Um segundo grande desafio para o RH como um líder da transformação lean será o papel como protetor dos colaboradores dos abusos de seus gerentes. Nos últimos anos, como as organizações reconheceram a necessidade de “valorizar” seus recursos humanos. Obviamente há uma história de colaboradores sendo explorados, ignorados e descartados (na qual houve a participação do RH) e desrespeitados e mal-tratados ainda existente. O que a função de RH tem feito em vez de se tornar líder de mudanças em comportamento e atitudes na parte da equipe de gerência é primariamente intervir nas relações entre supervisor e colaborador para proteger o colaborador e corrigir o comportamento do gerente. Fazendo isso, o RH tem frequentemente feito dele mesmo um adversário em vez de unir os gerentes para mudar suas práticas.

Há diversos aspectos da abordagem tradicional dos Recursos Humanos que terão de ser transformados pelo RH para se tornarem importante para as transformações lean. O RH tenta influenciar o comportamento humano por meio de todas as políticas, programas e serviços iguais para todos. Essas são soluções iguais. Isso é bem evidente quando um colaborador pisa fora das fronteiras do comportamento apropriado. O que geralmente acontece é um política (se ainda não há uma) para governar o comportamento de todos. Raramente há um esforço na solução de problemas a partir da causa raiz para encontrar razões para o comportamento em condições específicas das pessoas e da situação. Em vez de ainda outra política ser criada como uma medida preventiva.

Outro aspecto da abordagem do RH que exigirá mudança é como ele define seu papel em termos de desenvolvimento dos colaboradores. O RH geralmente enxerga a si mesmo como o provedor fundamental de desenvolvimento e avanço de oportunidades para os colaboradores. A esse respeito, isso oferece educação genérica em sala de aula (frequentemente comprada e entregue por terceiros) que envolve pouquíssimas mãos em aplicações e aprender fazendo. Ele geralmente projeta os currículos da educação baseados em modelos de competência genéricos ou, talvez, personalizados. E apresenta desenvolvimento da carreira como habilidades e conhecimentos transferíveis que são apresentados em aulas ao invés de desempenho no próprio trabalho. Essas são também soluções de único tamanho que não são consistentes com o desenvolvimento de colaboradores para a solução de problemas e a melhoria contínua no contexto de seus trabalhos.

Há uma alternativa a essa abordagem que desenvolveu com lean em sua forma original na Toyota e que é o processo de “Desenvolvimento pelo Trabalho para fazer o Trabalho”. Nesse processo de desenvolvimento on the job os colaboradores da Toyota aprendem seus papeis e funções de trabalho e aumentam suas capacidades e habilidades através da tentativa de executar responsabilidades designadas. E é aí que os gerentes de linha precisam ter a responsabilidade básica para o desenvolvimento do colaborador. O RH não está no local do trabalho e não tem um interesse pessoal direto quanto ao aprendizado individual para desempenhar seu trabalho de forma efetiva. O gerente de linha, responsável pelos resultados da unidade tem um interesse direto em treinar e orientar o indivíduo. Um bom exemplo dessa prática pode ser encontrada na relação entre os gerentes e as pessoas que se reportam diretamente no livro de John Shook, “Gerenciando para o Aprendizado”. Mas na maioria das empresas o RH tem assumido o papel de desenvolvimento e permitido que os gerentes se eximam disso como a fonte primária de desenvolvimento do colaborador.

O que o RH pode fazer? Posso considerar as práticas de RH da Toyota em duas áreas. Primeiro, a Toyota tem todos os programas tradicionais de desenvolvimento dos colaboradores (apesar deles tenderem a ser um mix igual de educação em sala de aula e training on the job estruturado), mas assume a maioria das experiências significativas para “desenvolvimento de colaboradores na empresa” acontecerá no contexto de seus trabalhos. E espera e avalia os gerentes avançando nessa responsabilidade. É um padrão na Toyota que um gerente não pode ser promovido até que ele ou ela tenha desenvolvido alguém qualificado para assumir a posição que ele ou ela tem.

Segundo, o RH na Toyota contribui para criar e sustentar uma cultura de melhoria contínua por meio de um papel de desenvolvimento diferente. Isso foca diretamente no desenvolvimento da gestão para assegurar que os gerentes entendam não apenas seus papeis operacionais, mas seus papeis de desenvolvimento dos recursos humanos. E isso colabora com a liderança executiva para assegurar que os gerentes sejam proficientes no pensamento de solução de problemas lean, desdobramento de responsabilidade e coaching para desenvolver o aprendizado e o desempenho on the job. O RH da Toyota funciona para assegurar que os gerentes sejam selecionados, desenvolvidos e recompensados pelo desenvolvimento do pensamento de solução de problemas dos outros em vez de tentar ser o agente primário de solução de problemas.

Além disso, a Toyota tem um lugar na mesa no pensamento sobre o desenvolvimento das capacidades da empresa para lidar com as prioridades estratégicas. Nesse papel, isso pode fornecer equilíbrio entre a necessidade de resultados imediatos no negócio e a necessidade de assegurar crescimento à empresa e aos recursos humanos e se tornar mais capazes no longo prazo. John Shook descreveu a Toyota como um sistema sócio-técnico no qual o sistema social é uma força tão importante para o sucesso da empresa que parece funcionar com esteróides. O papel do RH é colaborar com a gerência de linha para assegurar o lado operacional seja povoado com colaboradores que desejam e sejam capazes de resolver os problemas e fazer as melhorias para manter o sistema técnico funcionando e seja capaz de adaptar-se conforme seja necessário.

As práticas dos Recursos Humanos da Toyota estão em contraste direto em como as funções de RH na maioria das empresas do Oeste (Procter & Gamble e IBM estão entre as poucas exceções). Mas o papel e as práticas do RH da Toyota desenvolveram com os sistemas da Toyota ter uma razão. Uma operação lean deve ter a responsabilidade de solução de problemas e iniciativa de melhoria contínua distribuída pela empresa para cada colaborador exercer sua função efetivamente, sustentar seu desempenho e adaptar-se às demandas mutáveis de negócio. Esse é o trabalho de muitos, não de poucos. E isso exige colaboradores que sejam selecionados, desenvolvidos, recompensados e avançados por desejarem e serem capazes de assumir a responsabilidade pela solução de problemas dentro do escopo de seus trabalhos. Para contribuir para criar esse tipo de ambiente, as funções tradicionais de RH terão de transformar seus pensamentos e eles próprios para um papel muito diferente no negócio da empresa.

*David Verble é membro fundador do Lean Transformation Group e consultor do Lean Enterprise Institute.

**Artigo originalmente publicado por Lean Transformation Group.

Traduzido por Tamiris Masetto Manzano.

Publicado em 27/09/2012

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal