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Lean para escrever melhor

Roberto Priolo
Lean para escrever melhor
Você já se perguntou como as ferramentas e os princípios lean podem ser aplicados à escrita? Para inspirá-lo a documentar seus aprendizados, nosso editor oferece um guia para os aspirantes a escritores em nossa comunidade.

Nunca é demais enfatizar a importância de uma comunicação eficaz. Garantir que nossa mensagem chegue às pessoas pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso de nossos projetos, campanhas de marketing (para não mencionar as políticas) e até mesmo nossos esforços de transformação.

Embora a maioria de nós confie quase exclusivamente na palavra falada, em um momento ou outro seremos chamados a usar a escrita como nosso veículo de comunicação. Como jornalista, eu sei muito bem disso!

Na Lean Global Network, acreditamos no poder da palavra escrita. É por isso que apoiamos a disseminação do pensamento e da prática lean em todo o mundo, publicando artigos e livros. O Planet Lean sozinho publicou mais de 800 artigos nos últimos seis anos, e espero que eles tenham causado um impacto positivo na comunidade lean, inspirando os profissionais e apoiando seu trabalho de melhoria.

Na verdade, o compartilhamento de conhecimento (yokoten, em japonês) desempenha um papel fundamental na disseminação de boas práticas e aprendizagem lean dentro de uma organização ou entre as organizações. Pode ser um poderoso impulsionador de mudanças. Entretanto, a menos que o aprendizado seja consistentemente documentado e apresentado de uma forma envolvente e informativa, sua mensagem não chegará ao destinatário. É por isso que estou escrevendo este artigo: para apoiar seus esforços de compartilhamento de conhecimento e, espero, ajudá-lo a melhorar suas habilidades de escrita, mostrando como alguns conceitos e ideias lean básicos podem se aplicar à escrita.

Então, como podemos evitar desperdícios no que escrevemos – seja um e-mail importante, um relatório ou um artigo?

Em primeiro lugar, vale a pena compartilhar o que acredito ser os cinco pecados capitais da escrita:

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Agora, vamos examinar cada um deles com mais profundidade e ver como podemos evitá-los.

 

Falta de clareza

No framework da transformação lean, isso se refere ao telhado da casa e à pergunta “qual é o problema que estamos tentando resolver?”. Em outras palavras, é importante esclarecer qual é o propósito de nosso conteúdo e que perspectiva ele está tentando expressar. Para fazer isso, você precisa de duas informações essenciais:

  1. Para quem você está escrevendo? Quem é seu público? Isso permitirá que você crie um texto que atenda às necessidades do destinatário, tanto em termos de conteúdo quanto de estilo. Se você está escrevendo para seus colegas em uma enfermaria de hospital, por exemplo, não usará o mesmo tom, estilo e estrutura que usará se estiver escrevendo um relatório para seu CEO.
  2. Qual é o seu ângulo? O ângulo é a perspectiva a partir da qual você está analisando ou discutindo seu tópico. Se estiver escrevendo um relatório sobre uma melhoria em seu departamento, por exemplo, você pode se concentrar tanto no impacto que ela teve nas pessoas que trabalham para o departamento quanto no impacto que ela teve no desempenho geral da empresa. Esses são dois ângulos muito diferentes, que influenciarão muito o tipo de informação que você compartilhará. Um ângulo bem-sucedido garante que você fornecerá valor ao leitor.

 

Verborragia

Ter um vocabulário rico é importante, mas o contexto é tudo. Sempre que possível, você deve tentar evitar jargões e termos desnecessariamente longos. A circunlocução é um caminho pérfido e pode ser bastante deletério. Ser grandiloquente não faz você parecer competente; é apenas bravata. Entendeu o que quero dizer? Se você não sabe o que uma palavra significa ou como pronunciá-la, é provável que seu leitor comum também não saiba. Não há necessidade de usar palavras bonitas o tempo todo. Sempre pergunte a si mesmo se existe uma maneira mais fácil de dizer algo (só não caia na armadilha do século 21 de pensar que todo conceito deve ser expresso em 140 caracteres ou menos e com vários OMGs e LOLs).

 

Texto muito longo

Não há nada pior do que superprodução. A regra de ouro aqui é simples: vá direto ao ponto. Ser conciso e ir direto ao ponto é fundamental para evitar alienar o leitor. Se algo pode ser dito em 10 palavras em vez de 20, esforce-se para dizê-lo em 5! Em muitos contextos, especialmente em ambientes de trabalho agitados, textos longos desanimam as pessoas. Descrições e elementos “ornamentais” do texto desempenham um papel importante, mas nunca devem distrair o leitor – use-os na quantidade certa. Quando o texto tiver que ser longo, devido à grande quantidade de informações ou por causa de um requisito externo, certifique-se de que ele seja pelo menos desprovido de qualquer repetição e tente o máximo que puder usar frases curtas e claras e conectar tudo. É desnecessário dizer que este conselho não se aplica a você se você é um romancista!

 

Informações desnecessárias

Todos nós gostamos de ser minuciosos, mas não faz sentido incluir em nosso conteúdo informações que não tenham utilidade para as pessoas. Pergunte a si mesmo: essa informação ou dado agrega algum valor para o leitor? Se você não tiver certeza de quais informações devem ser incluídas, é sempre uma boa ideia organizar o conteúdo que deseja compartilhar por importância e/ou relevância. Para isso, acho que uma ferramenta muito útil é a Pirâmide Invertida do Jornalismo, que nos ensina que as informações essenciais devem estar sempre no topo, seguidas por informações úteis, mas não essenciais e, eventualmente, por interessantes, mas desnecessárias. A informação na base da pirâmide é aquela que você pode perder. Na abertura do seu texto – ou “lead” –, uma forma segura de incluir todas as informações vitais é aplicar a regra dos 5W+H (O quê, quem, onde, quando, por quê + como). Essa abordagem é amplamente usada na redação de notícias, mas pode ser aplicada – com algumas modificações – a resumos ou ao início de um relatório. Exemplo: “A empresa realizou seu primeiro Lean Day em sua sede em Sydney, Austrália, na semana passada, para comemorar as melhorias kaizen feitas em toda a organização pelas equipes da linha de frente”.

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Conteúdo chato

Este é complicado. Em primeiro lugar, porque o que é chato para uma pessoa é extremamente interessante para outra. Em segundo lugar, porque existem tópicos que são reconhecidamente mais “secos” do que outros. O segredo aqui – se o contexto permitir – é tornar o texto mais divertido e envolvente, adicionando exemplos que dão vida ao conteúdo. É aqui que a descrição se torna importante. Com isso em mente, nunca se esqueça do princípio jornalístico de mostrar, e não dizer. O romancista russo Anton Chekhov disse uma vez: “Não me diga que a lua está brilhando; mostre-me o brilho da luz em um vidro quebrado”. Para isso, você pode contar com descrições, anedotas, perguntas e até mesmo citações (como acabei de fazer). Use sua escrita para pintar uma imagem, em vez de uma mera coleção de palavras – isso o ajudará a manter o leitor envolvido.

 

Ferramentas lean para uma melhor escrita

O pensamento lean se aplica a qualquer empreendimento humano, e isso inclui a escrita. Existem algumas ferramentas, em particular, que – ligeiramente adaptadas – podem ajudar o redator lean: o modelo A3 e os 5S.

O A3 é mais conhecido como uma estrutura de solução de problemas, mas é frequentemente usado em organizações ao redor do mundo como uma espécie de dispositivo para contar histórias – graças à sua capacidade de capturar os detalhes essenciais de um problema e ao espaço que dá para sua análise. É fácil ver o A3 como um modelo que podemos usar para estruturar nossa redação e garantir que contemos a história da maneira mais completa e eficaz possível.

Vejamos as diferentes seções de um A3: Contexto – Situação atual – Objetivo – Contramedidas – Plano de ação – Acompanhamento. Agora imagine pegar esses itens e colocá-los na página em que você está escrevendo. Não parece uma maneira bastante lógica de contar uma história? Abaixo você encontrará alguns exemplos simplificados – da esquerda para a direita, as seções de um A3, um exemplo nos negócios, um exemplo de conto de fadas e os elementos de uma história.

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Isso não quer dizer que você deva sempre usar essa sequência, mas se quiser ter a certeza de que está se comunicando de maneira eficaz – especialmente em um contexto profissional e de trabalho –, considero o A3 uma abordagem à prova de erros. Talvez não o use se gostar de escrever ficção, onde a criatividade deve estar sempre livre de restrições!

Outra ferramenta lean que pode ser útil ao escrever são os 5S. Embora os 5S sejam uma ferramenta de organização do local de trabalho, com alguns ajustes ele pode ser adaptado para a escrita. Se você pensar bem, a página é a estação de trabalho do escritor! Vamos dar uma olhada:

  • Analisar – quais informações agregam valor para o leitor e quais não agregam?
  • Classificar – em que ordem essas informações devem aparecer em meu artigo/história?
  • Limpar – como posso simplificar o texto?
  • Padronizar – o texto atende aos meus requisitos padrões? (Por exemplo, o 5W+H).
  • Sustentar – o texto flui? Em caso afirmativo, uma segunda leitura por outra pessoa chega à mesma conclusão ou são necessários outros ajustes?

Um exemplo deve nos ajudar a dar vida a tudo isso. Dê uma olhada no parágrafo abaixo e como ele pode ser editado usando um sistema inspirado nos 5S. Cores diferentes correspondem aos diferentes S: o vermelho é analisar, o amarelo é classificar, o verde é limpar, o roxo é padronizar, e o azul é sustentar. O primeiro parágrafo é a transcrição de uma entrevista, enquanto o segundo é o parágrafo final editado que acabou em um artigo do Planet Lean.

Começamos a trabalhar no plano de contenção no início de março, final de fevereiro. Tínhamos dois objetivos: primeiro, setorizar o hospital – o que quer dizer criar uma zona “limpa” e outra “suja” (com pacientes que testaram positivo); segundo, proteger os colaboradores. Tivemos a experiência de Igualada, onde, no meio de fevereiro, os colaboradores do hospital se tornaram o veículo da infecção. E, bem, tivemos que trabalhar nessas duas coisas.

E aqui está o depois, com contexto adicionado, uma melhor sequência e ordem das informações:

Todos lemos as notícias sobre a cidade de Igualada, aqui na Catalunha, onde, no meio de fevereiro, o hospital se tornou um epicentro do surto de Covid-19. Considerando nossa proximidade a Igualada, começamos a trabalhar em planos de contenção no final de fevereiro. Aprendendo com a experiência deles, nosso principal objetivo era proteger nossos pacientes e nossos colaboradores. Para fazer isso, organizamos nossos dois hospitais para criar em cada um deles duas áreas completamente separadas – uma para pacientes com Covid-19 e outra para pacientes que não estavam infectados.

Essas ferramentas simples podem realmente ajudá-lo a montar um conteúdo claro, conciso e informativo. Como tudo na vida, entretanto, utilize-as com cautela: elas não se aplicam universalmente a todo tipo de escrita, mas podem fornecer orientações úteis. Então, o que você está esperando? Pegue uma caneta e uma folha de papel (ou, mais provavelmente, abra seu notebook) e comece a escrever!

Publicado em 15/12/2020

Autor

Roberto Priolo
Chefe de Comunicações da Lean Global Network e Editor do Planet Lean.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal