POLÍTICA

Lições de liderança com Donald Trump

Daniel Markovitz

OPINIÃO – No dia 20 de janeiro, Donald J. Trump foi empossado como o 45º presidente dos Estados Unidos. O que sua campanha e vitória surpreendente nos ensina sobre liderança?

Não, o título deste artigo não está errado. Nem é sarcástico. A verdade é que a corrida improvável de Donald Trump à Casa Branca – e a subsequente vitória – ensina importantes lições de liderança a todos que possuem uma posição de autoridade.

O profundo sentimento de alienação e falta de poder da classe média baixa foi a grande história dessa eleição. A multidão apaixonada que aplaudiu a mensagem de Trump – e de Bernie Sander – foi evidência de que as pessoas de classes economicamente inferiores sentiam que seus líderes não as estavam escutando e não se importavam com elas. O voto delas para Trump foi um grito existencial de desespero econômico. As massas que o apoiaram não estavam apenas jogando a verdade na cara dos políticos. Eles estavam jogando uma torta gigante na cara da elite.

Agora, é verdade que o próprio Trump não é apenas um da elite; ele nasceu nela. O produto de um internato particular caro e da escola de administração de Wharton, ele herdou o negócio imobiliário de seu pai e recebeu um empréstimo de um milhão de dólares para começar seus próprios empreendimentos imobiliários. Esqueça os fatos de que ele vive em luxuoso apartamento na Quinta Avenida em Nova Iorque, voa em um jato particular, possui muitas casas etc. – mesmo assim, ele conseguiu passar a imagem de um “bilionário trabalhador” capaz de entender as dificuldades dos trabalhadores comuns de linha de frente.

Comparado a Hilary Clinton, Trump não parecia apenas um forasteiro, mas um cara comum da classe trabalhadora. Clinton falava de forma eloquente, mas anódina, como se suas falas tivessem sido especificamente testadas em grupo para garantir que não fossem memoráveis. Ela recitava listas gramaticalmente corretas de propostas políticas com tanto cuidado na construção que você praticamente conseguia ouvir as marcas de parágrafo e os pontos e vírgulas. Em contraste, as palestras de Trump desmedidas, cheias de comentários infantis e grosseiros. Ele não falava tanto quanto expressava. Fazendo isso, muitas pessoas sentiram que ele estava dando vozes a elas, algo que eles não tinham no governo. Talvez ainda mais importante, ele fez isso em lugares aonde Clinton não foi (ou não ia com muita frequência): os críticos estados “blue wall” do centro-oeste. A conexão que ele forjou com seus apoiadores através de sua linguagem e de sua escolha de locais para os comícios de campanha é, acredito, a maior lição para os líderes de negócio. Ele fez as pessoas sentirem que a aflição e o estresse delas finalmente estavam sendo ouvidos.

MINIMIZANDO A DISTÂNCIA HIERÁRQUICA

Os negócios não têm eleições da mesma forma que um país democrático, mas você pode ter certeza que, se tivessem, muitos colaboradores mostrariam o dedo do meio para seus CEO, assim como os eleitores fizeram nesta eleição. Quantos colaboradores da Disney, Southern California Edison, Fossil e Northeast Utilities votariam no status quo após serem forçados a treinar seus substitutos terceirizados? Quantos votariam em uma figura semelhante a Trump na antiga General Motors, onde os executivos se mantinham em isolamento quase total dos colaboradores de linha de frente? Antes da falência em 2009, esses executivos tinham refeições servidas em uma sala privada, usavam elevadores especiais que os levavam diretamente da garagem até o escritório deles no 14º andar e só deixavam as pessoas entrar nesse andar mediante convite.

É essa distância entre a bolha do CEO e a vida diária dos colaboradores comuns que levou à popularidade de séries de TV como Undercover Boss. A premissa – forçar um CEO a fazer o trabalho servil dos colaboradores de linha de frente e filmar – é um exercício magnífico de schadenfreude (prazer derivado do infortúnio de outra pessoa). Os telespectadores se divertem com as dificuldades do CEO no trabalho e se deleitam quando ele tem a epifania de que o trabalho é muito difícil e mal pago. Isso alimenta a percepção de que há uma desigualdade fundamental no local de trabalho (e na sociedade como um todo) e que a compensação não é adequada ao trabalho que as pessoas comuns fazem. Até certo ponto, é o mesmo sentimento que se tem com a campanha de Donald Trump.

Em seu livro, “Plain Talk”, Ken Iverson, o ex-CEO da Nucor, escreveu:

“A desigualdade é desenfreada na maioria das corporações empresariais. Refiro-me agora à desigualdade hierárquica que legitima e institucionaliza o princípio de ‘Nós’ versus ‘Eles…’. As pessoas no topo da hierarquia corporativa se concedem privilégio após privilégio, exibem esses privilégios diante dos homens e das mulheres que fazem o verdadeiro trabalho e perguntam-se por que os empregados não se engajam nos pedidos da administração para cortar custos e aumentar a rentabilidade… Quando penso nos milhões de dólares que as pessoas que estão no topo da hierarquia de gestão gastam em esforços para motivar as pessoas que continuamente são postas de lado por essa mesma hierarquia, só posso balançar minha cabeça deslumbrado.”

Para combater essa desigualdade – para minimizar a distância entre a liderança e a base –, Iverson definiu um bônus de remuneração por desempenho para os colaboradores da linha de frente, não apenas para os executivos. Ele insistiu que, em tempos ruins, a alta gerência teria um corte de salário antes de qualquer outra pessoa. Os executivos voavam em classe econômica nas viagens de negócios e alugavam carros regulares. Todos na organização ainda tinham os mesmos planos de seguro.

VÁ E VEJA

Naturalmente, uma ótima liderança requer mais do que simplesmente renunciar às vantagens e aos benefícios do alto escalão. É por isso que genchi genbutsu, ou “ir e ver”, é tão importante. Quando os líderes vão e veem em uma base regular, eles diminuem a distância entre seus escritórios e o chão de fábrica e constroem uma base de confiança e compreensão que leva a um desempenho superior.

Art Byrne, ex-CEO da Wiremold, nos mostrou como é essencial para os executivos participar nos processos diários do trabalho das linhas de frente. Em 10 anos sob sua liderança, a Wiremold quadruplicou as vendas, elevou o lucro bruto de 38% para 51% e aumentou o valor da empresa em quase 2500%. Mas ele não conseguiu isso através de slogans vazios emitidos a partir da sala executiva ou de cartazes motivacionais pendurados nas paredes. Ele fez isso “indo e vendo”, juntando-se com seus trabalhadores na linha de frente. Em seu livro “Lean Turnaround: a grande virada”, Byrne diz: “você não pode apenas enviar um memorando. Você tem que liderar. Lidere pelo exemplo, vá ao chão de fábrica”.

John Toussaint, o ex-CEO do sistema de saúde da comunidade Thedacare, disse a mesma coisa. Apesar dos surpreendentes aumentos no custo dos cuidados médicos, Toussaint melhorou drasticamente o desempenho hospitalar durante seus oito anos de mandato, duplicando a receita e a margem operacional, tudo isso enquanto recebia inúmeros prêmios pela qualidade do atendimento ao paciente. Quando perguntado durante uma entrevista por que outros hospitais lutam para seguir a liderança da Thedacare, John respondeu:

“O maior erro que se pode cometer acontece quando os líderes seniores ou o CEO delegam esse trabalho a alguma pessoa de algum departamento ou de algum grupo seis sigma e diz: ‘Olha, só vá e aplique o lean. E depois volte e relate para mim o que aconteceu’. O lean precisa do engajamento de todos, desde o CEO até a enfermeira da linha de frente – e todo mundo entre eles”.

Isso não significa que o CEO tem que limpar e lubrificar a prensa de perfuração ou limpar comadres na UTI todos os dias (mas fazer isso de vez em quando não é uma má ideia). Apenas estar presente e compartilhar algumas das experiências dos colaboradores regulares pode ser suficiente. Um amigo meu que trabalhou no escritório dos Reatores Navais no final da década de 1990 me contou sobre o líder da agência, um Almirante de quatro estrelas que tinha seu próprio motorista particular, além de uma grande quantidade de tripulantes e pessoal de apoio. Durante seu teste anual de aptidão física, meu amigo passou pelo almirante correndo na direção oposta, que gritou palavras de encorajamento para ele enquanto passava. Vinte anos depois, meu amigo ainda se lembra desse momento inspirador.

MOSTRANDO QUE VOCÊ SE IMPORTA

É difícil para os políticos que administram escritórios praticar genchi gembutsu. Suas visitas a fábricas e concessionárias de carros se tornam oportunidades para fotografias. Comer panquecas em um restaurante com os moradores locais se torna um evento desajeitadamente encenado com conversas fingidas e congestionado de fotógrafos e repórteres. Mas, mesmo com esses inconvenientes, essas atividades são cruciais para mostrar aos eleitores que o político vê e compreende suas situações.

Todos os colaboradores compreendem que os CEO têm suas próprias responsabilidades e exigências pesadas. Mas deixar de lado algumas das armadilhas isoladoras do poder para ir e ver é muito mais simples para os executivos do que para os políticos: eles não estão rodeados por uma falange do serviço secreto e não precisam viajar para cinco locais de campanha em um único dia em um avião privado. Ganhar experiência em primeira mão dos trabalhos que os colaboradores fazem fornece-lhes uma profunda compreensão dos desafios que suas pessoas enfrentam. Mais importante, mostra aos funcionários que seus líderes cuidam e escutam. Ele cria o mesmo tipo de vínculo com os colaboradores que Trump forjou com os eleitores. E essa é a lição a tirar das eleições de 2016.

Publicado em 30/01/2017

Autor

Daniel Markovitz
Consultor ,autor de Construindo a Organização Adequada, mMembro do corpo docente do Lean Enterprise Institute e palestrante na Fisher College of Business
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal