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Fazendo ideias lentas irem mais depressa

James Womack
Fazendo ideias lentas irem mais depressa
YOKOTEN DE WOMACK – Por que algumas ideias e inovações se espalham que nem fogo enquanto outras demoram mais para se enraizar? É evidente que o pensamento lean pertence à segunda categoria, mas como podemos acelerar sua difusão?

Em 16 de outubro de 1846, no Hospital Geral de Massachusetts – que fica na linha de visão de minha mesa no LEI através do Rio Charles –, o Dr. Henry Bigelow fez a primeira operação com anestesia do mundo (usando éter). Sua descoberta – a de que, pela primeira vez na história, o paciente não sentiu dor durante uma cirurgia – foi publicada em um jornal científico em novembro e, em junho de 1847, cirurgiões ao redor do mundo estavam usando éter. Uma ideia rápida.

Em contraste, o cirurgião de Edinburgh Joseph Lister descobriu nos anos 1860 que o uso de um desinfetante (ácido carbólico) em instrumentos, suturas e na roupa e mãos do cirurgião, somado a uma borrifada de ácido carbólico no local de cirurgia, reduzia drasticamente a taxa de infecções cirúrgicas, que, na época, matavam metade dos pacientes que faziam operações complicadas. Ele publicou seus resultados em 1867, e em poucos anos… nada aconteceu. Na verdade, mais de 30 anos se passaram até que a ideia de Lister fosse adotada. Uma ideia lenta.

O maravilhoso artigo de Atul Gawande, “Slow Ideas”, publicado no “The New Yorker” de 29 de julho de 2013, fornece os detalhes, e o encorajo a lê-lo. Gawande conclui que a diferença na aceitação dessas ideias era que a anestesia podia ser administrada com resultados rápidos, sem desconforto para o cirurgião e com grande conforto para o paciente. O “listerismo”, ao contrário, requeria que os cirurgiões reorganizassem completamente suas atividades e diminuíssem sua taxa de produção (o número de procedimentos realizados por unidade de tempo) a fim de trocar seus instrumentos e roupas e até lavar suas mãos (!) após cada procedimento. A maioria deles não acreditava que suas práticas estavam causando infecções, já que elas só apareciam dias após a cirurgia. Para que os métodos de Lister ganhasse aceitação ampla, os cirurgiões eventualmente precisariam mudar sua autoimagem profissional de cirurgiões destemidos em jalecos escuros feitos de borracha fazendo o que precisava ser feito em meio ao caos para cientistas em roupas brancas testando sistematicamente novos métodos e medindo os resultados.

Testemunhamos algo similar com a disseminação das práticas lean. A maioria das ferramentas na caixa de ferramentas lean – 5S, fluxo de uma só peça em leiautes celulares, produção para atender o tempo takt, sistemas puxado, eventos de melhoria rápida – foi totalmente desenvolvida na década de 1960 na Toyota no Japão e estava sendo amplamente implantada fora da Toyota em eventos kaizen em todo o mundo até o final da década de 1970. Isso ainda é um caso de ideias lentas em comparação à anestesia. Mas os métodos de gestão lean – nomeadamente o planejamento hoshin para chegar a um acordo quanto aos problemas importantes a serem solucionados, a análise A3 para implantar em iniciativas importantes e a gestão diária rigorosa para estabilizar todo o processo de criação de valor para que os resultados kaizen possam ser sustentado – também foram totalmente desenvolvidos na Toyota em meados da década de 1960, mas só estão sendo amplamente aplicados com sucesso sustentável cinquenta anos após sua primeira aplicação. Um caso de ideias muito lentas comparadas até com a contramedida de Lister para a infecção.

No caso lean, a situação já esteve pior, porque as ferramentas e a gestão lean estão ligadas – diferentemente da anestesia e da esterilização. Sabemos agora que as ferramentas lean de rápida disseminação não produzem resultados sustentáveis sem o contexto organizacional criado pela gestão lean, que tem uma lenta disseminação. Não é surpresa que muitos de nossa comunidade lean se sentem frustrados com nosso progresso.

Para pensar criativamente sobre esse problema, temos de começar perguntando sobre os fatores que determinam a facilidade ou a dificuldade de propagação das ideias nas organizações. Em geral, sabemos que as ideias que não perturbam estruturas ou rotinas organizacionais, que exigem pouca prática para serem dominadas (por exemplo, novas tecnologias que simplesmente precisam ser ligadas), que podem ser implementadas por especialistas (muitas vezes consultores) enquanto os gerentes de linha assistem e que produzem resultados dramáticos e instantâneos são relativamente fáceis. O kaizen de alta velocidade – a famosa blitz de quatro ou cinco dias –, liderado por especialistas e produzindo retorno imediato sobre o esforço e a despesa, é um exemplo perfeito.

Em contraste, as ideias que exigem que as estruturas organizacionais sejam repensadas, que necessitem da prática para serem entendidas, que devem ser implementadas e sustentadas pelos gerentes de linha, que estão ocupados lidando com interrupções constantes, e que produzam resultados apenas após um período prolongado são difíceis e tendem a ser lentas para ganhar aceitação. A gestão lean, que exige que os gerentes não mudem só seus métodos, mas suas ideias fundamentais sobre o que os gerentes fazem (por exemplo, dar ordens e medir resultados com KPIs vs. fazer perguntas e permitir que os colaboradores possam ser mais bem-sucedidos através da remoção de barreiras), certamente não é a ideia mais difícil já difundida, mas é certamente muito difícil. Daí nosso progresso constante, mas muito lento.

O que podemos fazer com esses insights? Como podemos mudar nosso pensamento para aumentar a velocidade de nossas ideias?

Primeiro, podemos fugir da negação ao admitir que as ferramentas lean por si só não podem produzir resultados sustentáveis. Recentemente, testemunhei um grande exemplo dessa mudança de mentalidade em uma empresa onde eu acompanhava o CEO em uma caminhada pelo gemba para ver os resultados de uma grande campanha de kaizen concebida e dirigida pelos consultores e apoiada por um grande grupo de excelência operacional interna. No decorrer da caminhada, tornou-se evidente que os colaboradores da linha de frente estavam dispostos a trabalhar de maneiras novas, mas que o sistema de gestão moderno não facilitava ou sustentava as novas práticas. A evidência do retrocesso foi claramente evidente, tanto a olho nu quanto no quadro de produção diária.

O CEO perguntou ao líder do grupo interno de excelência operacional o que precisava ser feito e recebeu a resposta de que o número de atividades kaizen precisava ser aumentado drasticamente. Ele, então, fez a pergunta de mudança de mentalidade: “Estamos simplesmente fazendo – e refazendo – kaizen em cima do caos? E, em caso afirmativo, por que deveríamos esperar um melhor resultado com mais kaizen?”. Após uma longa pausa, um dos gerentes de linha sugeriu que talvez seu tempo seria melhor gasto criando estabilidade básica através de uma gestão diária rigorosa (que eles estavam apenas começando a adotar) antes de fazer mais kaizen. O CEO, em seguida, encerrou a discussão perguntando como eles poderiam realizar um experimento para confirmar a hipótese de que a gestão diária rigorosa tornaria possível o kaizen sustentável. Gostaria que eu fosse em mais caminhadas com esse resultado!

Em segundo lugar, podemos repensar o papel dos consultores lean, externos e internos. Voltando a Frederick Taylor e à “gestão científica”, tem havido uma crença de que a melhoria no processo é feito para os trabalhadores da linha de frente, geralmente por consultores ou especialistas com conhecimento superior e sem muita necessidade dos gerentes. Por isso o grande foco operacional e em excelência dos últimos anos. Mas seguir por esse caminho significa duas coisas na prática: os gerentes de linha acreditam que não podem melhorar os processos sozinhos simplesmente treinando suas equipes. E têm a certeza de que não têm tempo para treinar, mesmo se souberem como, porque todo seu tempo vai para a gestão das exceções geradas por processos instáveis. Então, eles tentam terceirizar seus problemas para consultores, que ficam felizes em ajudar, porque o kaizen em cima do caos produz constante repetição de negócios!

Em minha experiência, o papel mais produtivo para consultores é o de ajudar na criação de gerentes de linha que possam estabelecer processos estáveis através de uma gestão diária rigorosa. E eles devem fazer isso antes de focar em ajudar os gerentes a melhorar todos os processos da linha de base atual. Esse caminho mostra inerentemente resultados mais lentos, e não apenas soluciona problemas de forma imediatista, mas cria a estabilidade e a responsabilidade de linha necessárias para sustentar a melhoria no longo prazo.

Terceiro, podemos parar de pensar que um sistema de gestão lean pode ser colocado em prática no mesmo período de tempo que as ferramentas lean através de kaizen – em outras palavras, como um programa rápido. Isso ocorre porque os novos métodos de gestão e mentalidades precisam de treino repetido (em minha experiência como gerente, uma quantidade muito grande de treinamento!), a fim de se tornar natural. Assim, treinar os gerentes de linha é uma prática contínua, não um evento único. Dado esse fato, os gerentes de nível superior precisam ser pacientes, fazendo perguntas sobre o processo de coaching para seus gerentes ao invés de focar nos resultados de melhoria no curto prazo.

Quarto, podemos parar de nos desencorajar quanto à obsessão sobre o simples fato de que a maioria de nós – CEOs, consultores internos, gerentes de linha e até colunistas lean – não sabe exatamente como introduzir a gestão lean em nossas organizações e que não há sensei externos suficientes com as habilidades certas para nos ensinar. A atividade mais fundamental – na verdade, todo o objetivo do pensamento lean – é fazer experimentos (que chamamos de PDCA). Estamos acostumados a fazê-los em processos de criação de valor. Muitos leitores fazem isso toda semana. Agora precisamos fazê-los nos processos de gestão para tentar coisas diferentes e treinar uns aos outros. Precisamos compreender a situação atual de nossos processos de gestão (em particular no que diz respeito à criação da estabilidade básica, que torna o kaizen sustentável), experimentar novos métodos de gestão, ver o que funciona para estabilizar as operações e permitir a melhoria, partilhar conhecimentos a fim de fazer ajustes e experimentar mais métodos novos, tudo de forma consciente e sistemática com todos observando os sucessos e os retrocessos de todos os outros.

A boa notícia: se pudermos agir com esses insights como uma comunidade lean, estou confiante de que a difusão das ideias lean daqui para frente poderá ser mais como o instantâneo éter e menos como o lento ácido carbólico.

Publicado em 02/08/2016

Autor

James Womack
Fundador e consultor sênior do Lean Enterprise Institute.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal