MANUFATURA

O poder das pessoas: adaptando-se aos tempos de mudança

Eivind Reke e Havard Buhaug
O poder das pessoas: adaptando-se aos tempos de mudança
Uma abordagem centrada nas pessoas para trabalhar, melhorar e adotar a automação está permitindo que esta empresa norueguesa prospere em um setor e ambiente em constante mudança.

Em 1861, um sueco chamado Göran Fredrik Göransson descobriu como industrializar a produção de aço com o método Bessemer. Quase da noite para o dia, o preço de produção do aço caiu em 75%, e uma infinidade de novas aplicações tornou-se possível. A qualidade do material também melhorou drasticamente, o que permitiu equipamentos agrícolas mais robustos e baratos. Por sua vez, a mecanização da agricultura levou as pessoas na Escandinávia a se mudarem para as cidades, o que resultou em um boom de construção no início do século XX. Na Escandinávia em geral e em Trondheim, na Noruega, em particular, as casas eram construídas com madeira, e a antiga técnica de construção em troncos havia sido substituída por pregos. Outro efeito da queda de 75% no preço do aço foi que maquinários acessíveis se tornaram disponíveis para produzir pregos em alta velocidade, levando a um preço de produção próximo a zero e, consequentemente, a pregos muito baratos. Ao mesmo tempo, surgiram novas serrarias que faziam tábuas em vez de toras para a construção de casas.

Esse frenesi de construção, junto com prósperos estaleiros de barcos, levou ao estabelecimento de muitas novas empresas em Trondheim que produziam pregos e rebites. No auge do boom, até seis empresas diferentes de pregos operavam apenas em Trondheim. Entretanto, com a chegada de novas técnicas de construção de barcos e a disponibilidade de pregos mais baratos importados de outros lugares, a maioria dessas empresas desapareceu com o tempo. Todas menos uma.

A Trondhjems Nagle og Spigerfabrikk (TNS), na época conhecida como Teeness, continuou. Na mesma época em que a industrialização da Noruega estava acontecendo, os políticos noruegueses discutiram onde colocar o novo Colégio Nacional Agrícola, e Trondheim perdeu para a cidade de Ås, ficando somente com o Colégio Técnico Nacional. Foi um golpe de sorte tanto para a cidade quanto para a Teeness. Em 1964, um jovem estudante da Universidade Técnica Norueguense (agora NTNU) desenvolveu um método inovador para usinar longas barras de aço. Como parte de sua tese de mestrado, Hans Kristian Holmen descobriu como superar o problema da ressonância da furação e como um amortecedor de massa sintonizado poderia neutralizar as vibrações da frequência natural de barras de mandrilamento longas, que antes impossibilitavam o fresamento e mandrilamento de longo alcance. Essa inovação representa a base de sua agora famosa marca Silent Tools.

Em 2008, a Teeness mudou-se para um novo prédio em Trondheim e foi comprada pela Sandvik Coromant, uma empresa com a qual eles cooperaram estrategicamente desde a década de 1970. É um negócio próspero, atualmente conhecido como Sandvik Coromant Trondheim.

A JORNADA LEAN

Um dos principais equívocos – e talvez o mais destrutivo – que existe sobre o pensamento lean é que tudo é sobre o processo. O que a Toyota e outros exemplos notáveis de empresas lean (de Wiremold a Danaher) sabiam, entretanto, era que se você não tem um produto que vende no mercado, não importa quão excelentes sejam seus processos operacionais. O lean começa com a criação de valor para o cliente, e isso acontece quando o produto de melhor qualidade está nas mãos do cliente pelo menor preço possível. Esse princípio-chave do pensamento lean sempre foi uma grande parte do sucesso da Coromant Trondheim.

Tendo dito isso, durante uma recente visita à comunidade lean local em Trondheim, Håvard Buhaug, gerente local e gerente geral da Coromant Trondheim, nos disse que quando a empresa tentou o lean pela primeira vez, eles falharam. O primeiro erro que cometeram foi falar sobre lean e suas ferramentas sem desenvolver qualquer compreensão do pensamento por trás dele. Muito rapidamente, Håvard tinha 100 colaboradores munidos de informações que obtiveram do Google batendo em sua porta para dizer a ele em termos inequívocos que ele estava errado sobre o que é lean. O foco mudou do porquê e de como melhorar para as próprias ferramentas e técnicas, com a óbvia conclusão de que “pode funcionar na Toyota, mas nunca funcionará aqui”. A confusão e as discussões que se seguiram impediram qualquer tentativa de transformar a organização.

Implacável, a equipe administrativa da Coromant Trondheim esperou pela próxima onda de transformação do corporativo, mas dessa vez tentou uma abordagem diferente. Em vez de dizer às pessoas para começarem com ferramentas como os 5S, por exemplo, eles discutiram a propriedade do trabalho e como a equipe poderia assumir o controle de seus próprios processos, decidindo por si mesmos como e onde as coisas deveriam estar. Ao longo do caminho, eles desenvolveram a autonomia da equipe, o problema que o conceito dos 5S realmente se esforça para resolver. Somente quando as pessoas viram o efeito de seu trabalho e ficaram curiosas, elas foram direcionadas para a teoria e os conceitos lean, para que elas próprias pudessem explorar mais como poderiam melhorar seu próprio local de trabalho.

TODO MUNDO É LÍDER

Não importa o cargo que você tenha na Coromant Trondheim, porque a abordagem de fabricação centrada nas pessoas significa que todos são líderes. E como todos são líderes, todos passaram por um treinamento básico de liderança. Isso significa que todos na empresa viram que a liderança é realmente encontrar problemas, enxergar oportunidades nesses problemas e escolher um para explorar mais. O treinamento também deu a todos uma visão holística do negócio e uma compreensão de como seu trabalho está conectado ao panorama geral, o que ajudou as pessoas a desenvolverem sua capacidade de escolher as oportunidades certas de melhoria e os problemas certos a serem resolvidos. Na Coromant Trondheim, trata-se de fazer escolhas, avaliar os resultados e aprender, para que, na próxima vez que uma oportunidade ou desafio aparecer, as pessoas reajam da melhor maneira possível para todos e no interesse do negócio como um todo. Essa capacidade deu a todos mais senso de responsabilidade e mais autoridade, o que, por sua vez, dá à organização muito poder para melhorar o trabalho e cumprir suas promessas diárias aos clientes.

ADAPTAÇÃO COM TECNOLOGIA

Outro exemplo de como o pensamento lean lentamente fez incursões na Coromant Trondheim é a nova linha de montagem totalmente automatizada. Ela foi projetada, desenvolvida e instalada por uma equipe interna composta por um engenheiro mecânico e alguns mecânicos de automação estagiários. Infelizmente, não podemos entrar em muitos detalhes sobre o funcionamento interno da célula de produção, mas os resultados foram extraordinários. A célula conseguiu processar em apenas quatro horas o que anteriormente exigia uma semana de produção, montando muitos produtos diferentes na mesma linha flexível com pouca ou nenhuma troca. Isso nos mostra mais uma vez o poder do pensamento just-in-time.

Também foi impressionante ver como todas as suas máquinas foram configuradas para fácil manutenção e troca e como houve poucos derramamentos de óleo, apesar da quantidade de equipamentos de usinagem que a empresa tinha. A fábrica era extremamente limpa e com uma atmosfera de trabalho muito agradável – muito diferente de algumas das oficinas de usinagem sujas e bagunçadas que este autor viu durante suas viagens lean. Na Coromant Trondheim, há um entendimento geral de que o total é a soma da contribuição de cada indivíduo e um compromisso de prevenir em vez de corrigir. A maneira mais fácil de obter uma fábrica limpa e organizada é evitar processos confusos e vazamentos em primeiro lugar, garantindo que você tenha apenas o que precisa prontamente disponível (e talvez a parte mais importante, e talvez esquecida, dos 5S – a autonomia da equipe). Quando os operadores entendem profundamente o processo e também podem explicar por que fazem o que fazem e são donos de seu próprio processo, os 5S são apenas um reflexo dessa apropriação. Na Coromant Trondheim, essa propriedade foi ainda mais destacada pela “rodada do capitão” quinzenal: nela, um fórum de operadores percorre a fábrica para discutir saúde e segurança com cada estação e cada equipe para procurar maneiras de melhorar a segurança, a qualidade e a flexibilidade em cada etapa.

O pensamento just-in-time também foi exibido em seu uso inovador de Veículos Inteligentes Automatizados (AIV). Eles são Veículos Inteligentes, e não Guiados (AGV), na verdade, porque podem descobrir sozinhos o caminho a seguir no transporte de materiais para diferentes estações de trabalho, conforme a necessidade e na quantidade necessária. Se, por algum motivo, algo estiver bloqueando seu caminho, o veículo apenas tentará outra rota até chegar ao destino com sucesso.

DESENVOLVENDO UM PRODUTO MAIS INTELIGENTE E MAIS VERDE

Embora a fábrica fosse impressionante, o que era ainda mais impressionante era como a produção e o desenvolvimento do produto cooperavam bem. Os engenheiros de P&D passavam bastante tempo discutindo com os operadores durante o desenvolvimento de novos produtos, uma situação muito diferente do tipo normal de cooperação “jogando por cima do muro”. Quando produção e P&D estão sob o mesmo teto, é mais fácil incluir todas as etapas em um projeto de desenvolvimento de produto. Para enfatizar e incentivar a colaboração, a Coromant Trondheim colocou o PC do projetista próximo às máquinas que produzirão o que está sendo desenvolvido (geralmente a apenas alguns metros de distância), o que torna totalmente natural que as pessoas se encontrem com os operadores e discutam. Tanto o desenvolvedor quanto o operador compartilham um interesse comum em garantir que os novos produtos que estão sendo desenvolvidos possam ser produzidos de maneira racional.

Portanto, a empresa removeu todas as barreiras que podem ser removidas, ou pelo menos minimizou ao máximo seu impacto. Se a separação física for necessária, não é uma parede sólida, mas uma de vidro. Um bom exemplo desse pensamento é que a estação de café/chá está localizada na área de produção – uma pequena, mas significativa contribuição para a criação de um centro comum nas operações. A curta distância entre engenheiros e operadores facilita a discussão de soluções técnicas que afetam os processos de produção ou um protótipo a ser produzido… tudo isso enquanto se saboreia um bom café.

A ESTRADA RUMO A UMA PRODUÇÃO MAIS VERDE

Então, qual é o próximo passo para a Coromant Trondheim? Além de uma mudança de nome (você notou?), eles agora estão assumindo o desafio de sustentabilidade de criar empregos significativos em uma fábrica verde. Para os próximos cinco anos, eles traçaram um caminho em direção à meta ambiciosa de eliminar ou substituir todos os materiais perigosos, usando 60% de energia solar, reutilizando sua massa de amortecimento e peças de reforço de carboneto e coletando e usando água da chuva e neve derretida. Eles querem se tornar uma Green Factory certificada. Quaisquer que sejam os desafios que a Coromant Trondheim possa enfrentar no futuro, uma coisa é certa: será preciso colocar a mão na massa para encontrar maneiras de superá-los. O espírito kaizen e o respeito pelas pessoas estão bem e verdadeiramente vivos na empresa, à medida que avança de desafio em desafio, alavancando o poder de seu pessoal.

Publicado em 09/02/2023

Autores

Eivind Reke
Autor lean e presidente da Los Norge.
Havard Buhaug
Diretor administrativo da Sandvik Coromant Trondheim
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal