Temos testemunhado que, ano após ano, um número crescente de empresas dos mais diferentes setores da economia, de diversos tamanhos e de quase todas as regiões do país estão convencidas de que lean é um caminho que trará bons resultados.
Por um lado, ficamos muito satisfeitos com isso. Mas, por outro, ficamos muito preocupados. Por que?
As razões e expectativas para iniciar a implementação muitas vezes não estão claras. Ainda há a síndrome do puro modismo (“programa do mês”) porque a “matriz” sugeriu ou porque uma boa empresa “vizinha” está fazendo.
Por que fazer lean? Tudo deve começar por identificar qual é a sua necessidade. Qual o seu principal problema ou desafio do seu negócio como um todo ou mesmo de uma determinada família de produtos?
Antes de sair implementando as principais ferramentas, é importante fazer uma reflexão sobre a situação atual do seu negócio. Isso pode não ser muito fácil fazer, em muitos casos. Um bom levantamento de dados e informações efetivamente relevantes pode ser muito útil. Mas o mais importante é entender o que essas informações significam.
Sugerimos que se façam algumas reflexões importantes antes de iniciar a implementação propriamente dita. E mesmo se você já está implementando em sua empresa, ainda é tempo.
Reflexão 1. O que os meus clientes querem? O primeiro passo é sempre fazer um esforço de compreensão no sentido de buscar a definição de valor a partir dos clientes. Fazer o “genchi gembutsu”, ou seja, ir ao “gemba”, o local onde as coisas acontecem, é fundamental. Nesse caso, significa muitas vezes ver os clientes em ação, como eles utilizam os produtos e/ou serviços, misturar-se a eles, sentir-se como eles etc, são práticas que ajudam.
Pode ser útil usar os princípios do Consumo Enxuto (“Lean Consumption”) conforme proposto por James Womack e Daniel Jones no artigo publicado na Harvard Business Review de Março de 2005 que sugerem que se deva:
- resolver totalmente o problema do cliente ao garantir que todo produto ou serviço funcione
- não desperdiçar o tempo do cliente
- oferecer exatamente o que o cliente deseja
- oferecer o que é desejado exatamente onde ele deseja
- oferecer o que é desejado onde é desejado exatamente quando é desejado
- adicionar continuamente soluções para reduzir o tempo e o esforço exigido pelo cliente.
Esses princípios simples podem servir de ajuda a negócios das mais diversas naturezas e ambientes. Sabemos que os conceitos Lean podem tornar a empresa mais eficiente. Mas é evidente que você pode ter uma fábrica mais eficiente fazendo o que o cliente não quer.
Desse modo, após o entendimento das necessidades dos clientes, devemos realizar a segunda reflexão importante, ou seja, a compreensão do “modelo operacional” .
Reflexão 2.Como estou operando? As questões que surgem em seguida envolvem entender quais são as principais atividades, identificando aquelas que agregam valor para o cliente, as que são desperdício que podem ser eliminadas rapidamente e aquelas que mesmo não criando valor, são ainda necessárias, qual a seqüência de atividades e ações, os tempos e se possível os custos envolvidos, os ativos dedicados, os fornecedores etc.
Considerando o alto grau de departamentalização das nossas empresas, onde os departamentos continuam a se “falar” muito pouco, fazer uma representação visual de um mapa do modelo operacional pode ser um exercício útil para identificar os principais problemas.
Pode ser semelhante ao Mapeamento do Fluxo de Valor, ferramenta utilizada para identificar o fluxo de informações e de materiais “porta-a-porta” para uma família de produtos, mas pode envolver todas as famílias de produtos, chegando até os fornecedores iniciais e clientes finais e também detalha os processos de planejamento. Ajuda a entender os processos reais que normalmente são horizontais e cruzam múltiplas áreas e/ou departamentos.
Reflexão 3. Quais mudanças devem ser implementadas no seu modelo operacional?
Tendo em vista a identificação das necessidades dos clientes e os problemas no sistema atual de operação, a elaboração de um mapa do modelo operacional torna visual os problemas para que todos possam enxergar e, mais importante, todos possam concordar que esses são os reais problemas, a partir do entendimento do que está acontecendo. Trazendo isto à tona, torna-se mais fácil entender o que é “anormal”, permitindo ações corretivas e possibilitando a real melhoria. A partir deste entendimento comum, um futuro modelo operacional pode ser desenhado, vislumbrando-se as oportunidades de aplicação dos conceitos lean no sentido de diminuir os desperdícios e agregar mais valor aos clientes.
Esta visualização desarma as pessoas, pois não há defesas (e ataques) baseados em “achismos”, reduzindo assim a “política” interna, porque, a partir do mapa do modelo operacional), as coisas ficam claras e transparentes. A desgastante e inócua política organizacional também advêm da invisibilidade dos processos. Por vezes, as divergências sobre quais ações e rumos a seguir ocorrem devido à falta de conhecimento sobre a realidade e também a inexistência de uma interpretação comum.
Isso nos levará a definir as ações necessárias e principalmente, as prioridades e metas, de modo a transformar lean não no “programa do mês” ou algo que se faça enquanto se administra a empresa, mas na nova maneira de administrar o negócio.
As ferramentas lean são fantásticas para viabilizar as mudanças necessárias no novo modelo de operação. Um dos possíveis motivos de dificuldades na sua implementação pode estar relacionado ao fato de você não ter identificado, desde o início, quais são os seus reais problemas e necessidades. Ao focalizar adequadamente a implementação tendo em vista as necessidades do negócio, fica mais difícil “não ter tempo para fazer lean”.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil