Em qualquer grande projeto de mudança organizacional, sabemos da relevância da participação da alta administração. A transformação lean é, para muitas empresas, a transformação organizacional mais importante da sua história, pois exige mudanças em sua maneira de operar e em sua cultura. Nesse contexto, o papel da alta administração deve ser substancialmente distinto daquele vigente em empresas com sistemas de gestão tradicionais.
Qual é o comportamento esperado da alta administração em uma transformação lean? Quais atitudes são mais coerentes e compatíveis com as necessidades requeridas para o sucesso da gestão lean?
Em primeiro lugar, a direção da empresa deve orientá-la para o futuro através do planejamento de longo prazo e da definição do norte verdadeiro. Isso ajuda as pessoas a focalizar esforços no que é efetivamente relevante e a entender os propósitos da empresa que devem ser mais amplos do que simplesmente ganhar dinheiro.
Deve estimular o foco nos processos de geração de valor aos clientes e à sociedade, ajudando a empresa a eliminar desperdícios (muda), buscando a padronização, a estabilização e a definição de fluxos contínuos de trabalho, evitando criar irregularidade (mura) e sobrecarga (muri) e estimulando a exposição e solução de problemas através de controles visuais e transparentes, além de assegurar qualidade nos processos.
A alta administração deve ser responsável por apoiar as várias funções e níveis hierárquicos, ajudando assim a criar valor, conforme mostra a figura abaixo.

Ou seja, é exatamente o contrário da visão tradicional da “pirâmide”, em que a alta administração comanda e controla os níveis ditos inferiores.
O uso de métricas e indicadores não deve substituir o entendimento dos processos como ferramenta fundamental da alta administração. Para isto, é necessário que a direção seja capaz de acompanhar de perto através da “atitude gemba”, observando atentamente, com os próprios olhos, o local onde as coisas acontecem. Este comportamento é o oposto ao de muitos dirigentes, que investem quantidades substanciais de recursos para criar sistemas de informações que produzam e tragam até eles os indicadores, muitas vezes simplesmente financeiros, dando uma ilusória sensação de controle.
Olhar apenas para os números, sem entender como eles apareceram e seus porquês, é inútil pois não ajuda a entender verdadeiramente a situação. E pior; muitas vezes, pode estimular comportamentos equivocados, como o foco em resultados de curto prazo, redução imediata de custos sem considerar as conseqüências das ações no médio e longo prazo, etc. Poucos e relevantes indicadores são fundamentais, desde que se entenda os processos que os geraram.
Espera-se da direção da empresa uma atitude desafiadora, procurando criar uma certa “insatisfação permanente”, gerando a busca de melhorias nos processos e nos resultados por parte de todos. Esta deve ser uma de suas maiores fontes de motivação para o grupo. Mas sempre tendo como base um sólido processo de planejamento, visando a melhor utilização possível dos recursos e o estabelecimento de padrões claros sobre os quais se devem gerar estas melhorias.
Outro comportamento esperado da alta administração é estimular que as pessoas assumam responsabilidades e tomem iniciativa e não simplesmente tenham a postura de esperar e seguir “ordens de cima”. A direção tradicional crê que seu papel é ter a capacidade de resolver problemas, em geral, os mais relevantes, e de apresentar as soluções rapidamente. Ao contrário, em uma empresa lean deve-se estimular a análise das causas dos problemas para levar as pessoas a pensarem, entenderem as necessidades e elas próprias chegarem às soluções mais apropriadas.
A direção deve incentivar a exposição clara de problemas e não estimular o comportamento de escondê-los. Transparência e gestão visual ajudam a eliminar o medo pois assume-se que os problemas estão nos processos e não nas pessoas.
O necessário respeito às pessoas não significa tolerância aos problemas e complacência ou acomodação frente a dificuldades. A intolerância deve ser frente aos problemas e processos.
A alta administração tem a grande responsabilidade de entender o caráter sistêmico dos problemas mais relevantes e reconhecer que, para sua solução, são necessários esforços horizontais que cruzam setores, departamentos e silos.

A partir de processos de “coaching”, deve também ajudar no desenvolvimento pessoas, inclusive do seu sucessor. A alta administração deve estimular a cooperação, o trabalho em grupo tanto entre diferentes áreas e funções como também entre os níveis hierárquicos, a busca do consenso e convergência. Mas o discurso tem que vir acompanhado do exemplo próprio na busca de trabalho em equipe na direção da empresa, local onde são freqüentes disputas e batalhas desnecessárias.
E finalmente, a alta direção deve estimular a organização a aprender continuamente, aprofundando-se cada vez no conhecimento lean, ensinando e aprendendo fazendo, através da prática.
As pessoas que ocupam as posições mais altas em uma empresa tendem a ver seu sucesso como resultado de características natas e assim estimular o individualismo. O surgimento de bons líderes para ocupar as posições de comando das empresas devem ser resultado de processos sólidos de recrutamento, seleção, promoção e desenvolvimento de pessoas na empresa.
O sucesso da transformação lean começa com o envolvimento adequado da alta administração, assumindo novos comportamentos e atitudes que, por sua vez, devem desdobrar para os outros níveis de liderança e supervisão.
Quando isto for consistente ao longo do tempo e a prática da alta administração for coerente com seu discurso, haverá grandes chances da jornada lean ser bem sucedida.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil