Roberto Priolo: Você tem uma carreira impressionante na Caterpillar. Poderia nos guiar através dela, mencionando alguns dos principais marcos na jornada de LPPD (Lean Product and Process Development) da empresa?
Steve Shoemaker: Passei 33 anos na Caterpillar e, durante a primeira década mais ou menos, eu pensava que o lean era algo feito apenas nas fábricas. Não apreciava as oportunidades que existiam além do chão de fábrica. Foi somente em 2003 que comecei a desenvolver uma compreensão adequada do Lean Thinking.
Um ponto de virada para mim foi a leitura do livro Product Development for the Lean Enterprise de Michael Kennedy - nós o chamávamos de "livro azul". Ele falava sobre como você poderia obter quatro vezes mais produtividade de seus engenheiros. Como gerente, quem não gostaria disso?! Agradeço a esse livro por me fazer realmente pensar sobre o lean, juntamente com A Máquina que Mudou o Mundo, de Daniel Roos, Daniel Jones e Jim Womack, e Sistema Lean de Desenvolvimento de Produtos e Processosdo Dr. Allen Ward.
A partir desse momento, houve quatro fases principais em minha carreira. Primeiramente, fui Gerente Técnico na Cat Electronics, onde desenvolvíamos os computadores e painéis de controle que controlavam os motores, máquinas e transmissões. Tudo que podia ter software era controlado pela nossa divisão. Colaboramos muito com fornecedores de produtos e foi quando descobri a importância de uma cadeia de suprimentos sólida para uma empresa como a nossa.
Mais tarde, à medida que comecei a explorar o Toyota Way, conforme descrito por Jeff Liker, mudei do mundo de componentes (cresci na área de motores e agora estava na eletrônica) para o lado de fabricação das máquinas. Na divisão de Produtos para a Construção, onde são feitas máquinas menores, enfrentamos enormes desafios empresariais. Juntei-me à divisão em 2006 e alguns anos depois a crise financeira nos atingiu em cheio, o que foi um grande problema para um negócio que depende tanto do mercado imobiliário. Tivemos que reverter a situação. Naquela época, eu estava liderando a organização de engenharia, mas a Caterpillar, em uma escala mais ampla, já estava trabalhando com o Dr. Liker para implementar o Toyota Way em nossas fábricas. Procuramos maneiras de nos envolver também no trabalho de lean e logo comecei a trabalhar com John Drogosz, que agora lidera o elemento de produto do LPPD (Lean Product and Process Development) no Lean Enterprise Institute.
Em seguida, fui para nossa fábrica em Akashi, no Japão, e me tornei Chief Engineer da Divisão de Escavação. Morar no Japão com esse cargo foi quando comecei a realmente entender o que é o lean. Afinal, eu estava vivendo na sociedade de onde a metodologia havia se originado! Ao longo dos anos, visitei a Toyota e seus fornecedores várias vezes, o que me permitiu "conectar os pontos" e entender o que tornava o desenvolvimento de produtos de Akashi tão eficaz. Durante o meu tempo lá, modernizamos nossa linha de produtos e desenvolvemos um novo portfólio de escavadeiras. Olhando para trás, percebo que a lição mais importante que aprendi lá é o quão crítico é o desenvolvimento das pessoas e o respeito por elas.
Após cinco anos em Akashi, me pediram para voltar aos Estados Unidos e liderar a engenharia na Divisão de Terraplanagem, que era o cerne do negócio de máquinas da Caterpillar e projetava tratores, carregadeiras, colocadores de tubos, equipamentos de pavimentação e motoniveladoras. Essa foi minha última função antes de me aposentar da empresa. A divisão era muito cara, nossa qualidade não estava onde precisava estar e a percepção do restante da organização era de que “precisávamos ser consertados”. Com o tempo, fizemos grandes progressos, melhorando nossa qualidade em 50% e reduzindo nossos gastos para agregar mais US$ 200 milhões ao nosso resultado final. De forma crítica, reinventamos a crença de que a empresa é o melhor lugar do mundo para ser um engenheiro, e fizemos isso através de muitos dos princípios lean. Por volta de 2018, quando Projetando o Futuro de Jim Morgan foi lançado, começamos a trabalhar muito mais de perto com o LEI (Lean Enterprise Institute) e obtivemos resultados surpreendentes.
RP: Quando você começou, não havia muitas informações disponíveis sobre LPPD por aí. Não havia muitos livros, além do de Michael Kennedy. Onde você obteve sua inspiração?
SS: O "livro azul" foi o que usamos como base para muitas de nossas atividades. Fizemos clubes de leitura em todas as divisões para as quais fui, e eu dei os livros para todos os meus chefes. Mas sim, naquela época não havia muito material disponível. Havia elementos de LPPD no livro O Modelo Toyota de Liker, mas não foi até a publicação do livroSistema Toyota de Desenvolvimento de Produtos de Jim Morgan que finalmente conseguimos nosso "livro didático". Ele realmente se tornou nosso guia estratégico.
RP: Lean nos ensina a importância de tornar o trabalho visível. Qual é a dificuldade disso em um ambiente de LPPD?
SS: Se você tem um programa, é fácil compreendê-lo - você configura uma "obeya", você cria um Mapeamento do Fluxo de Valor, etc. No entanto, no meu último cargo na Caterpillar, eu estava liderando a organização de engenharia de um negócio de US$ 7 bilhões, com centenas de programas em andamento ao mesmo tempo, 400 atividades de melhoria de produtos acontecendo simultaneamente e centenas de milhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento. Em um cenário como esse, identificar gargalos é extremamente difícil (especialmente em um ambiente que migrou para o digital), e é por isso que criamos o conceito de Design Factory (Fábrica de Design). Isso nos permitiu ver o fluxo de trabalho - algo fácil de fazer em uma fábrica, mas muito difícil de fazer no mundo do design. Você entra em um escritório de design e não consegue imediatamente perceber se estamos atrasados, quais engenheiros estão sobrecarregados, e assim por diante. A Design Factory nos ajudou a entender o processo, garantindo que ele seja estável para que possa ser melhorado.
Vou te dar um exemplo. Pouco depois de chegar à divisão de Terraplanagem, uma de nossas equipes ligou e pediu mais cinco engenheiros. Eles disseram que estavam atrasados e precisavam liberar desenhos. "As áreas de compras e manufatura estão prontas para receber os desenhos quando você os liberar?" Eu perguntei. Eles não sabiam, mas insistiram que estavam atrasados e precisavam de ajuda extra. Eles não conseguiram os engenheiros - e ficaram bravos com isso - mas eu estava tentando mostrar a eles que não faz sentido acumular trabalho se não há ninguém pronto para recebê-lo. No mundo do conhecimento, esse tipo de situação é muito comum, exatamente porque o fluxo é tão difícil de ver.
RP: Quando você olha para trás em sua carreira na Caterpillar, qual foi o maior desafio que você enfrentou?
SS: Uma das coisas mais difíceis que tive que fazer foi convencer nossos engenheiros de que os fornecedores que fabricavam os componentes que precisávamos e a fábrica que montava as máquinas eram realmente nossos clientes. As pessoas pensavam que o cliente era a pessoa que dirigia o trator. Isso é verdade, é claro, mas também é verdade para a próxima pessoa ou processo na cadeia de valor. Identificar seu cliente é, sem dúvida, um dos elementos mais importantes no pensamento lean aplicado à criação de conhecimento.
Nesse sentido, meus anos em Akashi foram absolutamente reveladores. Lá, tínhamos equipes internacionais de desenvolvimento de produtos e processos simultâneos, cujo objetivo era fazer com que a fabricação, a engenharia e a gestão de suprimentos abordassem problemas juntos (seja um problema de custo ou qualidade, ou ao abordar o desenvolvimento de um novo produto). Parece tão simples e básico, mas é muito complicado, pois todas essas funções têm um foco diferente.
RP: O que você diria que o LPPD significa para a Caterpillar?
SS: Em minha última divisão, Terraplanagem, certamente ganhamos uma melhor compreensão da gestão de processos. Como mencionei, obtivemos ótimos resultados lá, incluindo uma melhoria de 50% na qualidade, mas acredito que o maior benefício que o LPPD nos trouxe foi a compreensão de quão importante é a colaboração. Começamos a considerar como um defeito quando um fornecedor solicitava uma alteração ou quando a fábrica não conseguia montar corretamente um produto. O impacto dessa mudança de percepção foi monumental e abriu um novo conjunto de oportunidades.
RP: Do ponto de vista da liderança, quais comportamentos permitem esse tipo de sistema?
SS: Existe uma equação à qual Jim Morgan se refere, que eu adoro: o sistema de gestão é igual aos comportamentos de liderança multiplicados pelo sistema operacional. Isso significa que, quando os comportamentos de liderança são bons, os resultados se acumulam e as coisas melhoram. Por outro lado, quando os comportamentos são ruins, eles podem prejudicar o negócio. Na maioria das empresas, os comportamentos de gestão tradicionais são recompensados, e é muito comum dar objetivos irreais aos engenheiros e dizer-lhes para trabalharem mais duro. Nós nunca faríamos isso no chão de fábrica, então por que fazemos isso com os engenheiros e trabalhadores do conhecimento? Porque não vemos o trabalho deles!
A abordagem lean é totalmente diferente. Ela incentiva você a ouvir as pessoas que estão fazendo o trabalho, entender o que elas precisam para realizar o trabalho e, em seguida, apoiá-las. Como líder lean, você deve desenvolver as pessoas para que tenham o conhecimento para fazer as coisas certas e o tempo para fazer essas coisas da primeira vez. O aspecto do tempo é muito importante, caso contrário, você encontrará pessoas cortando caminhos para cumprir prazos.
Na verdade, ser um líder lean é muito mais fácil do que ser um gerente tradicional. Os gerentes lean contam com as pessoas e as apoiam, enquanto os gerentes tradicionais acham que precisam ter todas as respostas. A abordagem lean simplesmente faz mais sentido e, se ainda não há muitos líderes lean, é porque o lean ainda é considerado uma abordagem não convencional de alguma forma. Ao longo dos anos, tive discussões muito desconfortáveis com meus chefes, tentando ajudá-los a entender que leva tempo para o lean funcionar, que é preciso paciência para gerenciar a mudança até vermos os resultados do nosso trabalho.