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Usando lean para criar um novo produto e um novo processo

Alison Seward
Usando lean para criar um novo produto e um novo processo
ENTREVISTA – A GE Appliances teve que desenvolver um novo processo para fabricação de sua nova lava-louças. A líder responsável explica como a metodologia lean para desenvolvimento de produtos e processos (LPPD) ajudou no sucesso do projeto.

Roberto Priolo: Em 2020, você foi responsável por um projeto muito bem-sucedido para desenvolver um sistema de produção e lançar um novo produto na GE Appliances. Consegue nos contar um pouco sobre o contexto?

Alison Seward: Eu liderei um investimento de US$80 milhões na nossa linha de lava-louças, que é parte da nossa linha de cozinha. Não estávamos somente desenvolvendo uma nova lava-louças, tínhamos que desenvolver e colocar em funcionamento uma nova linha de produção. Como iríamos instalar essa linha em uma fábrica que já estava funcionando, frequentemente brincávamos que era como trocar os pneus de um carro em movimento. Como se não fosse suficientemente desafiador, nossa data de lançamento era novembro/2020, o que significa que tivemos de fazer vários testes e montagens durante os piores meses da pandemia.

RP: Qual foi o seu primeiro passo?

AS: Uma das primeiras coisas que fiz, quando entrei no projeto, foi reestruturar a forma de trabalho do time. Nós éramos muito focados nos nossos silos funcionais - design, qualidade, time comercial etc. Os trabalhos das áreas eram completamente segregados. Para encarar o desafio, precisávamos de uma abordagem diferente. Então, eu reorganizei o time fisicamente. Eu pedi às pessoas que movessem as suas mesas e nós reorganizamos o lay out de todo o escritório. O movimento foi impopular, de início, mas era importante quebrar o status quo.

Eu sabia que para ter sucesso, todos precisariam pensar além das suas áreas funcionais. É claro que precisávamos da profundidade da expertise técnica da área, mas também precisávamos que as pessoas levassem em conta o impacto dos seus respectivos trabalhos no projeto maior.

RP: Você mencionou que a decisão de mudar as pessoas de lugar não foi popular. Como você atravessou essa transição?

AS: O time foi fantástico em experimentar o novo sistema, mas foi necessário muito coaching e mentoring no início, porque foi um processo diferente, com princípios diferentes. Não se tratava, necessariamente, de que as pessoas fossem resistentes, é que era um sistema novo para elas. É natural para nós, seres humanos, sermos resistentes à mudança, então, no início, foi necessária muita energia e esforço para fazer a transição do time e para treiná-los em uma nova forma de trabalhar.

Tive muito suporte de todos os líderes funcionais na linha de produção, que estavam a par da mudança. Eu gostaria de dar muito crédito ao time, que acompanhou todas as minhas ideias loucas, embarcou e fez acontecer. Por fim, todos entenderam o desafio e a razão de eu estar sugerindo a mudança.

Alison com o Gerente da Planta Doug Wichmann

RP: Para o time envolvido nesse projeto, foi a primeira experiência com os princípios e práticas do LPPD?

AS: Para a maioria, sim. Nós fizemos vários trabalhos com LPPD em diferentes grupos de produto, mas não tínhamos chegado à linha da lava-louças. Muitas pessoas no time não tinham familiaridade com o tema. Nós demos muitos treinamentos e oferecemos outras oportunidades para fechar essa lacuna. Por exemplo, eu levei o meu gerente de design em uma das nossas sessões de aprendizado de LPPD com os parceiros, para ver como conseguiríamos ensinar essas ideias de forma efetiva. Também organizei um treinamento do meu time com o John Drogosz do Lean Enterprise Institute, para trazer alguém diferente para falar desses princípios, que não fosse só eu.

RP: Quais foram os principais marcos no processo de implantar o novo sistema?

AS: Nós começamos entendendo o trabalho em profundidade. Todos do time no programa foram para as linhas de produção e trabalharam lá. Nós fomos estratégicos em relação a onde alocar as pessoas, é claro. Por exemplo, nossos engenheiros de manufatura sêniores, as pessoas que desenharam nossos equipamentos, foram convidados a fazer alguns dos trabalhos mais físicos e desafiadores, na esperança de que teriam ideias sobre como melhorá-los para a nova linha. Então, nós começamos fazendo com que todos compreendessem em profundidade qual era o trabalho na linha. Combinamos isso com algum treinamento básico sobre trabalho padronizado para todos do time, de forma que pudéssemos conversar sobre os aspectos mais técnicos do lean.

A partir daí, tivemos um processo muito iterativo de olhar para o layout sob o ponto de vista dos equipamentos e do trabalho. Tivemos sorte de que sete dos nossos team leaders, que faziam parte da nossa força de trabalho horista, seriam supervisores na nova linha de produção, quando ela fosse inaugurada. Eles foram envolvidos no programa cerca de um ano e meio antes do tempo, e foram responsáveis por nos ajudar a entender como o trabalho seria transferido para a linha. Nós podíamos, então, combinar isso com o layout dos equipamentos. .Era um processo constantemente iterativo para encontrar uma solução comum onde tivéssemos um bom layout para os equipamentos e uma boa estrutura de trabalho para os empregados.

RP: Quando pensam em LPPD, a maior parte das pessoas pensa em desenvolvimento de produto. Mas existe a outra parte, que é o desenho do processo. Na sua experiência, quais são os desafios inerentes ao desenho do processo?

AS: Quando o processo é novo, você não sabe o que você não sabe, e isso pode ser perigoso. Para o projeto da lava-louças, nós construímos um mock up da linha de produção (nós chamávamos de dojo), com diferentes esteiras que podíamos movimentar para simular diferentes áreas da linha. Nós conseguíamos acelerá-los ou torná-los mais lentos. Usamos estruturas de isopor, algumas vezes. Basicamente, testamos coisas (coisas podem parecer funcionar no papel ou na sua cabeça, mas enquanto você não testar, você não sabe). Com esses experimentos, aprendemos algumas lições difíceis. Quando uma configuração não funcionava, tínhamos que voltar e tentar de novo. O mais importante era aprender o que não funcionava enquanto estávamos usando isopor e peças impressas em 3D, ao invés de quando estivéssemos usando aço no chão e peças fora do ferramental de produção. Pressionamos para encontrar problemas cedo. Realmente, essa é a principal vantagem do LPPD em relação ao desenvolvimento de produtos e processos tradicional; você eventualmente deparará com problemas; mas é muito melhor encontrá-los quando eles não custam uma tonelada de retrabalho e dinheiro.

RP: Você configurou a linha de montagem como uma espinha de peixe. Pode explicar como ficou?

AS: As diferentes espinhas representam partes diferentes do produto - o corpo, a porta, e assim por diante - e elas alimentavam o processo principal, representado pela espinha dorsal do peixe. Nós estruturamos os times em volta dessas “espinhas”, de forma que tivessem autonomia para decidir sobre vários trade-offs dentro das suas respectivas espinhas, desde que não afetassem os outros grupos.

RP: Quais técnicas e ferramentas de LPPD mostraram-se mais úteis nesse projeto?

AS: Usamos várias. Já mencionei anteriormente os mock-ups que eram muito importantes no desenvolvimento de um novo processo. Nós também tínhamos uma sala Obeya, que foi uma peça do quebra cabeça super importante para o time. Toda a informação relevante estava nas paredes, e todos podiam sempre acessá-la, a qualquer momento. A liderança do projeto ficava fisicamente na Obeya, também, o que a tornava acessível ao time. Realmente, a Obeya foi crítica para conectar todas as outras práticas de LPPD em que acreditávamos.

Tínhamos uma reunião diária com todo o time do programa, que durava 30 minutos ou menos. Ela alinhava as expectativas para o dia. Às segundas, nós revisávamos o cronograma, usando a parede que continha uma lista de tarefas para o time, especificando o que tinha que acontecer, quando e quem era responsável (a lista seguia um código de cores, também, o que a tornava bastante visual).

Às quartas, fazíamos o PDCA com os times das espinhas. Para cada problema sinalizado, pedíamos às pessoas que sugerissem uma solução. Durante a reunião, times se revezavam para compartilhar os macro tópicos em que estavam trabalhando ou os problemas que estavam tentando resolver, pedindo ajuda, sempre que necessário.

Finalmente, às sextas, tomávamos decisões com o no nosso sistema de “diamantes”. Após alguns meses do projeto, percebemos que éramos bons em acompanhar as tarefas individuais, mas tínhamos dificuldades para acompanhar a evolução do programa como um todo. Então, demos um passo atrás e começamos a pensar sobre as decisões críticas que precisávamos tomar para o programa avançar. O número de decisões a serem tomadas reduziu conforme continuamos e evoluímos para a fase de execução, mas, no início, a quantidade de decisões a serem tomadas era surpreendente (especialmente com a pandemia impondo novos desafios para nós a cada momento).

Às terças e quintas, os tópicos da reunião mudavam, baseados em onde estávamos no ciclo do programa.

RP: Que resultados vocês conseguiram atingir?

AS: Em primeiro lugar, nós conseguimos seguir o cronograma, mesmo com a pandemia, o que é impressionante (para a indústria de eletrodomésticos, disponibilizar os produtos antes da Black Friday é incrivelmente importante). Conseguimos atingir nossa expectativa de custo do produto, e as metas de vendas considerando o objetivo definido para o produto. Nossas despesas capex foram mantidas dentro do nosso orçamento de US$ 80 milhões. Nós também tivemos uma melhoria em nossas avaliações, o que reflete a experiência do cliente com o produto. Por último, a linha de montagem foi totalmente utilizada, tendo começado com um turno, adicionaram-se mais dois, desde então.

Foi um projeto e tanto! Não há dúvidas de que o que possibilitou o sucesso do lançamento foi o uso dos princípios do LPPD e o fato de já termos uma estrutura implantada desde antes da pandemia.

Publicado em 12/05/2023

Autor

Alison Seward
Diretora Executiva, Qualidade da Manufatura, GE Appliances
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal