SAÚDE

Como melhorar a coordenação do cuidado da gestante com sífilis nas UBSs: um guia passo a passo com exemplo

Carlos Frederico Pinto, Flávio Battaglia, Marise Reis de Freitas, Paloma Rubinato Perez e Paulo Borem
Como melhorar a coordenação do cuidado da gestante com sífilis nas UBSs: um guia passo a passo com exemplo
Entenda o passo a passo para estabelecer um sistema de gestão para que as gestantes que frequentam as Unidades Básicas de Saúde sejam testadas e tratadas para sífilis, tentando, assim, evitar o avanço de sífilis congênita no Brasil.

A sífilis congênita é um problema de saúde pública no Brasil que afeta predominantemente populações em condições de vulnerabilidade social. O enfrentamento dessa epidemia demanda diagnóstico e tratamento oportunos da gestante com sífilis na atenção primária. O desafio é alcançar 40 mil unidades no Brasil e desenvolver nelas um método robusto para gestão desse problema. O presente estudo é um piloto da colaborativa desenvolvida em dez unidades distribuídas por oito estados do Brasil.

Esta colaborativa realizada entre o Institute for Healthcare Improvement (IHI), o Lean Institute Brasil (LIB) e a Universidade Federal do Rio do Norte – UFRN teve a oportunidade, com a ajuda de especialistas, de efetivar o uso da qualidade de todo o sistema com o intuito de melhorar a saúde no país e garantir às pessoas um melhor cuidado. O foco da colaborativa foi no diagnóstico e tratamento de sífilis em gestantes, e com a colaborativa, as UBSs atendidas conseguiram agilizar o cuidado às gestantes, garantindo um atendimento e um tratamento adequados.

Quadro de Gerenciamento Diário da equipe de Viamão

Quando a equipe mapeou o fluxo de valor e entendeu como acontecia o processo atual, eles logo perceberam onde queriam chegar. Melhorar o processo de acolhimento inicial seria essencial para que a gestante em potencial chegasse à unidade e fosse atendida e tratada, evitando os riscos de “perder” o cuidado.

Por que a sífilis em gestantes?

Já diz o velho ditado: “é melhor prevenir do que remediar”. Quem trabalha na saúde vê exemplos disso cotidianamente, e a sífilis congênita é um grande exemplo. Diagnosticar e tratar uma gestante com sífilis é um processo relativamente simples, mas quando ela não é tratada, a criança acaba se tornando a verdadeira vítima, recebendo as consequências negativas da doença e muitas vezes carregando-as por toda a vida.

Se focarmos no diagnóstico e no tratamento das gestantes e dos parceiros portadores de sífilis antes que a doença possa infectar o bebê, estaremos garantindo qualidade de vida para uma criança que já nasceria condenada a carregar essa doença e lidar com seus efeitos por toda a vida caso não tivéssemos feito nada; é um caso de proteger uma vida e de garantir que ela tenha boas condições. Isso é humano e é fundamental.

A qualidade de todo o sistema

Talvez você esteja se perguntando: “mas este caso é para o diagnóstico e tratamento de sífilis em gestantes. E se eu for de outro setor? Para que isso me importa?”. Esta colaborativa teve como foco inicial a sífilis em gestantes, mas a caminhada busca manter uma visão de gestão do todo para criar uma organização que aprende sempre. Assim, esperamos que este caso seja um exemplo de sucesso que possa ser replicado em qualquer jornada de uma UBS, seja na farmácia, na vacinação, na recepção ou em qualquer outra área.

As mudanças que foram implementadas nesta colaborativa são, em sua maior parte, culturais e utilizam técnicas que podem ser replicadas com facilidade, ou seja, trata-se muito mais de criar as condições de trabalho e de cuidado para garantir um atendimento humano e adequado.

Um guia de aplicação passo a passo

Preparamos um pequeno guia passo a passo para servir de base para investidas futuras de qualquer unidade de saúde. Pensando sempre em criar uma cultura de aprendizagem para que possamos sempre melhorar os cuidados de saúde no nosso país, este compartilhamento é fundamental para continuarmos com o propósito de apoiar e transformar a saúde do Brasil.

Antes de mais nada, vale ressaltar que algumas conversas iniciais entre os especialistas e as lideranças das UBSs que participaram das investidas foram necessárias para que todas as pessoas envolvidas no processo pudessem se engajar e entender o que seria desenvolvido. Esse alinhamento inicial é muito importante para garantir que todos estejam na mesma página na hora de realizar os trabalhos.

Dito isso, estão aqui quatro passos para uma implementação lean de sucesso na área da saúde:

Etapa 1: Entenda sua situação atual

A primeira etapa consiste em entender a situação atual, ou seja, como seu processo é hoje. Para isso, é necessário ir acompanhá-lo de perto, no local onde o cuidado acontece. Mapear o fluxo de valor significa desenhar todas as atividades do processo e entender como ele acontece como um todo, permitindo uma visualização clara do caminho inteiro que o paciente percorre ao chegar na UBS.

Nesta primeira etapa, cada equipe teve a oportunidade de acompanhar algumas gestantes que chegavam à UBS e, com a ferramenta de Mapeamento de Fluxo de Valor apresentada, desenharam cada etapa com os tempos e responsáveis.

Acompanhando o processo de perto, as equipes puderam identificar algumas oportunidades, ou seja, problemas que poderiam ser evitados ou modificados. Por exemplo, em algumas unidades, quando uma gestante chegava para atendimento, ela era direcionada a agendar uma consulta e não recebia atendimento inicial imediato. Em outras, o teste rápido de sífilis era realizado em determinados dias da semana. Nesses casos, era comum que a mulher não retornasse para o atendimento agendado. Outro problema encontrado foram as diferenças de trabalho entre os profissionais de saúde que atendiam as gestantes. Eles não tinham um acompanhamento diário de gestão sobre o que estava acontecendo na unidade. Então, como poderiam saber a quantidade de gestantes atendidas no dia? Quantos testes positivos para sífilis? Quais eram os problemas encontrados? O que foi feito de importante? O que deveria ser feito?

Etapa 2: Pense no cenário ideal

A segunda etapa consiste em definir como o processo seria se estivéssemos em um cenário ideal, eliminando desperdícios e etapas desnecessárias. Neste momento, não há necessidade de pensar em como isso seria alcançado, mas somente em qual seria a situação desejada. O novo processo não contará com os desperdícios e as etapas desnecessárias da situação atual.

Nesta etapa, as equipes desenharam, juntas, um processo ideal e padrão; o foco principal foi garantir o atendimento inicial da gestante na sua primeira visita à unidade, com a realização dos testes rápidos de gravidez e sífilis e imediata ação em caso de resultado positivo. Além da definição da jornada completa do pré-natal da gestante, eram considerados os exames, as consultas e os procedimentos necessários em cada trimestre. A proposta era deixar tudo estruturado, organizado e orientado à gestante nesta primeira visita ou consulta.

Etapa 3: Descubra como chegar lá

Na terceira etapa, precisamos descobrir como sair da situação atual e chegar ao cenário ideal. Para isso, o método científico conhecido como PDSA (a sigla representa palavras em inglês que significam planejar, fazer, estudar e agir) é um dos mais eficazes e mais utilizados, por garantir que o plano seja bem executado. Como todo método científico, o PDSA requer uma abordagem voltada à experimentação, e como qualquer aspecto do lean, ele também requer que tudo seja feito de forma colaborativa, com a participação de todos.

Nesse momento, cada unidade avaliou quais eram seus desafios para atingir a situação ideal e definiram problemas que foram trabalhados utilizando o PDSA. Uma delas trabalhou para atender de imediato 100% das mulheres gestantes que chegavam na unidade. Outras trabalharam a disponibilidade do exame de sífilis, o retorno mais rápido do resultado e a aplicação das doses de penicilina.

Etapa 4: Perceba se está dando certo

Por fim, a última etapa exige que você faça um acompanhamento de todas as ações realizadas durante o ciclo PDSA em um ritmo diário, para entender se o que você está fazendo está surtindo o efeito desejado e te levando para mais perto do cenário ideal, além de tornar possível fazer uma gestão diária da jornada. Para isso, foi utilizada a ferramenta conhecida como Gerenciamento Diário, que permite que as equipes se reúnam diariamente em frente a um quadro com as principais informações do processo, como propósito, indicadores, equipe, cadeia de ajuda, PDSA, entre outros, para entender o que está dentro do planejado, o que está fora e o que eles podem fazer para ajustar o que for necessário.

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Este guia pode ser aplicado a qualquer processo de uma UBS, independente da área. Algumas UBSs participantes da colaborativa já enxergaram o potencial dele e o estão implementando em outros processos. Esperamos que muitas possam seguir o exemplo, usando este caso como inspiração e conquistando resultados tão bons ou até melhores do que vimos nesta colaborativa.

Em breve, você poderá ler uma entrevista exclusiva com algumas pessoas envolvidas nesta colaborativa.

Inspirado(a) por esse guia, comece você também a implementar o lean na sua unidade de saúde e nos conte como está sendo.

Publicado em 08/03/2023

Autores

Carlos Frederico Pinto
Senior Advisor do Lean Institute Brasil e Diretor Executivo do Instituto de Oncologia do Vale
Flávio Battaglia
Presidente do Lean Institute Brasil
Marise Reis de Freitas
Professora do Departamento de Infectologia da UFRN
Paloma Rubinato Perez
Head para Saúde no Lean Institute Brasil
Paulo Borem
Diretor Sênior do IHI
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal