As unidades básicas de saúde (UBS) normalmente realizam muitas atividades diferentes – de
serviços preventivos até operações ambulatoriais –, mas todas elas tendem a
ser de baixa complexidade. Infelizmente, isso não significa que os processos desses serviços
também sejam livres de complexidade. Nossa unidade Campos de São José era um ótimo
exemplo dos muitos problemas que esse tipo de organização costuma enfrentar, e foram
necessários alguns meses intensos de pensamento lean para mudar a forma como trabalhamos.
Nossa transformação deveria ter começado em 2020, mas a pandemia nos fez atrasar o
início, pois precisamos nos tornar um centro de vacinação. Finalmente conseguimos
começar nossa virada no ano passado. Nossos primeiros passos foram desenhar um mapa do fluxo de valor de
alto nível para entender nosso estado atual e o que tínhamos que fazer a seguir, além de
introduzir o gerenciamento
diário e o pensamento A3. Nosso
objetivo final era dar aos pacientes acesso aos nossos cuidados mais rapidamente.
Quando começamos a implementar o lean, entre 80 e 90% dos nossos atendimentos eram agendados. As pessoas
chegavam de manhã bem cedo para tentar garantir o atendimento, mas só conseguiam marcar uma
consulta para 30 ou 45 dias depois. Hoje, 60% das pessoas que recebemos conseguem consultar um médico no
mesmo dia (nós sofremos um pouco para definir qual era a proporção ideal entre agendamento
e consulta imediata, mas acabamos decidindo buscar a faixa entre 40 e 60%).
Antes do lean, qualquer pessoa que entrasse na UBS tinha que ser redirecionada a um estágio posterior,
dependendo de onde ela tinha que ir. Dessa forma, alguém com hora marcada estaria na mesma fila de
alguém que aparecesse apenas para pegar uma receita.
Algumas das melhorias que fizemos
Nossa forma de enfrentar nossos problemas foi racionalizando a linha – se algo não exigia uma
consulta com um médico, a gente passou a encaminhar para os enfermeiros – e a criação
de caminhos dedicados para os cuidados. Os enfermeiros são qualificados para fazer muitas coisas, mas,
por questões culturais, há uma tendência no Brasil de encaminhar todo mundo somente ao
médico – mesmo quando não é estritamente necessário. Dar uma nova receita ou
cumprir um plano de vacinação não são atividades que precisam da presença de
um médico (não é à toa que tínhamos tantas esperas!).
Quando observamos os horários de chegada dos pacientes ao longo do dia, que ocorria entre 7h e 18h,
percebemos que a maioria deles costuma chegar de manhã cedo, com a esperança de chegar ao trabalho
a tempo. Isso criava longas filas, com o pico de espera no início da manhã chegando a 3h20 (com
uma média de 54 minutos). Depois que redesenhamos e simplificamos o fluxo (removendo várias etapas
e interrupções desnecessárias), criamos um caminho mais suave para os pacientes acessarem
os cuidados. O tempo de espera diminuiu, tanto na média quanto no pico – 2h30 de pico e 35 minutos
de média. A melhor parte é que conseguimos reduzir os tempos de espera mesmo tendo um aumento de
mais de 40% no volume de pacientes devido ao ressurgimento da pandemia.
Depois de redefinirmos o fluxo, começamos com um trabalho padronizado, que se tornou fundamental para
prestarmos nossos serviços de forma consistente. Parte do nosso trabalho é atender a nossa
comunidade e apoiá-la, seja ajudando pessoas que não podem sair de suas camas, incentivando as
mulheres a fazer mamografia ou lembrando as mães de trazer seus recém-nascidos para exames
periódicos. Para esse tipo de atividade, o trabalho padronizado se mostrou muito eficaz –
até porque trouxe consistência na forma como coletamos e compartilhamos informações
sobre os pacientes. Atualmente, estamos introduzindo o TWI e um sistema kamishibai para revelar o
estado do trabalho em qualquer dado momento.
Outra importante mudança lean que introduzimos foi a criação de um caminho dedicado para
pacientes com hipertensão e diabetes (chamamos isso de “HiperDia”). Por serem
condições semelhantes, fazia sentido colocá-las no mesmo fluxo. O agendamento de consultas
em horários específicos da semana para pacientes do HiperDia que precisam de novas receitas ou
consultas nos ajudou a aliviar a pressão em nossa unidade de atendimento, com menos pessoas aparecendo em
horários aleatórios. À medida que desenvolvemos ainda mais nossa gestão visual,
esperamos que nossos resultados nesse “fluxo de valor” crítico melhorem ainda mais.
Uma das mudanças mais impactantes que implementamos foi a introdução dos huddles
diários, que se tornaram uma oportunidade para sermos muito detalhistas em nossa análise
contínua do estado atual. Três vezes por dia, analisamos novos problemas que podem ter ocorrido,
alertas de segurança, reclamações que recebemos de pacientes, obstáculos no fluxo do
HiperDia ou problemas de abastecimento e manutenção. Os huddles nos permitem ter uma
visão clara da situação a cada momento (o das 18h nos permite avisar nossos colegas da
manhã seguinte, para que eles estejam cientes de quaisquer problemas quando iniciarem seu trabalho).
Por fim, também fizemos mudanças em nosso fornecimento de medicamentos. Graças ao
novo
processo de abastecimento semanal, conseguimos desocupar uma sala inteira e reduzir pela metade o
tamanho da
área dedicada à nossa farmácia interna (veja abaixo). A oferta correta e completa
de
medicamentos para os pacientes, que estava em 43%, agora está em 59%, o que significa que a
equipe pode
fornecer medicamentos aos pacientes imediatamente após a prescrição em quase 60%
das vezes.
Criando uma linha modelo
Esperamos transformar nossa UBS em uma linha modelo que possa ser expandida
para todo o sistema de saúde de São José dos Campos. Agora que a pandemia parece estar
diminuindo, temos a oportunidade de levar esse tipo de revolução para outras
organizações de saúde da cidade.
A polinização cruzada é como aprendemos tudo o que sabemos sobre lean. Visitamos o Instituto
de Oncologia do Vale (IOV) várias vezes e fomos orientados por alguns de seus líderes, como Carlos
Frederico Pinto e Stela Maris Coelho. Aprender sobre sua transformação de anos foi uma grande
fonte de inspiração para nós. Na verdade, foi com eles que aprendemos a implementar
simultaneamente o mapeamento do fluxo de valor e o gerenciamento diário para que nosso pessoal pudesse
entender a importância do fluxo e discuti-lo no dia a dia. Queremos que nossa unidade se torne um ambiente
de aprendizado para os outros, assim como o IOV foi para nós.