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Planejamento estratégico precisa ousar e inovar com lean como base

Flávio Augusto Picchi
Planejamento estratégico precisa ousar e inovar com lean como base
Entenda por que é fatal confundir planejamento estratégico com melhoria da rotina – sem ter a “inovação” como palavra-chave essencial – e como o pensamento lean pode gerar um planejamento que garanta sucesso em cenários de rápidas mudanças e incertezas crescentes.

Toda empresa passa por ciclos de planejamento anuais, sejam eles com maior ou menor grau de formalização. Embora na maioria dos casos esses ciclos sejam chamados de “planejamento estratégico”, nem sempre tratam efetivamente da estratégia da empresa.

Isso porque é fácil se deixar levar pelo pensamento burocrático, “ligar o automático” e cair na armadilha de, sem perceber, planejar e fazer “mais do mesmo”, repetindo objetivos e ações parecidas aos de ciclos anteriores.

Por exemplo, estabelecendo metas incrementais de crescimento e de melhorias operacionais sem mudanças essenciais em posicionamento, produtos, mercados ou outros elementos mais profundos da forma de fazer negócios da empresa.

Não que essas mudanças incrementais não sejam importantes. Por vezes, elas são o que a companhia precisa buscar nos próximos ciclos, melhorando ou recuperando o desempenho. Em diversas situações, por exemplo, em mercados relativamente estáveis, por muito tempo isso foi suficiente para atingir os objetivos maiores da organização, como satisfação dos clientes, crescimento, evolução de processos e rentabilidade.

No entanto, isso vem mudando drasticamente. Alterações cada vez mais aceleradas de hábitos dos clientes, novas tecnologias, cadeias de fornecimento reconfiguradas, concorrentes com diferentes modelos de negócio etc. têm exigido um repensar muito mais profundo e ações muito mais ousadas.

Estar atento e buscar se antecipar a essas mudanças sempre foi o objetivo principal de planejamentos estratégicos, embora, por vezes, isso tenha sido negligenciado. Nos cenários atuais e futuros, confundir planejamento estratégico com a mera melhoria da rotina pode ser fatal.

Isso porque se há pelo menos uma certeza nestes tempos é que os mercados estão cada vez mais “mutantes”. As mudanças acontecem rapidamente e de formas incontroláveis e inesperadas. Nesse contexto, “inovação” é também uma palavra-chave essencial para um planejamento estratégico competitivo.

“Inovar” é algo que, hoje, quase toda empresa busca, embora muitas não tenham ainda encontrado um caminho que efetivamente traga resultados, o que de certa forma faz parte do processo de experimentação e aprendizado. Mas se estamos falando de inovar estrategicamente, o desafio é ainda maior, pois é algo que precisa estar incorporado ao sistema de gestão. E com certeza a filosofia lean pode nos apoiar nesse objetivo, através de diversos de seus elementos.

Por exemplo, todo processo de inovação começa pelo entendimento do problema do cliente, buscando empatia e objetivando resolver alguma dor ou necessidade. Esse sempre foi o princípio número um do lean: foco no cliente. Mais do que um conceito, numa empresa que pratique a mentalidade enxuta, isso está presente no dia a dia de todos os colaboradores, sendo uma fonte permanente de ideias.

Negócios novos necessitam de processos totalmente diferentes dos atuais, possibilitando formas disruptivas de entregar valor para os clientes. Nisso também a prática lean de desenhar processos futuros, quebrando paradigmas antigos, é essencial. A visão sistêmica de fluxos de valor completos também possibilita a percepção de formas de entrega completamente inovadoras.

As novas tecnologias trazem inúmeras oportunidades, sendo elemento essencial para a concepção de diferentes formas de fazer negócio e atender os clientes. O pensamento lean parte de um propósito claramente definido, que foca em entregar valor superior ao cliente, com agilidade e adaptabilidade. Isso “puxa” a tecnologia necessária, no que chamamos de transformação lean digital.

Muitas empresas perceberam que não basta utilizar os recursos internos. A chamada inovação aberta multiplica e acelera a geração de ideias, incorporando diversos agentes externos, como fornecedores, startups, clientes etc. Da mesma maneira, formas de atender os consumidores acontecem cada vez mais através de redes, com a participação de diversas empresas. Para isso, confiança mútua e colaboração precisam ser a base do relacionamento.

Esse é um fator que diferencia uma organização avançada em sua jornada lean de uma empresa com gestão tradicional. Na gestão tradicional, as relações com fornecedores e clientes tendem a ser adversas, enquanto numa companhia lean prevalece a transparência e a busca do ganha-ganha ao longo de toda a cadeia de valor.

Se inovar significa resolver problemas atuais e futuros, o lean também cria uma base essencial para isso. Através do papel dos líderes em desenvolver cada funcionário como um solucionador de problemas, usando o método científico.

Não existe inovação sem erro. Nisso também o lean contribui, com os conceitos de experimentação em pequenos ciclos de PDCA e com a atitude dos líderes, que procuram sempre as causas raízes e nunca os “culpados”.

A forma lean de realizar planejamento estratégico é conhecida como hoshin kanri. Hoshin tem a ver com a direção, o norte verdadeiro, ou seja, a formulação dos objetivos estratégicos. E kanri se relaciona à lógica do desdobramento, gerando ações que fazem sentido para todas as áreas e pessoas da organização.

Muitas empresas aplicam esse enfoque com maior ênfase no desdobramento – o kanri –, o que sem dúvida é necessário para fazer com que o planejado realmente aconteça e dê resultados.

No entanto, prestar mais atenção para as contribuições que a gestão lean pode também trazer para o estabelecimento das estratégias – o hoshin –, se já era importante antes, tornou-se agora indispensável. Esse processo pode se tornar o principal indutor de uma cultura de inovação que efetivamente leve a empresa a posicionamentos superiores e sustentáveis.

Publicado em 13/10/2022

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil

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