Um número cada vez maior de pessoas e organizações reconhece o poder da transformação lean em alterar radicalmente o desempenho operacional das empresas. Mas a filosofia lean pode ter semelhante impacto na criação de novos produtos, novos negócios e no desenvolvimento de novos mercados? Será que em empresas inovadoras a filosofia lean tem o mesmo impacto ou ela é mais adequada para empresas em mercados mais estáveis e indústrias maduras?
As vantagens da gestão lean na melhoria da eficiência operacional já são sobejamente conhecidas. Desde a definição do norte verdadeiro e desdobramento da estratégia até as ferramentas de padronização, estabilidade e melhoria permanente, a gestão lean gera resultados significativos na melhoria da satisfação dos clientes; na possibilidade de aumento do faturamento, através da ampliação da capacidade de produção sem investimentos; redução de custos; diminuição dos lead times etc.
Além disso, o que em si já é essencial para a competitividade das empresas, a cultura lean favorece o desenvolvimento de inovações. Assim é que um número crescente de empresas inovadoras - definidas pela grande participação de novos e inovadores produtos em seu faturamento, como a Embraer, 3M, Medtronic, Pixar (do grupo Disney), Boeing, Apple etc. - cada vez mais buscam entender e aprofundar a disseminação do sistema lean na gestão de seus negócios.
Uma abordagem sistemática da importância da inovação para o desenvolvimento econômico foi feita pelo economista Joseph Schumpeter há 1 (um) século. Ele definiu a inovação como a introdução de novos produtos, novos processos, novas fontes de matérias-primas e novas formas de distribuição.
A gestão lean estimula a inovação em todas essas dimensões. Há muito mais em comum entre a melhoria dos processos de contas a pagar ou a receber ou a redução dos lead times em um processo de manufatura e o desenvolvimento de uma inovação radical do que, a princípio, possamos conceber. Vejamos alguns elementos da cultura lean que favorecem as inovações:
Visão de longo prazo. Olhar para o futuro significa a possibilidade de antecipar tendências e necessidades. E ainda, estabelecer processos de planejamento sólidos e robustos, ainda que flexíveis, capazes de se acomodar às mudanças que certamente ocorrerão. A partir de uma visão dos desafios colocados ao meio ambiente e mesmo sem saber, com base na visão atual do meio científico, os possíveis impactos sobre a indústria automobilística, a Toyota desenvolveu, de forma pioneira, uma das mais importantes inovações da indústria automobilística das últimas décadas: o automóvel híbrido Prius, que funciona tanto a gasolina quanto a eletricidade. Criou-se então um novo segmento, além de obter sucesso comercial e tecnológico, conceito hoje adotado por várias empresas.
Foco no cliente. Quando se coloca o foco no cliente, procurando identificar todas as atividades que não agregam valor e eliminá-las, cria-se uma poderosa organização que identifica e focaliza aquilo que é relevante ao cliente final. O genchi genbutsu* (“vá ver diretamente com seus próprios olhos”) não serve apenas para as operações internas. Deve-se nortear as ações de desenvolvimento de produto e de marketing, criando capacidade de escutar e entender mais profundamente as necessidades dos clientes atuais e potenciais. Assim, cria-se uma poderosa máquina de procurar agregar valor, hoje e no futuro, em todas as dimensões do negócio.
Melhoria contínua. O kaizen ou a melhoria contínua, em que todos, do presidente ao operador, estão envolvidos em atividades de melhoria o tempo todo ajuda a desenvolver as inovações incrementais nos produtos e processos existentes, muito importantes para manter as empresas competitivas. Produtos inovadores não se sustentam por muito tempo se não vierem acompanhados de eficiência operacional para gerar custos baixos e preços justos. Monopólios e oligopólios tendem a durar cada vez menos. A ideia de que todos os colaboradores da empresa devem ser cientistas, no sentido de aplicarem o método científico nos seus trabalhos, reforça a capacidade inovadora.
Desenvolver e engajar as pessoas. A gestão lean é viva no sentido de engajar e motivar as pessoas. Estimular a iniciativa e a responsabilidade, assim como ajudar as pessoas a se desenvolverem continuamente, gera uma cultura de aprendizado. A cultura de expor e resolver problemas sem procurar pelos culpados, mas sim perguntando o porquê estimula a capacidade criadora das pessoas. O processo de gestão A3 usado para resolver problemas, alinhar as pessoas e liderar, deve ser desenvolvido de modo a contar estórias interessantes e envolver emocionalmente os indivíduos.
Trabalho em grupo. A criatividade e a capacidade de inovação requerem processos e pessoas capacitadas trabalhando em grupo e sendo estimuladas a criar múltiplos pontos de vista. O foco nos processos horizontais orientados para o cliente, em vez de preocupação com os silos horizontais orientados para a hierarquia e o poder, ajuda a estimular a cooperação e trabalho em equipe, junto a outras práticas, como a rotação nos níveis gerenciais e diretivos, a definição do tempo takt como orientador do planejamento e da gestão, dá um ritmo comum a todos.
O sistema lean tende a ser comumente interpretado como uma inovação de processos. Porém, a cultura lean e o estilo de liderança associado auxiliam tremendamente a inovação de produtos, o descobrimento de novas matérias-primas e a criação de novas formas de distribuição.
“Em 2009, a Toyota registrou mais de 1.000 patentes em todo o mundo, mais que o dobro de todas as empresas brasileiras”, afirma a Organização Mundial de Propriedade Intelectual. De longe, a mais inovadora do setor automotivo, se considerar o número de patentes como indicador de capacidade de inovação, só superada por empresas de eletrônica como Panasonic e Huawei.
As inovações em suas várias dimensões continuarão a ter um papel central no mundo dos negócios. Afinal, as melhorias no design e na produção de carruagens não garantiram que elas competissem com os automóveis. Embora o lápis exista há quatro séculos, continua sendo popular com algumas pequenas inovações, como: o lápis sextavado para não deslizar, a borracha na ponta e o lápis colorido. O suficiente para enfrentar a lapiseira, a caneta e o computador.
A figura do empresário, aquele indivíduo intuitivo gerador das inovações, tende a continuar existindo, tais como Bill Gates, quem aproveitou o fato da IBM, criadora do computador pessoal, ter definido que isso não seria um negócio futuro promissor, assim como o desenvolvimento de softwares.
O sistema de gestão lean é muito poderoso para estimular a capacidade de inovação das empresas ao incentivar que cada colaborador tenha um pouco esse papel de empreendedor e ao criar uma cultura de aprendizado e criatividade permanentes.
* Ver artigo de Robson Gouveia sobre o tema. Outros artigos podem ser encontrados na sessão Comunidade (Uma atitude gemba genbutsu) do nosso site, totalmente aberta.
PS1. Para contribuir ainda mais com o entendimento de como o sistema lean pode ajudar no desenvolvimento de novos produtos, estamos oferecendo o Workshop “Sistema Lean de Desenvolvimento” nos dias 6 e 7 de Dezembro (Sistema Lean de Desenvolvimento). Além disso, lançaremos, em Novembro, o livro “Sistema Lean de Desenvolvimento de Produtos e Processos”, de Allen Ward, em co-edição com a Editora Leopardo.
PS2. Uma das ferramentas poderosas para estimular o aprendizado e a capacidade de inovação é o processo A3. Nos dias 11 e 12 de Novembro, ofereceremos um workshop público sobre o tema (Gerenciando para o aprendizado - Processo A3)