Umas das maiores responsabilidades da alta administração é a definição de metas e objetivos para o negócio. Para fazer prosperar a empresa e melhorar os resultados, a alta administração estabelece metas e objetivos, frequentemente ambiciosos, para com isso “puxar” a organização e estimular e motivar as pessoas a fazerem melhor. Tais diretrizes são desdobradas para o restante da organização e a sua evolução tende a ser acompanhada periodicamente. Ou seja, a alta administração define as metas e cobra para que sejam atingidas.
Em nosso leanmail de abril de 2009, intitulado “Cuidados com a gestão por indicadores”, destacamos os equívocos que se cometem ao focalizar a gestão nos números exclusivamente. Após receber diversos comentários, decidi voltar ao assunto procurando clarificar este tema.
Nos nossos trabalhos com a alta administração das empresas, buscando avançar na jornada lean, procuramos enfatizar o papel dos líderes na transformação e um dos aspectos mais relevantes que mostramos é a importância do “genchi genbustu”.
Mas o que é o genchi genbtsu? Para que serve? Porque é importante? Qual a sua relação do com a conquista de resultados?
“Genchi Genbutsu” significa literalmente o local real (“genchi”) e as coisas reais (“genbutsu”). Implica que as pessoas devem ir até o local onde as coisas acontecem e serem capazes de analisar e entender profundamente o que está acontecendo. É uma maneira de se envolver pessoalmente e diretamente com os processos reais e com os problemas reais.
A famosa frase da Taiichi Ohno “dados são importantes, mas dou maior ênfase aos fatos” está ligada a isso. Para saber os fatos, você precisa ver por si próprio com olhos críticos. Indicadores, números ou dados são meras representações do que acontece na realidade.
Se você não aceita as conclusões de alguém ou um relatório enviado por um colaborador como verdade, significa que você não confia nele/nela? Em absoluto. Entender a situação é mais fácil quando você se baseia em fatos verificados pessoalmente.
É muito mais do que uma atividade adicional na vida das pessoas nas empresas. Ou uma simples questão de caminhar, conversar etc. Deve ser parte essencial do sistema de gestão lean.
A definição e a comunicação dos indicadores e metas parece suficiente para a maior parte das empresas. “Como chegar lá” tende a ser visto como responsabilidade dos outros níveis organizacionais. Muitas vezes, ouve-se a seguinte frase: “Não me importa o que você faça, desde que os resultados sejam atingidos”.
O “genchi genbutsu” (“vá ver”) tem um impacto profundo sobre a gestão, saindo de uma administração baseada em números ou indicadores, para uma administração baseada nos processos ou nos meios para se chegar aos resultados.
Desse modo, quando sugerimos aos líderes que façam uma reflexão sobre o poder do “genchi genbutsu”, temos vários tipos de reação. Em certos casos, o líder arrogante que se considera o “chefe” ou o “imperador” não se preocupa com isso, pois afirma procurar se assessorar de boas pessoas e dispor de uma boa gestão de indicadores, rápida e precisa. Ou seja, acredita que não há nenhuma necessidade de ir ao gemba e estimula assim seus colaboradores diretos a fazer o mesmo.
Em outros casos, os líderes reconhecem que estão distantes e percebem o valor do “ir ao gemba”. Prometem fazer um esforço para sair do escritório e das salas de reunião, e até o fazem, mas ficam meio perdidos, sem saber exatamente o que observar ou o que fazer.
Muitos ainda dizem que já fazem isso cotidianamente. Mas o que acontece é que, ao irem ao gemba com comportamentos e atitudes inapropriados, atuam como um elefante em loja de porcelanas, quebrando a cadeia de ajuda, intimidando, ameaçando punir, gerando mura (irregularidade) e muri (sobrecarga), acabando com padrões e com a estabilidade. Ou seja, apagam incêndios com gasolina.
Qual é a diferença entre administrar estoques olhando para uma tela de computador ou olhando diretamente para as prateleiras através de um sistema simples de gestão visual? Qual é o mais preciso? Qual permite uma resposta mais rápida?
O “genchi gembustsu” (ou “vá ver”) significa uma mudança fundamental no sistema de gestão.
O foco central, em todos os níveis de gestores, passa a ser na padronização, estabilização e melhorias das rotinas, práticas e processos organizacionais, e não nas metas, indicadores e objetivos quantitativos. Afinal, de onde vêm os resultados senão dos fluxos reais de agregação de valor e da redução e eliminação de desperdícios e custos.
Essa preocupação é crítica para a obtenção de resultados financeiros notáveis e para sobrevivência no longo prazo. Importante, assim, é entender e atuar sobre o que gera os números e resultados. Ou seja, os resultados advêm de processos reais, feitas por pessoas reais, usando métodos, equipamentos, materiais e informações reais.
O atingimento das metas e objetivos precisa ser acompanhado e conquistado, sem dúvida alguma. Mas a sua definição deve ser feita de tal modo que as chances de erros sejam reduzidas. E como isso é possível? Quando se tem um grande domínio sobre os processos, e é grande o entendimento sobre a realidade, as chances de se definir metas realistas e atingíveis são muito maiores.
Metas e objetivos cascateados de cima para baixo, sem uma visão clara do como vão ser conquistados, pode ser perigoso, pois esse estilo de gestão através de indicadores cega os líderes que, ao desconhecer os processos, acabam não ajudando os seus subordinados e, em última instância, usam a autoridade do cargo ou posição para garantir a obediência e o cumprimento das metas, não estabelecendo assim um diálogo construtivo.
Por outro lado, quando simplesmente entramos em um modo “automático” de implementar ações definidas em um plano, não reconhecemos o fato real de que estamos adentrando em um espaço de incertezas em que as condições vão mudar e não sabemos exatamente o que vai acontecer. Mas de uma coisa temos certeza sempre: as coisas não acontecerão exatamente de acordo como o previsto e assim, ajustes serão sempre necessários. Planos devem mudar, porque sempre surgem obstáculos inesperados. É impossível saber de antemão todas as condições e garantir que elas se mantenham estáveis.
Definir metas e objetivos sem que se defina claramente como atingi-los é dar espaço para imponderabilidades e abrir oportunidades para grandes equívocos. Os resultados surgem de processos robustos e sólidos de gestão. Resultados extraordinários advêm de processos extraordinários.
Muitas vezes, os objetivos são definidos, mas não são atingidos. Ou são atingidos de maneiras inesperadas. E ainda, resultados positivos são vivamente comemorados, embora atingidos por vias totalmente inesperadas. “Atingimos as metas porque o dólar caiu muito abaixo do valor esperado ou “os preços subiram por um problema inesperado em um competidor importante”. Do mesmo modo, o contrário pode acontecer e pegar todos desprevenidos.
No sistema lean não interessa atingir somente os resultados. Interessa o processo pelo qual o resultado será atingido. O lider lean não deve dar a solução (o que tiraria a responsabilidade dos responsáveis pelo processo) nem deixar que eles resolvam como quiserem. Junto com os responsáveis, deve ir ao gemba para fazer perguntas até estar convencido que o responsável pelo processo cientificamente (PDCA, identificando o problema e causas, envolvendo as pessoas certas etc) tem uma boa proposta de como atingir os objetivos. E se não forem alcançados, há uma base cientifica (as hipóteses) para aprender, ver o que deu certo ou errado. Processos cientificamente melhorados são tão importantes quanto os resultados alcançados. Resultados alcançados aleatoriamente não são sustentáveis. E o processo de formar pessoas e gerar aprendizado enquanto se melhora os processos e atingem-se resultados é na verdade o objetivo mais importante.
Mudar o comportamento, as atitudes, as rotinas e as práticas das pessoas é uma das chaves da transformação lean. Assim, o que gera bons resultados são os processos sólidos e robustos com pessoas envolvidas e motivadas, que aprendem continuamente e ajustam seus planos de ação de acordo com a necessidade e focalizam naquilo que é relevante do ponto de vista dos clientes.
PS: Porque é tão importante ir ao gemba? Um bom gestor não teria coisas mais importantes para fazer? Se você tem dúvidas sobre isso, leia o livro “Gerenciando para o Aprendizado” de John Shook. Nele é fornecido um exemplo em que, para a elaboração de um A3 foi fundamental a ida ao gemba pelo seu responsável e como isso mudou qualitativamente o conteúdo do A3 graças a um melhor entendimento da situação e dos problemas. O plano de ação ficou muito mais consistente e os resultados tiveram muito mais chance de serem alcançados.