Temos acompanhado muitas implementações lean em empresas no Brasil e no mundo, feitas a partir de diferentes métodos e modelos de intervenção. A partir dessas experiências, vamos compartilhar algumas das nossas reflexões sobre o que dá certo e o que dá errado.
1. O que dá certo
Quem lidera?
O envolvimento direto da alta administração, liderando a implementação desde o início, garante que a transformação lean esteja embasada na real necessidade do negócio.
O uso correto do “Hoshin Kanri”, desdobrando vertical e horizontalmente as estratégias, envolvendo as lideranças corretamente, deve ser capaz de capturar a imaginação dos colaboradores, dar sentido e propósito às ações e garantir o foco nos clientes e no negócio.
O reconhecimento da necessidade de adotar o estilo de liderança lean (“siga-me”), com uma maior ênfase no “gemba”, orientando para a exposição e resolução de problemas, para a criação de sistemas e processos robustos e para o desenvolvimento de pessoas que assumam responsabilidade e tomem iniciativa.
Reconhecer a importância da estabilidade, da padronização e das melhorias contínuas, não só no trabalho dos colaboradores, mas também cuidando para que suas ações não gerem exatamente o contrário.
Desse modo, a utilização da filosofia lean de gestão (“lean management”) garantirá um desdobramento eficaz dos objetivos estratégicos.
Qual é o foco inicial?
Deve-se iniciar um projeto piloto em uma família de produtos, de modo a começar pensando no sistema operacional como um todo, focalizando as efetivas necessidades do negócio e utilizando experimentos para testar idéias rápida e efetivamente.
O escopo inicial permite a obtenção de resultados relevantes para o negócio, fundamental para sensibilizar o restante da organização ainda não envolvida. Desse modo, é possível realizar o “kaizen de sistema”, mudança profunda no sistema operacional da empresa, em oposição aos “kaizen pontuais”.
Isso não significa que vitórias rápidas contra o desperdício através da resolução de problemas mais simples e imediatos, principalmente em empresas em que esta atitude não é forte, possam contribuir para impulsionar a transformação.
Quem faz parte da equipe?
Um grupo de implementação do projeto piloto deve ser composto por pessoas de diversas funções, com forte envolvimento e suporte gerencial, com poder e disposição de mudança.
Os gerentes de linha devem ser os responsáveis diretos pelas mudanças em suas respectivas áreas, na medida em que as ações propostas devem estar vinculadas às reais necessidades e objetivos.
Um coordenador lean influente, com iniciativa, conhecimento e capacidade de convencimento é fundamental para conquistar os resultados, assim como para contribuir para mudar o sistema de gestão.
O propósito é envolver todas as pessoas ao longo da jornada e evitar a criação de hierarquias artificiais, paralelas, ora baseadas em “títulos” originários de treinamentos, muitas vezes pouco práticos, ora com base em posições de pretensa autoridade.
Como é gerenciado?
Os planos de ação devem ser estabelecidos através do consenso, convencimento e apoio desde o início do projeto piloto. O foco na ação – “aprender fazendo” - a ênfase no raciocínio A3/ PDCA, o aprender com erros e acertos, e a expansão rápida de boas idéias, ajuda a valorizar as pessoas envolvidas no processo.
O trabalho em equipe efetivo, com uma coordenação eficaz, capaz de promover o claro entendimento sobre o escopo e o objetivo das mudanças, comunicando a todos o enorme impacto na gestão da empresa que a transformação lean traz, viabiliza uma implementação bem sucedida.
O uso adequado do planejamento para gerenciar a implementação, sem desculpas, mas sem apontar culpados também é fundamental. Reconhecer os obstáculos emergentes da cultura existente, que pode ser bastante distante da cultura lean vai ajudar a entender os receios e as resistências, veladas ou explícitas.
2. O que dá errado?
Quem lidera?
Quando a alta administração delega para o “staff” (coordenadores lean, equipe de melhoria contínua etc) a responsabilidade pela implementação, e apenas demanda/cobra resultados, são muitas as chances da transformação não prosperar adequadamente.
A direção tende a pensar que a transformação lean não tem nada a ver com a sua atuação, papel e responsabilidades. Lean tende a ser encarado como um “programa” e não uma mudança permanente na forma de gerir o negócio.
A alta administração tem um papel fundamental na criação de "mura” (variação, irregularidade) e “muri” (sobrecarga) que podem minar os esforços iniciais de implementação e gerar mais desperdicios.
O estilo de liderança tradicional, quer seja mais autoritário ou mais participativo, é um dos maiores obstáculos à transformação, por não desenvolver pessoas com iniciativa e nem dar foco central às ações.
Definir a visão, missão, objetivos etc, para deixá-los pendurados nas paredes ou perdidos no site da empresa, sem que a grande maioria dos colaboradores não saiba, entenda ou compartilhe, comum em muitas empresas, acaba por não capturar as mentes e os corações das pessoas e não envolvê-las na gestão do negócio.
Qual é o foco inicial?
A implementação de ferramentas isoladas, muitas vezes bastante distantes das necessidades mais prementes dos clientes, é um dos métodos mais tradicionais de potencialmente criar bons resultados no curto prazo, mas não garante a perenidade no futuro.
O aprendizado das ferramentas, sem a visão sistêmica e o entendimento básico dos princípios e propósitos da filosofia, leva ao tradicional processo de “uma ferramenta em busca de um problema”.
As oportunidades de melhoria existem em todos os níveis e áreas de uma empresa. O importante é definir um foco claro, sistêmico, capaz de impactar os resultados do negócio.
A crença de que a filosofia lean funciona e traz resultados tem levado algumas empresas a querer uma transformação rápida, iniciando em todos os lugares e áreas da organização, não dando tempo para um aprendizado efetivo, que leva tempo, e não sendo capaz de sustentar as melhorias posteriormente.
Ou ainda, a formalização de sistemas de produção ou de negócios de forma burocrática ou artificial, em momento de pouca maturidade da empresa em sua jornada lean, sem o envolvimento efetivo dos colaboradores e com pouco aprendizado prático, torna este esforço pouco relevante.
Qual é a equipe?
A criação de um grupo multifuncional, sem a participação efetiva da gerência de linha, leva ao isolamento desse grupo, incapaz muitas vezes de implementar ações, mesmo que sejam relevantes.
A escolha de um coordenador lean com pouca iniciativa, pouca capacidade de convencimento, incapaz de trabalhar em grupo, sem a atitude “gemba” e sem ser capaz de ouvir, pode dificultar muitos os esforços de absorção e consolidação do conhecimento.
Além disso, equipe pouco estável, muitas vezes com pessoas sendo transferidas ou promovidas pelo sucesso inicial da iniciativa lean, dificulta a solidez da transformação.
Como é gerenciado?
As empresas podem ter diversas iniciativas e prioridades e assim, não disponibilizar tempo, esforço e atenção das pessoas para efetivarem as mudanças necessárias.
As responsabilidades podem não ficar claras, não se reconhecer a magnitude das mudanças e não se vincular diretamente o plano de ação às estratégias de negócio.
Com isso, o compromisso enfraquece, muitas ações não saem do papel e não são substituídas por outras mais eficazes. A transformação adormece.
Em resumo, quem está começando agora a jornada lean tem a vantagem de aprender com as outras experiências e acelerar a implementação, em bases mais sólidas. E quem já avançou, poderá dar novos saltos em sua transformação.