Em nossos dois últimos LeanMails, tratamos de temas que as empresas na jornada lean não têm dado um tratamento adequado, a saber, o Trabalho Padronizado, através da seqüência exata das operações, o “takt time” e o estoque padrão, e a Estabilidade Básica, com práticas adequadas de utilização de pessoas, máquinas, materiais e métodos de trabalho. Procuramos mostrar que, sem esses elementos, qualquer implementação lean fica prejudicada.
Desta vez vamos tratar de uma prática que quase todas as empresas que visitamos têm, ou seja, programas de Kaizen ou de Melhoria Contínua. De modo geral, as empresas se orgulham dos mesmos, constantemente referindo-se a eles como forma de ganhos substanciais de produtividade e qualidade, de redução de custos e também por seu fator motivacional por envolver as pessoas na busca permanente da perfeição.
Na medida em que falta um entendimento mais profundo das formas e práticas do kaizen, vamos qualificar melhor esse conceito que, por ter inúmeros significados e interpretações, carece de uma melhor clarificação. E também vamos sugerir a estratégia mais adequada de kaizen do ponto de vista do “Lean Thinking”.
Podemos pensar em dois tipos fundamentais de kaizen:o kaizen pontual (ou de processo) e o kaizen de fluxo (ou do sistema).
O kaizen pontual ou de processo é focalizado em melhorias específicas, tais como sugestões dos operadores em como melhorar o trabalho, idéias para a implementação de dispositivos a prova de erro etc. Pode ser estruturado em kaizen “Teian” (idéias), programas de sugestões individuais ou em grupos, Círculos de Controle de Qualidade ou então, mais recentemente, em projetos “Seis Sigma”. Ou ainda, serem formalizados em kaizens de 1 semana ou “Kaizen Blitz”. Mas sem a existência do Trabalho Padronizado e de uma visão mais sistêmica das necessidades dos fluxos de valor, esse tipo de ação tem benefícios restritos, ainda que a preocupação seja focalizada em ações importantes como melhorias das condições ergonômicas, redução de tempos para “setups”, prevenção de problemas de qualidade ou manutenção, ou ainda redução de desperdícios e custos.
O segundo tipo de kaizen é o de fluxo ou de sistema em que se aborda um fluxo de valor de uma família de produtos e se implementam ações que trarão substanciais melhorias nesse fluxo. A ferramenta do Mapeamento do Fluxo de Valor, conforme apresentada em nosso primeiro manual “Aprendendo a Enxergar”, é o principal instrumento para isso. Como sabemos, a implementação dos estados futuros tende a demandar uma série de kaizens pontuais, como a redução de tempos de troca, implementação de células para garantir fluxo contínuo, aumentos na disponibilidade e melhorias na qualidade, implementação de sistemas puxados etc, todos focalizados em torno das metas específicas para esse determinado fluxo de valor. Contudo, esses kaizens pontuais devem ser puxados pela necessidade de se atingir o estado futuro proposto. O problema parece continuar sendo a definição de um plano de ação que coordene e articule todos esses kaizen e encontrar as pessoas com as características de liderança para viabilizar a implementação deste plano com sucesso, usando as ferramentas necessárias.
Como se encaixam os “kaizen blitz” ou “semanas kaizen” nessa estratégia? Quando eles não têm como foco gerar um estado futuro para um fluxo de valor ou para o sistema, apenas acumulam vitórias parciais. Algumas ferramentas são implementadas e cria-se muita energia e motivação. Porém, os resultados podem não se sustentar ao longo do tempo.
Desse modo, sugerimos que uma empresa deva começar seus esforços de implementação através de um kaizen de fluxo para uma família de produtos, definindo o estado futuro. Para atingi-lo, são necessários diversos kaizens pontuais ou de processo. Em seguida, deve-se fazer um esforço na direção da padronização e da estabilidade. Apenas a partir daí recomenda-se a implementação de programas sistemáticos de melhoria através de Círculos Kaizen quando a filosofia do Kaizen pode passar a ser incorporada em toda a empresa, após uma preparação adequada das pessoas através do envolvimento direto da área de RH. A disseminação dos kaizens de fluxo a todas as famílias de produtos e áreas da empresa, vão gradualmente transformar os sistemas básicos de operação, como o planejamento e controle da produção, qualidade, desenvolvimento de produto, logística etc, combinando kaikakus (mudanças mais radicais e profundas) com kaizens (mudanças menores e contínuas).
Como a maioria das empresas já tem programas de kaizen, o desafio é utilizá-los adequadamente, viabilizando as melhorias sistêmicas exigidas pela dinâmica dos negócios. E, ao mesmo tempo, e mais importante ainda, elaborar um plano de ação claro que irá definir o kaizen de fluxo e, ao mesmo tempo, atribuir responsabilidades por sua implementação às pessoas certas. Isso vai evitar as melhorias pontuais sem foco e sem sustentação, trazendo os substantivos ganhos reais de desempenho que a transformação lean objetiva e propícia.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil