Durante o mês de julho tive a oportunidade de visitar alguns fornecedores de autopeças em diferentes regiões do país. Após tantos anos de implementação das ferramentas lean em um setor teoricamente mais maduro do que os outros em sua jornada, um fato me chamou a atenção.
Estava interessado em conhecer o impacto que a Toyota já poderia estar causando nos fornecedores locais, mesmo sabendo de sua ainda pequena participação no mercado doméstico. O coordenador lean de uma empresa fornecedora de autopeças, que estava na função havia quase dois anos, e bastante entusiasmado com os seus novos conhecimentos, me confidenciou o seguinte, ao ser perguntado sobre como era a Toyota enquanto cliente: “Estou um pouco desapontado. Esperava encontrar uma empresa verdadeiramente lean. Aprendi que estoques são desperdícios e que precisamos eliminá-los completamente. Então por que eles não têm estoque zero? É obrigatório ter estoque de uma semana, mesmo para abastecer a planta da Argentina. E nós estamos no Sul do Brasil”.
Este tipo de comentário é mais freqüente do que se imagina. Representa uma má interpretação do que é ser realmente lean e de como o sistema deve ser operado.
O estoque que ele julga ser de uma semana envolve os três dias de transporte do material até São Paulo passando por Curitiba, onde é feito o “cross docking” com outras peças que chegam de outros fornecedores da região, até chegar a Indaiatuba-SP, onde as peças do Corolla são usadas e, após um dia, as peças da Hilux são enviadas a Zarate na Argentina (quatro dias de transporte) onde não há almoxarifado e o estoque existente corresponde a 1 dia e meio dentro do caminhão. Certamente uma operação com enorme potencial de melhoria quando as condições de volume e suprimento mudarem.
Mas, indo além deste caso, devemos entender que, na verdade, a Toyota usa brilhantemente diversos conceitos-chave como supermercados, estoques pulmão e estoques de segurança, cada um atendendo a um propósito diferente.
Os supermercados servem para conectar processos que não podem ter fluxo contínuo, os estoques pulmão para auxiliar na administração das variações da demanda (proteger o cliente dos seus problemas) e os estoques de segurança para proteger da instabilidade da produção (protegem da ineficiência dos processos fluxo acima e fornecedores).
Os estoques podem também ser definidos pela sua posição no fluxo de valor, ou seja, matéria-prima, estoque em processo e produto acabado.
Entretanto, cada um desses “estoques” é rigorosamente controlado com gestão visual e regras claras para seu uso.
Um dos elementos básicos do sistema lean, o Trabalho Padronizado, também requer a definição precisa dos estoques padrão para cada trabalho. (Para maiores detalhes sobre estoques, ver o Léxico Lean, pag 20-22).
Talvez a popularização da idéia de estoque zero como sinônimo de “Just in Time” tenha sido feita por Robert Hall no livro “Zero Inventories”, que possivelmente tenha feito mais mal do que bem.
Na verdade, uma empresa lean usa inteligentemente esses estoques para, entre outros motivos, garantir a estabilidade do sistema produtivo e, em última instância, permitir uma efetiva e sistemática eliminação de desperdícios, aí incluindo os próprios estoques, ao se identificar as efetivas causas-raiz que geram a necessidade dos mesmos.
É infinitamente melhor construir essas proteções do que ficar com o sistema instável e sujeito à necessidade de constantes ações para “apagar incêndios”. A padronização rigorosa, os métodos de solução de problemas, identificando e eliminando a causa dos mesmos, e os sistemas de melhoria permanente, tornarão possível um redução gradual desses estoques até, em muitos casos, aproximar-se de zero, uma situação ideal mas difícil de atingir em todo o fluxo de valor e incluindo clientes e fornecedores.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil