OUTROS

Cultura da empresa afeta a transformação

Cultura da empresa afeta a transformação

Uma pergunta que tem gerado muita reflexão de nossa parte: por que empresas, submetidas ao mesmo processo inicial de transformação, usando as mesmas ferramentas básicas, conseguem resultados tão diferentes?

Nossa orientação tem sido "vá e faça", começando a implementação com o mapeamento do fluxo de valor, que ajuda a criar uma visão sistêmica dos fluxos de informações e materiais para uma família de produtos (projeto piloto). Em seguida, sugerimos que seja projetado um estado futuro usando os princípios lean e seja elaborado um plano de ação que oriente melhorias específicas. Às vezes, é necessário implementar algumas ações para garantir estabilidade mínima, sem o que não se progride. E depois disso, mãos-à-obra.

Essa orientação genérica é útil para qualquer empresa. Mas por que algumas empresas têm dificuldades de fazer com que os planos de ação saiam do papel enquanto que, em outros casos, as mudanças são rápidas e trazem resultados imediatos?

Há fatores objetivos, como a natureza dos processos de produção, o comportamento da demanda, estágio de evolução da gestão etc.

Entretanto, há fatores subjetivos, inerentes à cultura da empresa. Os valores, pressupostos básicos, comportamentos, atitudes etc, elementos que têm importante papel e determinam o sucesso e o ritmo da transformação lean.

Podemos dar alguns exemplos para ilustrar a existência dessas barreiras naturais ou fatores estimulantes, muitas vezes invisíveis e imperceptíveis para os membros da própria empresa, pois foram desenvolvidos e são praticados por eles, através das maneiras de pensar e agir.

Em alguns casos, prevalece uma definição de crise (objetiva ou subjetiva), um senso de urgência e uma necessidade de melhorar a situação atual, premida pelas circunstâncias do negócio, ou simplesmente pela percepção e definição da realidade por parte das lideranças. Ou seja, a empresa define-se como estando em crise. Portanto, requerem-se ações imediatas. Nesses casos, a introdução dos conceitos e princípios lean encontra forte respaldo e as ações de melhoria e mudança do sistema fluem bem.

Em outras situações, há percepção de que as coisas estão bem e que não há necessidade de mudanças, embora isso dificilmente seja verbalizado pelas lideranças da empresa. Quando perguntamos a elas se há algum outro elenco de ações de baixo custo, capaz de trazer os resultados que a transformação lean podem trazer, de modo geral o silêncio sugere que ou as coisas estão indo bem (e isso é percebido como tal) ou o foco das ações está dirigido para outras áreas.

Analisando outra dimensão, há empresas em que naturalmente há trabalho em grupo, com pessoas comunicando-se diretamente, com foco nas necessidades e exigências das tarefas, sempre orientadas pelo que é valor para os clientes. Nesses casos, as dificuldades com a implementação diminuem, mesmo porque a natureza da maior parte das atividades nas empresas requer o envolvimento e a cooperação de várias pessoas de distintas áreas funcionais.

Por outro lado, em outras empresas, parece haver forte individualismo, em que o importante são as carreiras e trajetórias de cada um. Essa maneira de trabalhar gera, com freqüência, um boicote inconsciente aos outros e a sonegação de informações necessárias para o trabalho. Assim, o foco da ação gerencial passa a ser o que potencializa a carreira individual e não aquilo que é efetivamente relevante para os clientes e para o negócio.

Examinando agora o estilo de liderança. Em uma transformação lean a orientação dever ser o “siga-me”. Isso significa que deve prevalecer a orientação para o gemba (local onde as coisas efetivamente acontecem), baseada no conhecimento e experiência prática. Todavia, com freqüência, as empresas cujas lideranças baseiam-se puramente sua autoridade na hierarquia, ou então implementam políticas de “empowerment”, estimuladoras do individualismo, ou de grupos auto-dirigidos, que se preocupam mais consigo próprios e menos com as necessidades dos clientes, acabam criando lideranças pouco comprometidas com a transformação lean.

Empresas onde prevalece a preocupação com processos e fluxos de valor horizontais, as chances de sucesso aumentam significativamente. Ao contrário, naquelas em que prevalecem hierarquias e departamentos verticais, voltados à maximização de funcionalidades, as dificuldades com a implementação são maiores.

Em resumo, as empresas cujas lideranças reconhecem a necessidade de melhorar o desempenho, que estimulam o trabalho em grupo e focam fluxos de valor têm mais facilidade para fazer lean.  Por outro lado, aquelas que estão confortáveis com seu desempenho atual, que premiam esforços individuais e valorizam processos verticais, orientados pela hierarquia, têm maior dificuldade.

Caso a sua empresa esteja mais próxima do segundo caso, a preocupação não deve ser mudar a cultura antes de implementar as novas práticas e conceitos. Reconhecer esses obstáculos é importante, mas um esforço mais intenso da liderança e os bons resultados que os primeiros estágios vão trazer, gradualmente, irão questionar, e transformar, algumas dessas premissas que estão consolidadas na empresa.

Não há barreira cultural que não possa ser superada. Mas procure mudar as práticas primeiro. Faça algo, conquiste vitórias parciais contra o desperdício e a cultura já estará mudando.

José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil


PS. O tema tratado neste email, o papel da Cultura Empresarial na transformação lean, será objeto de uma sessão interativa do Lean Summit 2006.

Publicado em 01/02/2006

Leia também