Possivelmente “Jidoka” não é um termo novo em seu vocabulário lean. Mas provavelmente também deve ser verdade que este conceito não tem sido incorporado plenamente em suas operações. Se for o seu caso, você não estará sozinho(a) pois trata-se de um elemento de difícil implementação.
Vamos relembrar a definição de “Jidoka”, termo criado pela Toyota, recorrendo ao Léxico Lean. “Fornecer às máquinas e aos operadores a habilidade de detectar quando uma condição anormal ocorreu e interromper imediatamente o trabalho. Isso possibilita que as operações construam a qualidade do produto em cada etapa do processo e separa os homens das máquinas para um trabalho mais eficiente“ (pg. 36). “Máquinas inteligentes” ou “automação com inteligência humana” são traduções literais de Jidoka, porque dá às máquinas a condição de elas mesmas detectarem as peças ruins, sem precisar de um acompanhamento humano.
Muitas empresas japonesas abraçaram os conceitos originários do movimento da Qualidade através dos ensinamentos dos gurus Deming, Juran, entre outros. Um dos mantras mais relevantes herdado deste movimento é o “fazer certo a primeira vez”. Mas a Toyota, nossa empresa lean referência, foi além ao desenvolver o conceito de “Jidoka” e implementar outras práticas para efetivamente garantir a qualidade no processo. Esta estratégia inovadora tornou-se um dos fatores determinantes que levou a empresa a ter os melhores níveis de qualidade na indústria automobilística dos últimos 35 anos e a servir de exemplo a diversos outros setores industriais.
Em artigo publicado em nosso site (Jidoka), Gilberto Kosaka destaca que Jidoka, um dos pilares do TPS junto com o JIT, está mais vinculado ao aspecto qualitativo do sistema produtivo, como um instrumento para garantir a qualidade nos processos.
Por que tem sido tão difícil implementar o Jidoka? Vamos citar algumas razões:
• Envolve o projeto de novos sistemas de manufatura com premissas radicalmente diferentes das tradicionais. Por exemplo, freqüentemente observa-se a existência de “poka-yokes” usados equivocadamente como inspeção e não como mecanismo para impedir que se cometam erros e assim, eliminar a necessidade da inspeção.
• Engenheiros parecem propensos a desenvolver soluções complexas (para problemas simples) quando deveriam projetar dispositivos baratos e fáceis de operar, feitos quase sempre com a ajuda e envolvimento dos operadores. Isso pode gerar dificuldades adicionais de operação, adicionando desperdícios.
• Mesmo quando se resolve a questão do projeto das máquinas (atualmente muitas delas já são projetadas com dispositivos de auto-checagem), isso por si só não basta se a empresa não for capaz de liberar as pessoas para poder pensar e resolver problemas. Muitas empresas, no inicio de sua jornada lean, liberam o desperdício óbvio das pessoas que ficam “observando a máquina operar”. Mas permanecem outras formas de desperdícios, menos visíveis.
A implicação do "Jidoka" transcende a qualidade porque também aumenta a produtividade ao liberar as pessoas que simplesmente ficam monitorando máquinas, tornando automática a alimentação e a saída de peças, sem requerer obrigatoriamente robôs ou outros dispositivos complexos. Ou ainda, reduz ou acaba com a necessidade de pessoas fazendo inspeção e retrabalho. A ação humana deve criar valor para o cliente final.
Mas para garantir a qualidade no processo é preciso ir além das máquinas inteligentes. Outra prática fundamental usada pela Toyota e pelas empresas lean é “parar a linha sempre que houver anormalidade”. O “andon” é o dispositivo visual para fazer isso. Sua implementação consiste em um desafio enorme e parece um contra-senso para muitas firmas. Parece mais lógico e mais econômico para as companhias tradicionais empurrar os problemas para frente e então corrigi-los mais tarde. Mas as empresas lean procuram seguir o exemplo da Toyota e param a produção sempre que houver uma anormalidade. A produção é projetada para fazer produtos com qualidade.
Mesmo as empresas que querem fazer a coisa certa, com freqüência enfrentam grandes dificuldades como:
• A definição do que é normal não é clara, dado que a maior parte delas não opera de acordo com o tempo takt e não possui trabalho padronizado;
• Conformam-se com o caos e falta de esforço para manter a estabilidade (produzir de acordo com o planejado);
• Não conseguem desenvolver sistemas de apoio para responder ao “chamado” das luzes e dos sons de eventuais sofisticados sistemas “andon” sonoros e visuais.
Estas práticas de garantir a qualidade no processo requerem bases sólidas, com elevada estabilidade, trabalho padronizado, métodos de solução de problemas disseminados, além de estruturas de apoio adequadas no chão da fabrica para evitar parar a produção com muita freqüência e prejudicar a rentabilidade.
Além disso, a cultura da não exposição de problemas devido ao medo de eventuais punições ainda continua presente em muitas empresas, mesmo após a ampla disseminação do princípio de Deming “elimine o medo no local de trabalho”. Expor e corrigir problemas rapidamente e prevenir a recorrência deve fazer parte das práticas das empresas lean.
Uma das dificuldades adicionais para a implementação do “Jidoka” (e de outros conceitos lean) relaciona-se com a maneira como aprendemos. Apenas uma parte vem do conhecimento estruturado, pois a outra vem da observação do que acontece e do entendimento do que se vê. Ou seja, a falta de uma orientação gemba atrapalha a gestão da qualidade. Continuamos a ter os mesmos problemas porque não “vamos lá ver” e assim não aprendemos com eles.
Empresas falam em PDCA, outra herança importante do movimento da qualidade, mas continuam não fazendo de forma adequada. Não pensam antes de planejar e não fazem a reflexão dos ensinamentos aprendidos.
Garantir a qualidade continua uma árdua e constante luta . Além de um esforço para conhecer profundamente os processos do ponto de vista tecnológico, significa ir além das paredes da fábrica, como a própria Toyota tem aprendido nestes últimos anos, com o surgimento de diversos problemas de qualidade em seus veículos, principalmente devido a defeitos originados na engenharia e nos fornecedores.
Mas a melhor compreensão do “Jidoka” e sua implementação pode ajudar a dar um salto nos padrões de qualidade e produtividade, desde que seus princípios e conceitos sejam entendidos corretamente, assim como sua relação com os outros elementos do sistema.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil
PS1. “Jidoka” acompanha outros termos que estão no Léxico Lean. Em março estaremos lançando uma nova edição com 21 termos adicionais.
PS2. Pela primeira vez, vamos oferecer um curso aberto sobre Jidoka. Será realizado no dia 16 de março em São Paulo-SP e ministrado por Gilberto Kosaka, com a apresentação dos conceitos, exemplos e exercícios. E continuamos com o curso de Desenvolvimento de Processos Lean (3P) no qual são apresentados os conceitos básicos para projetar processos e sistemas lean de manufatura.