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Lean para ajudar a navegar na crise financeira

Lean para ajudar a navegar na crise financeira

Em janeiro deste ano abordamos em nosso leanmail (Os perigos do crescimento econômico) a necessidade de cautela com o momento econômico favorável. Havíamos encerrado um ano de grande crescimento e notávamos que a euforia estava escondendo inúmeros problemas nas empresas. E ainda, que poderia levar à realização de investimentos equivocados e desnecessários.

Não se trata de profecia realizada, pois, afinal, sempre insistimos que a única certeza sobre as previsões é que elas estarão erradas. Simplesmente refletíamos sobre o desempenho e a operação das empresas que visitávamos, tendo por base os fundamentos do sistema lean.

Notávamos que as empresas não estavam utilizando os recursos existentes da melhor forma possível, os investimentos não eram pensados de forma linear, incorporando pequenos incrementos de capital, com base em reais e sólidos acréscimos da demanda e que não se preocupavam em construir cenários, inclusive os mais “catastróficos” (planejamento baseado em múltiplas alternativas) para nortear suas estratégias. Com isso, os custos eram muito mais altos do que poderiam ser. Mas a demanda crescente e a melhor ocupação da capacidade escondiam estes problemas.

Chegamos nessas últimas semanas a uma situação de enorme instabilidade e incerteza na economia brasileira e mundial. A crise no sistema imobiliário norte-americano, que já aparecia desde 2006, explodiu e com ela criou-se um enorme impacto sobre o sistema financeiro mundial e, em conseqüência, sobre a economia real.

A crise financeira foi, em grande medida, reflexo da idéia de que é possível criar riqueza sem gerar valor. Este comportamento especulativo típico do setor financeiro tirava, em muitas empresas, o foco dos processos reais de agregação de valor que, em nossa opinião, são os verdadeiros motores da criação de valor e de riqueza para a sociedade, para as empresas e para seus clientes.

Mas vamos aproveitar bem este momento e refletir sobre a melhor maneira de “navegar” nestas ondas turbulentas e instáveis.

Uma das forças da Toyota é o estado de “crise permanente”, em que reconhece que os clientes são cada vez mais demandantes e a concorrência cada vez mais acirrada. Para evitar que a empresa torne-se complacente, a liderança procura criar um “clima de guerra” contra o desperdicio para estimular as pessoas a melhorar continuamente.

Enquanto isso, outras empresas, mesmo com crises explícitas, não se questionam e não têm senso de urgência. Esta crise vai reduzir as possibilidades deste comportamento, com o risco efetivo de promover quebras e falências.

Devemos tomar cuidado para não cometer os mesmos erros do passado, como cortar custos de forma indiscriminada e causar maiores danos ainda, lembrando que o foco deve ser eliminar os desperdícios (muda) e suas causas (mura-variações e muri-sobrecargas). Assim como o crescimento deve ser suave, uma eventual desaceleração deve ser harmônica, evitando paradas bruscas.

O crédito dificultado vai levar as empresas a pensarem seriamente na quantidade e qualidade de seus estoques na medida em que o custo do capital de giro aumenta. A quantidade de estoque deve ser mínima para garantir um nivel adequado de atendimento aos clientes.

E eventuais quedas na demanda vão implicar na necessidade de redefinir o tempo takt e replanejar a utilização dos recursos materiais e humanos, assim como tende a questionar a real necessidade de novos investimentos para ampliar a capacidade.

A filosofia lean prospera em ambientes e culturas que consideram a escassez de recursos como natural. Esta mentalidade deve prevalecer e prosperar, tanto em épocas de crises macroeconômicas como de prosperidade. As sugestões que demos em Janeiro continuam valendo (e serão sempre válidas) tais como lutar para garantir a estabilidade e estimular as melhorias contínuas.

Muitas empresas podem aproveitar esta oportunidade e sair da crise com desempenho mais sólido. Há ainda espaços enormes para a redução de custos que pode ser repassada aos preços, mantendo os volumes e adicionando mais valor aos clientes. Neste momento, tende a ficar mais evidente quem “surfou” na onda do crescimento e quem realmente fez as coisas certas, tornando-se mais competitivo.

Tomara que uma grande lição desta crise seja a necessidade de maior valorização das operações reais como fonte de criação de valor e a menor relevância do lado financeiro especulativo.

Agora é a hora de implementar lean para valer. Não é mais uma opção. A necessidade é imperativa.

José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil

PS.

1. Uma das maiores oportunidades de melhoria e de redução de custos é a logística. Após a sua empresa ter tornado mais contínuos os fluxos produtivos, criado conexões diretas entre eles via sistemas puxados, estabelecido o trabalho padronizado, a solução de problemas e a cadeia de ajuda para estabilizar a produção, operando no takt, e com um sistema de abastecimento interno eficiente, é o momento de pensar na distribuição e no sistema de abastecimento de modo a criar conexões adequadas com clientes e fornecedores. Almoxarifados gradualmente eliminados ou transformados em “cross docks” assim como “milk runs” com fornecedores são algumas das técnicas que você aprenderá no Workshop Internacional Gestão Lean da Cadeia de Suprimentos e Logística ministrado por Robert Martichenko nos dias 10 e 11 de Novembro.

2. Estamos traduzindo o recém lançado livro de John Shook (“Managing to learn: using the A3 management process to solve problems, create alignment, mentor and lead”). Estará disponível em 25 de Novembro.

3. Ver calendário de workshops 2009 com a regionalização da oferta (Sul, Sudeste, Nordeste e Norte) e novos temas (Cadeia de Ajuda e Círculos Kaizen).

Publicado em 01/10/2008

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