As previsões de desempenho da economia brasileira para 2009 são de redução no crescimento nas vendas e na produção, repetindo-se assim a situação destes últimos três meses. É evidente que cada setor tem diferentes dinâmicas. Por exemplo, automóveis, habitação e bens de capital são mais penalizados por representarem itens muito caros na cesta de compras de uma família ou empresa. Por outro lado, alimentos, remédios e outros tendem a ser menos elásticos, pois as pessoas continuam a requerer cuidados de saúde e a se alimentar, embora possam haver mudanças no mix e na segmentação dos produtos.
Em momentos de crise parece ser mais natural pensar lean. Palavras que hoje estão aparecendo mais no vocabulário de lideranças empresariais como austeridade, conservadorismo, ser espartano há muito fazem parte dos valores e comportamento das empresas lean.
A atitude adequada nesta hora é evitar simplesmente sair correndo em busca de cortes de custos, mas de fazer os ajustes necessários tendo em vista não apenas a sobrevivência nos próximos meses, mas olhando para o futuro desejado nos próximos anos. Deve-se cuidar para não tomar decisões que podem aparentar resolver problemas atuais, mas que não verdade só criam novos e maiores.
Custos são gerados por atividades que efetivamente agregam valor para os clientes assim como por outras que não agregam nada (desperdícios). E desperdícios são meros sintomas, com causas mais profundas. O esforço para eliminar desperdícios reduz os custos. Por outro lado, reduzir custos nem sempre significa eliminar desperdícios.
A redução de desperdícios dever ser permanente e constante, embutida no DNA da empresa e não acontecer apenas em alguns momentos. Por isso, sempre recomendamos às lideranças das empresas criar uma “mentalidade de crise permanente” onde os problemas são expostos e os sistemas de ajuda funcionam para resolvê-los rapidamente. Mas isso não parece “natural” em tempos de crescimento. As empresas parecem querer enfatizar o sentimento de “estar bem” e de não reconhecer a existência de problemas. Algumas não gostam nem de usar a palavra “problema” que os pensadores lean gostam tanto.
Vamos aproveitar este final de ano e sugerir algumas dicas práticas de como entrar em 2009 pensando lean, caso a sua empresa esteja sofrendo os impactos da turbulência financeira mundial. Mas se não estiver, lembre-se que a definição de crise é subjetiva. Aproveite a oportunidade e submeta-se ao mesmo processo mental questionador;
- Manter e melhorar a eficiência operacional. Garantir a estabilização nos novos níveis de tempo takt (número de horas trabalhadas /demanda). No caso de demanda menor, pode-se diminuir número de horas trabalhadas para manter o takt, fundamental para definir a padronização do trabalho. Através do adequado dimensionamento dos recursos humanos e materiais, deve-se procurar garantir os níveis de ocupação da capacidade com dois turnos completos de produção, sempre que possível, adequando-se a partir daí os esforços da força de vendas.
- Manter e melhorar os níveis de serviço e de atendimento aos clientes. Nesta época de excesso de capacidade e redução de demanda generalizada, a concorrência tende a se acirrar ainda mais e o espaço no mercado de sua empresa pode se reduzir caso não se mantenham e melhorem os níveis de serviço. Os clientes não vão tornar-se mais complacentes. Ao contrário, inverte-se a balança do poder a favor deles que podem tornar-se mais exigentes talvez até por serem mais raros.
- Rever o portfolio de produtos. É um bom momento de verificar se o mix atual de produtos está adequado às novas necessidades do mercado. As soluções podem ser tanto simplificar ou eliminar famílias de produtos existentes ou, ao contrario, introduzir novas para atender a gaps recém criados. Muita gente pensa que a filosofia lean aplica-se somente as operações e serve para reduzir custos. Na verdade, trata-se de sistema de gestão científica que pode contribuir para aumentar o faturamento da empresa.
- Rever os níveis de estoques. Refletir sobre as reais necessidades de estoques ao longo de toda a cadeia produtiva, pois isso interfere rapidamente no caixa da empresa. A política para os produtos acabados deve contemplar, quando possível, a reposição de vendas reais, ou seja, atender a um supermercado ou então produzir sob encomenda. Os estoques intermediários e de matérias primas também precisam ser revistos de modo a disponibilizar apenas o necessário na quantidade desejada, garantindo o menor nível de estoques possível. Este novo dimensionamento deve, como sempre, procurar garantir um ótimo nível de atendimento interno e externo com os menores custos possíveis.
- Rever a necessidade de pessoas mas evitar demitir. Pessoas são os ativos fundamentais da empresa que ajudam a agregar valor aos clientes e não custos a serem cortados. É possível que haja necessidade de redimensionar o quadro de pessoas com os novos níveis da produção. Mas proteja o seu pessoal. Lembre que eles também podem ser seus clientes. Ocupe-os produtivamente. Após esforços como banco de horas, férias coletivas, etc pode-se trabalhar com uma jornada de trabalho reduzida, liberar temporários, reduzir bônus e salários da alta administração e não repor as saídas naturais, entre outras medidas. Os esforços de multi-qualificação podem ser redobrados e vão tornar a empresa mais flexível.
- Rever os investimentos com muito rigor. Diferenciar entre os investimentos para aumentar a capacidade, possivelmente pouco relevantes neste momento, dos outros investimentos, de modo a evitar eliminar investimentos relevantes e fundamentais para o futuro da empresa. O conceito lean de investimentos graduais e mínimos, somente quando necessários (JIT), é ainda mais importante neste momento.
- Focalizar as ações. Através da utilização do Hoshin (desdobramento da estratégia) e do processo de gestão A3, a empresa deve focalizar as atividades naquilo que realmente é relevante. Aliás, isto é válido sempre, não apenas na crise. Elaborar um “A3 da crise” pode ser uma boa prática para estabelecer (ou restabelecer) os esforços de definição do norte verdadeiro e dos projetos de melhoria.
Muitas empresas têm procurado cortar os gastos que estão sendo chamados de “supérfluos” como viagens, treinamentos, equipamentos etc. Uma pergunta a ser feita é como até então eram tolerados e aceitos estes supérfluos? O que podemos fazer daqui para a frente de modo a tornar todos os colaboradores com tolerância zero aos desperdícios e problemas, a começar da direção da empresa?
Reflita sobre o sistema de gestão atual e como ele foi tão tolerante, aceitando tantas atividades e custos desnecessários que agora são facilmente eliminados.
Aproveite esta crise para fortalecer a empresa. Este momento pode ser importante para acelerar as mudanças no sistema e filosofia de gestão que possivelmente já eram necessárias antes ou estavam sendo vislumbradas.
Contribua para criar uma empresa em que tudo o que é feito procura agregar valor para os clientes. Com isso, os custos vão ser os mais baixos possíveis, os clientes satisfeitos e os resultados financeiros mais sólidos. Agora e sempre.
José Roberto Ferro
Presidente
Lean Institute Brasil