LOGÍSTICA E CADEIA DE SUPRIMENTOS

Lean também é ‘respeito aos fornecedores’

Flávio Battaglia e Daniel Felipe de Oliveira
Lean também é ‘respeito aos fornecedores’
Entenda o que significa a prática lean de “respeito às pessoas” também aplicada no relacionamento com fornecedores.

Implementar o sistema lean de maneira eficiente e sustentável numa empresa não é um processo simples por uma série de motivos. Um deles é que isso pressupõe ir além dos limites da própria companhia: precisa envolver também os fornecedores da organização.

Isso nos faz pensar que o conceito e prática lean de respeito às pessoas precisa ser algo ainda mais abrangente, não apenas relacionado aos colaboradores da empresa que está buscando a gestão lean, mas também se estender por todo o ecossistema organizacional, incluindo o “respeito aos fornecedores”.

E o que isso significa?

Em resumo, na gestão lean, respeito aos fornecedores deveria ser uma extensão do conceito e prática de respeito às pessoas que ocorre dentro de uma companhia que busca a prática do pensamento lean.

Respeitar as pessoas, na gestão lean, não quer dizer apenas o sentido comum de ser gentil, mas, sim, respeitar o desenvolvimento e a autonomia de toda pessoa. Em outras palavras, respeitar é apoiar e estimular todos da organização a terem olhares críticos sobre seus trabalhos e processos aos quais estão envolvidos, no sentido de revelar e resolver problemas, encontrar e eliminar desperdícios,  aumentar a criação de valor em tudo o que fazem e, consequentemente, gerar aprendizado.

Nesse sentido, respeitar fornecedores quer dizer estruturar e buscar essa mesma prática resumida acima, mas também no contexto de cada um dos fornecedores e parceiros. Ou seja, trabalhar para todas as pessoas que estão ligadas direta ou indiretamente à empresa entendam e pratiquem o lean cotidianamente.

A prática lean, dessa forma, envolve colaboração, integração e confiança, seja dentro ou fora da organização. É preciso expandir a ideia de que o lean é algo a ser implementado apenas e tão somente no interior de uma companhia. Mais abrangente do que isso, é necessário pensar que a jornada lean deve ocorrer dentro e fora da organização, como numa rede de aplicações e conexões. Isso pressupõe uma série de mudanças de mentalidades e de práticas.

Por exemplo, em empresas que estão iniciando a implementação lean, é preciso entender que é necessário, por vezes, introduzir e/ou aprofundar o lean também junto aos fornecedores, estimulando essa transformação não apenas para as pessoas da companhia, mas também entre seus parceiros. Isso aumenta o desafio, pois pressupõe ensinar, disseminar e estimular as práticas lean num leque ainda maior de indivíduos e processos.

Para tanto, é preciso mudar as práticas tradicionais da típica relação com fornecedores. Por exemplo, aquelas que veem fornecedores basicamente como custos a serem reduzidos, um fenômeno que, por vezes, gera ambientes tóxicos, improdutivos e insustentáveis.

Diferentemente disso, a gestão lean pressupõe que fornecedores precisam ser vistos como agregadores de valor a serem constantemente aperfeiçoados, desenvolvidos, integrados… no sentido de agregar cada vez mais valor aos processos e, consequentemente, aos clientes.

Com isso, a redução de custos se tornará algo natural, no sentido de ser uma consequência e não um “fim em si mesmo”: um fenômeno decorrente da eliminação de desperdícios, da melhoria dos processos, da gestão e da capacidade de resolver  problemas, otimizando a cadeia de valor estendida como um todo.

Em outras palavras, cabe a busca de práticas que perenizem e sustentem a entrega de valor. É uma visão de longo prazo, que envolve parceria e consequentemente mais respeito. E demonstrar esse respeito aos fornecedores também é, na mesma medida, fortalecer o relacionamento.

O grande propósito do pensamento lean é produzir e entregar mais valor ao cliente. Nessa jornada, a melhoria contínua deve abranger todo o fluxo da cadeia de suprimentos. E os resultados precisam ser compartilhados de acordo com a lógica do “ganha-ganha”. Logo, práticas como atrasar pagamentos, que beneficiam apenas um dos lados no curto prazo, não estão em linha com o pensamento lean.

Uma boa notícia é que o sistema lean tem uma série de conceitos e práticas que podem acelerar esse processo. Por exemplo, o Gerenciamento Diário (GD) pode ser implantado não apenas dentro da empresa, mas também envolvendo fornecedores. Na medida em que a companhia se transforma numa disseminadora das práticas lean de gestão, desenvolve em seus parceiros a ideia e as práticas mais significativas e eficientes de um GD e as formas de aplicá-las em contextos específicos.

De forma similar, a organização pode amplificar a prática lean pelo apoio aos fornecedores na aplicação do jishuken, termo que significa “autoaprendizado” em japonês, que na gestão lean quer dizer propiciar às pessoas que aprendam lean ao implementá-lo na prática dos processos envolvidos.

De maneira complementar, existe também o conceito e a prática de yokoten, que pressupõe disseminar entre todos os envolvidos – incluindo aí os fornecedores – os melhores padrões ou processos de exposição e resolução de problemas, para que sirvam de exemplos e como fontes de inspiração para outros indivíduos, equipes e, nesse caso, outras organizações.

Se tudo isso for realizado de forma estruturada e planejada, a jornada torna-se algo efetivamente sustentável e tenderá a gerar um modelo de gestão não apenas restrito a uma única de uma empresa, mas ampliado a todo um ecossistema, que envolve diversos elos: a cadeia de valor end-to-end.

Sob outro prisma, pode-se também criar uma estrutura de governança mais abrangente, envolvendo as dimensões ambiental, social e corporativa, como se preconiza, por exemplo, no ESG, criando e fortalecendo relações e práticas maduras, sustentáveis e socialmente responsáveis para todas as organizações que compõem o ecossistema representado pela cadeia de valor estendida.

No entanto, para isso realmente ocorrer, é preciso aprofundar o conceito e a prática lean de se “demonstrar respeito”. Trata-se de um elemento central da cultura lean, mas que não pode ficar restrito ao universo específico e interno de uma única empresa. Precisa valer também para todas as relações, tanto dentro como fora da organização, criando e fortalecendo continuamente um verdadeiro “ecossistema lean”.

Publicado em 14/03/2023

Autores

Flávio Battaglia
Presidente do Lean Institute Brasil
Daniel Felipe de Oliveira
Head para Supply Chain e Logística do Lean Institute Brasil

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