CONSTRUÇÃO

Quebrando o silêncio

Ângela Bayona e Yvonne Paola Patino
Quebrando o silêncio
Ao mudar sua atitude em relação aos problemas e acolhê-los como oportunidades de aprendizado, esta construtora colombiana deu uma reviravolta em sua cultura.

Na Construtora Bolívar, o silêncio é o nosso pior inimigo. Embora certos tipos de silêncio sejam bons, outros são preocupantes – especialmente aqueles que decorrem da relutância das pessoas em discutir problemas.

Como seres humanos, tendemos a pensar nos problemas como algo que não queremos, algo que precisamos esconder. Sempre que uma pessoa em nossa organização diz “é melhor resolver esse problema imediatamente, para que o chefe não descubra”, o que realmente estamos ouvindo é o medo das consequências de levantar um problema, de sermos culpados por isso, e assim por diante.

Como tal, queremos nos concentrar nas emoções que os problemas criam nas pessoas dentro de nossa organização. Desespero, preocupação, medo, pânico, mal-estar, tristeza, incerteza, estresse… essas são apenas algumas das palavras que as pessoas podem usar para descrever como os problemas as fazem se sentir, e o pior é que essas emoções geralmente são causadas pelos líderes.



Quantos de vocês já tiveram um chefe que lhes disse “você é pago para me trazer soluções, e não problemas”? No pensamento gerencial tradicional, a pessoa que identifica um problema é considerada “conflituosa”, “problemática” ou “difícil”. Aos líderes que pensam assim, é muito melhor que alguém resolva o problema de forma criativa e imediata, para que possamos voltar ao trabalho.

Tivemos exatamente essa situação na Construtora Bolívar. Antes de nossa transformação lean, as pessoas descreviam os problemas como “uma situação que saiu do controle”, “algo que nos impediu de atingir nossos objetivos”, “algo que nos impediu de fazer nosso trabalho” ou “algo que me bloqueou e me frustrou”. Claro, os problemas atrapalham nosso desempenho e podem nos atrasar na conquista de nossos objetivos, mas se os vemos assim, não podemos nos surpreender se as pessoas quiserem escondê-los.

Nosso desafio era que não tínhamos uma ideia clara do que era um problema e, como resultado, tratávamos todos os problemas da mesma maneira. Isso aconteceu até decidirmos acolher os problemas em vez de temê-los (como disse Taiichi Ohno, “os problemas são tesouros”). Nossa transformação lean começou naquele momento. Foi há cerca de dois anos.

Nossa jornada pode ser dividida em três fases: conceitualização, adoção e difusão (embora, na verdade, a vejamos mais como um ciclo do que como uma progressão linear).



Conceitualização

Foi aqui que estabelecemos as bases, pois nos esforçamos para definir inequivocamente um problema como uma lacuna entre onde estamos e onde queremos estar, com base em um padrão claro.

Perceber que nem todos os problemas são iguais foi revelador para nós. De fato, a introdução da estrutura dos Quatro Tipos de Problemas de Art Smalley foi um ponto de virada que transformou a cultura de nossa empresa para sempre. Ajudou-nos a distinguir entre problemas causados que enfrentamos todos os dias para permitir que o valor flua (tipos 1 e 2) e problemas criados que permitem melhoria contínua e inovação (tipos 3 e 4).

Vivemos na cultura do “aqui e agora”, onde se espera que os problemas sejam resolvidos na hora. Nosso antídoto para isso foi o A3, que nos obriga a dedicar um tempo para analisar o problema em profundidade e identificar sua causa raiz para evitar que ele ocorra novamente.

As sessões de treinamento que organizamos nos permitiram levar esse conhecimento fundamental para todo o nosso pessoal em toda a Colômbia, e seguimos incentivando-os a colocar essas lições em prática no gemba. Isso é o que acabou transformando a definição deles sobre problema. Hoje, nosso povo considera os problemas como “uma lacuna”, “uma situação que não é como deveria ser”, “a diferença entre onde estamos agora e onde queremos estar” ou “uma oportunidade de encontrar maneiras diferentes de trabalhar”.


Adoção

Depois de desenvolvermos as capacidades de resolução de problemas de nossa equipe, passamos para a fase seguinte – a adoção. Começamos indo ao gemba para observar e fazer perguntas. Investigamos o trabalho, envolvendo-nos com criadores de valor para saber quais eram seus problemas. Nesse ponto, o desperdício tornou-se visível como uma fonte de problemas – uma conexão que nunca tínhamos visto antes (pensávamos que o desperdício era apenas parte do trabalho).

Foi quando fizemos uma das maiores descobertas em nossa jornada lean até hoje: os dados sempre superam a opinião. Hoje em dia, falamos de números e porcentagens exatas, e não de estimativas (“um pouco alto demais” ou “menor do que pensávamos”) e, quando não podemos, fica claro para nós que o padrão não existe ou não é claro o suficiente. Juntamente com a introdução do trabalho padronizado e do rastreamento de resultados, isso fez uma enorme diferença.

À medida que as pessoas começaram a entender o que é um problema, os A3 começaram a surgir em todo o país, focando em todos os tipos de problemas, desde tempos de espera até desperdício de materiais. Também realizamos “problematonas”, que são maratonas de resolução de problemas durante as quais envolvemos a equipe de um canteiro de obras e outras áreas envolvidas no processo. Foi assim que começamos a ligar os pontos e a desenvolver uma visão de ponta a ponta do nosso trabalho.


Difusão

A resolução de problemas e o conhecimento que ela gera pertencem a todos. Não há valor em ter uma pessoa ou uma equipe fazendo uma melhoria por conta própria. Depois que começamos a compartilhar tudo o que aprendemos sobre problemas, vimos uma aceleração no ritmo de mudança e melhoria em toda a organização. Temos orgulho de ter resolvido mais de 70 problemas com a metodologia A3, envolvendo mais de 14 áreas e mais de 600 pessoas. Pelo ponto de vista financeiro, a resolução de problemas nos economizou impressionantes um bilhão e meio de pesos colombianos (o que dá mais de um milhão e meio de reais).

Comentários finais

Sentimos que aprendemos muito sobre nós mesmos e sobre o que é necessário para promover a mudança lean em uma organização. Portanto, gostaríamos de compartilhar algumas considerações finais que, esperamos, irão ajudá-lo em sua própria reflexão.

  1. Mudar a cultura organizacional para a transparência sobre os problemas leva a um melhor fluxo de processos. Quanto mais fácil for identificar problemas, mais problemas podemos abordar, com resultados positivos em produtividade e eficiência.
  2. Tratar os problemas de forma estruturada e identificar sua causa raiz leva a soluções eficazes que permitem a melhoria contínua e agilizam a inovação.
  3. Uma vez resolvido o problema, é fundamental socializar as lições aprendidas e padronizá-las, para garantir que o problema não se repita em outra parte da empresa. Isso é fundamental para garantir a sustentabilidade de qualquer iniciativa de mudança.

Ao olharmos para os últimos dois anos, percebemos que nada disso teria sido possível se a Construtora Bolívar não tivesse decidido “quebrar o silêncio”. Na verdade, a mudança só pode acontecer quando falamos abertamente sobre os problemas.

Publicado em 16/02/2023

Autores

Ângela Bayona
Diretora de Eficiência e Industrialização na Construtora Bolívar.
Yvonne Paola Patino
Head de Lean Management e Planejamento na Construtora Bolívar.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal