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Para ser lean, líder precisa ser socialmente evoluído e multidimensional

Flávio Augusto Picchi e Robson Gouveia
Para ser lean, líder precisa ser socialmente evoluído e multidimensional
Muitos já perceberam que uma efetiva transformação lean requer profundas mudanças na liderança. Poucos, entretanto, entendem que isso exige conhecimentos, habilidades e comportamentos não só técnicos, mas sociais, comunicacionais, éticos, entre outros.

Implementar a transformação lean em uma empresa não é tarefa fácil. Os princípios lean buscam a simplicidade, mas todos que tentam aplicá-los percebem que colocá-los em prática é algo complexo, pois desafia paradigmas e tira as pessoas de suas zonas de conforto.

Isso porque lean, no fundo, representa uma verdadeira revolução sociotécnica na companhia. Ou seja, além de todos na organização precisarem aprender os aspectos técnicos, que são os processos, rotinas e ferramentas lean, profundas mudanças sociais precisam ocorrer, na forma como as pessoas se relacionam, cooperam, resolvem problemas etc.

Para que isso ocorra, efetivamente, evitando implantações lean de fachada que não vão muito longe, é necessário desenvolver novas práticas das lideranças da empresa, pois elas são o fator chave para que as pessoas compreendam, engajem-se e pratiquem os conceitos lean cotidianamente.

Imagine um líder, em qualquer nível da companhia – que pode ser desde um CEO até um líder de time – em uma organização que busque aplicar o lean. Todos que se veem nessa posição (e talvez você seja um desses) percebem que vão precisar aprender muitas coisas novas para que possam realmente contribuir e exercer o papel de líder de forma cada vez melhor.

O primeiro passo que muitos buscam é o entendimento dos aspectos técnicos envolvidos. O líder lean precisa dominar as “ferramentas” lean básicas e essenciais que suportam a eliminação de desperdícios e a maximização da agregação de valor. Isso significa dominar, por exemplo, o método A3, o PDCA, o Mapeamento do Fluxo de Valor, o Just-in-Time, o Gerenciamento Diário, o Kaizen, o Hoshin Kanri… e diversas outras “ferramentas” que são a base do conhecimento e da prática lean.

Quem atua nessa área sabe que “apenas isso”, o domínio “ferramental”, já é muito e está longe de ser um aprendizado fácil, exigindo esforço e prática diários. No entanto, se essa dimensão técnica já é um desafio, o fato é que somente ela não é suficiente, pois a liderança lean tem um caráter “multidimensional" sofisticado. Ou seja, demanda a assimilação e uma prática cotidiana de uma série de habilidades e capacidades complexas e distintas. Se forem assimiladas e integradas da forma adequada, elas se completam de maneira única, forjando, em tese, a liderança ideal.

Uma delas é certamente a “dimensão social”. Em outras palavras, a capacidade de se relacionar de maneira saudável, criando conexões genuínas, construtivas, positivas e sustentáveis com aquela que é considerada hoje pelos pensadores mais atentos e bem-informados a principal “força” em qualquer tipo de organização: as pessoas. Trata-se do maior desafio para uma liderança, porque vai exigir dela elementos que estão fora da seara tradicional.

Por exemplo, conhecimentos, habilidades e capacidades relacionadas aos campos da psicologia e da sociologia. Afinal, as atitudes e os comportamentos cotidianos das pessoas – que são os alicerces de tudo o que ocorre numa empresa – são frutos de suas respectivas mentalidades individuais, associadas aos seus relacionamentos sociais que ocorrem cotidianamente dentro e fora de uma companhia.

Assim, é preciso aprender a como captar e entender, de forma mais profunda e cotidiana, os valores e as motivações dos indivíduos. No sentido de tentar se colocar no “lugar do outro”, para compreender suas reações e comportamentos racionais, emocionais ou sociais que os levam a ser o que são e fazer o que fazem.

“Ruídos” e “vieses” inconscientes costumam gerar julgamentos que prejudicam o ambiente de trabalho, trazendo medo e, por consequência, uma cultura na qual problemas ficam acobertados, impedindo a evolução dos negócios e a substancial mudança necessária para a entrega de valor aos clientes.

Nesse contexto, há também a “dimensão comunicacional”, cada dia mais essencial. Por exemplo, aperfeiçoar as habilidades de escrita e iconográficas, no sentido de tornar as mensagens e os conteúdos claros, didáticos, objetivos, impactantes e persuasivos. Saber como e quando ouvir, mais do que falar.

Desenvolver não apenas a “oratória”, mas também, como escreveu o educador Rubem Alves, a “escutatória”. Entender quais são as maneiras mais produtivas de se fazer perguntas, evitando julgamentos apressados e por vezes opressores. Compreender como captar as entrelinhas dos discursos, das narrativas e dos relatos.

Aprender a perceber as linguagens corporais, os significados dos “silêncios”… Toda uma parte um tanto “invisível” da comunicação que, não se engane, está sempre presente. E que se for percebida da forma mais correta, pode nos dizer muito sobre as pessoas e direcionar os esforços relacionais e comunicacionais de maneira mais saudável e produtiva.

Há também a “dimensão ética. Em termos práticos, ela se releva quando, no universo organizacional, entende-se e pratica-se, cotidianamente, o que é “certo”, sem qualquer tipo de “flexibilização” de valores, estruturando a organização para que todos os seus componentes caminhem nesse mesmo sentido.

Felizmente, este aspecto vem ganhando cada vez maior atenção nas organizações e na sociedade, e várias metodologias de compliance e governança têm evoluído. Vale aqui destacar que não há como se imaginar uma empresa que se considere lean se ela não atender totalmente às questões éticas. O conceito lean de maximizar a agregação de valor vai além da satisfação dos cientes e envolve também contribuir positivamente para a sociedade e o meio ambiente e respeitar plenamente todas as pessoas envolvidas, interna e externamente à organização.

Claro que discutimos aqui somente alguns dos elementos “multidimensionais” de um líder lean. Certamente há outros, a depender, inclusive, dos contextos de cada negócio. De qualquer forma, trata-se de uma trilha de conhecimentos e habilidades que, mais do que multidisciplinar, revela-se, hoje, cada vez mais “inter” ou mesmo transdisciplinar. E que, portanto, precisa ser buscada e construída de maneira consciente, disciplinada, organizada, planejada e constante.

Só assim será possível formar, de maneira íntegra e integrada, uma liderança efetivamente lean, capaz de gerar ambientes e pessoas realmente seguras e altamente preparadas para sedimentar organizações solidamente lean e totalmente focadas na melhoria contínua.

Fonte: Lean Institute Brasil
Publicado em 07/02/2023

Autores

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil
Robson Gouveia
Diretor no Lean Institute Brasil.

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