O fenômeno dos Estados Unidos conhecido como The Great Resignation (que pode ser traduzido livremente como A Grande Renúncia para o português) não mostra sinais de desaceleração. De acordo com o Departamento do Trabalho dos EUA, 4,3 milhões de colaboradores deixaram ou mudaram de emprego em janeiro deste ano. Por meses, as empresas lutam para encontrar e reter colaboradores. O problema existe em praticamente todos os setores, da saúde à hospitalidade.
Mas enquanto a maioria das manchetes das notícias foca em melhores salários e benefícios, poucas focam em melhores empregos. Um artigo recente da MIT Sloan Management Review sugere que os salários são apenas uma pequena peça em um quebra-cabeça muito maior. Avaliações de colaboradores coletadas da Fortune 500 indicam que uma “cultura de trabalho tóxica” é o principal indicador de desgaste durante a Grande Renúncia e é dez vezes mais importante do que a remuneração. Ao analisar os fatores de uma “cultura de trabalho tóxica”, os autores identificam o “desrespeito” como tendo o impacto mais negativo na cultura. Os autores definem o “desrespeito” como “uma falta de consideração, cortesia e dignidade pelos outros”.
“Pegue este emprego e jogue no lixo” é a frase que a economista-chefe do LinkedIn, Karin Kimbrough, usou para resumir as atitudes dos colaboradores após uma análise das postagens daqueles que pediram demissão.
Sempre que estou no gemba, fico me perguntando se o problema vai além de salários baixos. Por exemplo, recentemente visitei uma empresa de manufatura que sofria com uma escassez de mão de obra. Eles tinham a grande meta de dobrar a produção até o final do ano e até transferiram alguns colaboradores assalariados para o chão de fábrica para atender à demanda. Enquanto caminhava pela fábrica com a gestão e um coach do LEI, chegamos a uma estação de trabalho em formato de ilha. Observamos um homem de meia-idade inserir uma peça em uma máquina que a conectava a um pedaço de metal; então, ele entregava a peça montada ao operador seguinte. Era um trabalho muito tedioso e repetitivo. Quando alguém no grupo perguntou a ele qual era o propósito do que ele fazia, ele respondeu que não sabia.
Um trabalho com uma única etapa sendo repetida várias vezes é muito chato, com certeza. Mas não saber o propósito do que você faz? Isso é cruel. Eu fiquei me perguntando como ele explicava seu trabalho para sua família à noite – e qual salário seria necessário para que ele sentisse orgulho em um trabalho tão sem sentido. Quão respeitada essa pessoa se sente?
Em outra visita a uma empresa que também sofria com mão de obra, acompanhei um ajudante de manuseio de materiais enquanto ele completava um ciclo de reabastecimento e reordenamento. Esse trabalho era essencial, porque as operações de montagem não poderiam funcionar sem as peças que ele trazia do armazém. Além disso, ele era o único colaborador treinado para o trabalho. Quando ele faltava inesperadamente, a produção da instalação caía drasticamente, porque ninguém sabia como reordenar as caixas corretas para embalagem e envio de produtos acabados.
Por duas horas, observei o operador enfrentando todo tipo de obstáculo. Ele equilibrava vinte caixas em um único carrinho enquanto ziguezagueava por um labirinto cheio de portas e curvas fechadas; inevitavelmente, ele teve que ajoelhar para pegar a bagunça deixada por uma caixa que tombou; e ele ainda teve que enfrentar um sistema ERP quebrado para fazer pedidos. Embora eu tenha certeza de que esse colaborador merece um aumento, ele expressava frustração com a condição de seu trabalho, e não com sua remuneração.
Após “ir e ver” o trabalho desse homem, um coach do LEI e um líder motivado de melhoria contínua enxergaram uma oportunidade de se envolver com ele na melhoria do processo de trabalho. Assim, os três iniciaram um A3, definindo o problema a ser resolvido, capturando a condição atual e imaginando uma condição-alvo. Em seguida, eles lideraram uma pequena equipe de 5S no armazém, definiram locais claros de coleta e entrega de materiais e definiram níveis de estoque mínimo e máximo para cada item.
O impacto mensurável após apenas uma semana de trabalho de melhoria foi significativo:
- O tempo levado para concluir o trabalho foi reduzido em 67%, de 90 para 30 minutos.
- O número de etapas foi reduzido em 55%, de 3600 para 1600.
Mas o impacto físico e mental no colaborador foi mais profundo. Por um lado, a organização engajou a cabeça dele – e não apenas suas mãos e pés –, permitindo que ele melhorasse o processo de trabalho. Quando perguntei sobre as mudanças, ele respondeu: “Comecei uma estrutura básica para organizar todos os [materiais] do almoxarifado. É um grande começo… Além disso, temos uma rota mais suave, e eu não preciso ficar indo de um lado para o outro. Eu não estou pegando [materiais] de áreas diferentes. Agora tenho uma rota definida”. Ele, então, descreveu o sistema de reabastecimento de dois compartimentos que eles implementaram, acabando com a necessidade de contagens manuais de estoque – que demoravam e só ele sabia fazer: “Cada departamento [agora] tem um sistema de etiquetas associado a cada item. E quando um item acaba, [um técnico] coloca o cartão kanban em uma caixa de correio. Isso indica que preciso reabastecer o item”.
Ele entende o que, por que e como esse sistema novo funciona, porque ele ajudou a criá-lo!
Além disso, agora ele pode aproveitar melhor seu tempo longe do trabalho. Antes da mudança, seu conhecimento único de onde o material estava, como encomendá-lo e quanto pedir exigia que ele mantivesse seu laptop e seu telefone por perto para chamadas de emergência nos fins de semana e durante as férias. Graças às mudanças, um trabalho que a administração estimou levar seis meses para treinar agora pode ser feito quase sem explicação. O colaborador explicou: “Posso tirar um dia de folga ou a semana toda e não me preocupar com [os materiais], porque sei que as pessoas saberão o que fazer”.
E ele não tem intenção de desacelerar, dizendo: “Podemos melhorar ainda mais o sistema. Ainda não terminamos”.
Todos nós falamos sobre a “experiência do cliente”. Mas e a “experiência do colaborador”? Se uma empresa pedisse aos clientes que fizessem um checkout de e-commerce que estivesse quebrado ou equilibrassem caixas em um labirinto (a menos que seja a IKEA), esperaríamos que eles parassem de comprar lá. Portanto, vale a pena considerar como as experiências de trabalho terríveis podem estar levando os colaboradores a pedir demissão e ir para outro lugar. Assim, considere como oferecer uma melhor experiência de trabalho pode ajudá-lo a atrair e reter colaboradores.
Como líder, reserve um tempo para ir à linha de frente e observar o trabalho. Coloque-se no lugar do colaborador e pergunte a si mesmo: “Por quanto tempo eu estaria disposto a fazer esse trabalho por esse salário?”. Pergunte também: “Eu me sentiria orgulhoso de contar à minha família o que faço para viver?”.
Ou você pegaria o trabalho e o jogaria no lixo?