Mudar completamente as práticas de gestão e os modelos mentais em uma
empresa não é nada fácil. É por isso que uma transformação lean enfrenta
diversos obstáculos que podem retardar ou impedir que se atinja os
enormes resultados que o lean proporciona.
Algumas organizações não conseguem nem decolar. Outras conseguem bons
resultados no início, estabelecem um sistema, mas, em seguida, os ganhos
ficam estagnados ou até regridem.
Já faz um bom tempo que a comunidade lean percebeu que uma jornada lean
precisa criar raízes e desenvolver uma permanente evolução. Caso
contrário, está fadada a se tornar pouco relevante, não propiciando todo
o potencial de mudar o patamar competitivo da organização.
Quais são os fatores que impedem essa evolução?
Apresento a seguir dez erros frequentes que observo em diversas
companhias. São verdadeiras armadilhas que podem impedir a evolução da
aplicação da gestão lean.
1. Desconectar-se do propósito maior
Um erro clássico é encarar o lean como algo simplesmente operacional, uma
soma de ferramentas, olhando somente para a eficiência interna. Claro
que isso é importante, mas sem um propósito maior de agregação de valor
para os clientes, o lean perde seu sentido.
Se a liderança não entende e adota a gestão lean como um meio para
atingir um novo posicionamento estratégico, os esforços ficam
desconectados das reais necessidades e prioridades do negócio. É o
caminho certo para perder relevância e ser esquecido na organização.
2. Elitizar a responsabilidade e iniciativa
O lean serve para apoiar as equipes e gerentes de linha a
atingirem os objetivos que foram desdobrados para suas áreas.
São eles que, dentro das respectivas atribuições,
precisam aprender e praticar o lean, ter a responsabilidade e iniciativa
de resolver os problemas e melhorar os processos de forma que isso
faça sentido para eles.
Portanto, todos têm que se sentir donos da
implementação lean, desenvolvendo a iniciativa e o orgulho
de usar isso no dia a dia, tornando-se profissionais cada vez melhores e
satisfazendo os clientes com excelência. Para isso, é
importante que tenham o apoio de especialistas de uma área de
difusão do conhecimento, como um escritório lean,
kaizen promotion office ou equipe de melhoria contínua.
Só que em muitas empresas vemos essa lógica ser invertida:
parece que as atividades são de responsabilidade da
coordenação lean. Ela muitas vezes empurra ferramentas
para as áreas operacionais, que, sem entenderem o
propósito maior, resistem a qualquer mudança na forma como
fazem as atividades há anos.
Aqui vale o princípio do sistema puxado, que no lean serve para
tudo. O correto é as áreas operacionais puxarem o
escritório lean para apoiá-las com conhecimento,
treinamentos e métodos, visando melhorar os processos e atingir
os resultados planejados. E com isso levar o lean para cada
funcionário, aplicando os princípios no dia a dia de todas
as células de trabalho.
3. Implantar de forma burocrática
Implantar o sistema lean pode e deve ser uma coisa motivadora, que leve
brilho aos olhos de todos os envolvidos, pois percebem que estão
usando plenamente a inteligência para realizarem algo relevante.
É esse gosto e esse prazer pela excelência em cada pessoa
que movem a mudança.
A pior coisa que pode acontecer é a adoção lean
virar algo burocrático. Um monte de regrinhas, planilhas ou
quadros complexos, cujo objetivo maior fica em segundo plano. Algo que
as pessoas fazem de conta que usam só para cumprir
exigências de chefes ou da matriz.
Isso vira um grande desperdício de energia gasta que não
traz resultado. E gera uma verdadeira aversão que pode inclusive
dificultar iniciativas futuras, mesmo que mais bem concebidas.
4. Acreditar em atalhos “fáceis”
Desenvolver pessoas, mudar modelos mentais e estilos de liderança
é algo trabalhoso. Porém, sem isso não se
constrói uma verdadeira jornada lean.
Alguns executivos acreditam que podem fazer isso de um jeito que
consideram “mais fácil”. Por exemplo, acham que
contratando alguns consultores para fazerem por eles, e não com
eles, vão conseguir alguma mudança significativa. Ou que
só comprando um super sistema de gestão e controle
vão ter o desempenho melhorado significativamente.
Tudo isso é pura ilusão. Lean não é um
“quick fix”, mas um verdadeiro turnaround
na empresa. E isso dá trabalho, exige mudar paradigmas e demanda
uma visão de longo prazo.
5. Parar nos primeiros ganhos rápidos
A mudança lean completa em uma empresa leva anos, mas os
resultados surgem no curto, médio e longo prazos.
O nível de desperdícios nas companhias é, em geral,
tão elevado, e os conceitos lean são tão poderosos,
que resultados enormes são conseguidos rapidamente em
praticamente todos os casos. Basta aplicar algumas ferramentas que
melhorias importantes aparecem.
O problema é se a coisa parar por aí. Os ganhos
rápidos são o combustível e a
motivação para a continuidade, mas se a gestão lean
não continuar a ser praticada, de forma cada vez mais profunda,
expandindo-se para toda a empresa, esses ganhos imediatos não se
sustentam.
Muitas companhias conseguem sucesso em uma implementação
piloto. Essa é uma estratégia interessante para gerar
aprendizado. Porém, escalar e levar essa experiência
à organização toda exige um grau muito maior de
planejamento e de envolvimento da liderança para que a
transformação se sustente e expanda.
6. Desconsiderar o ambiente específico
A gestão lean tem sido aplicada em todos os setores, existindo
milhares de casos que comprovam seu sucesso nos mais diversos tipos de
atividades. Os princípios são gerais, mas exigem uma
compreensão específica em cada situação.
É por isso que falamos que a aplicação do lean
é situacional. Precisa focar nos problemas que devem ser
resolvidos especificamente naquela empresa naquele período. E
requer ser entendida por todos. Portanto, a forma como é
apresentada e comunicada demanda respeitar as pessoas daquele ambiente
específico, usando terminologia e enfoques adequados aos seus
processos.
7. Isolar-se em guetos
Até hoje há pessoas que usam termos como “lean
production” ou “lean manufacturing”.
Esses rótulos surgiram faz mais de três décadas. E
logo em seguida foi demonstrado que lean é na verdade um sistema
de negócio que se aplica à empresa toda.
É claro que faz todo o sentido iniciar a aplicação
do lean nas operações, no core business da
companhia, seja ela de manufatura ou de serviços. Afinal, ali
é gerado o valor entregue ao cliente.
Só que a adoção lean não pode ficar restrita
a apenas uma área. Se todas as atividades da
organização e até mesmo de seus fornecedores
não forem integradas em fluxos de valor, ponta a ponta, os
resultados serão sempre limitados e parciais.
8. Negligenciar o aprendizado
Lean é antes de tudo gerar aprendizados. Isso significa fazer
inúmeros ciclos rápidos de PDCA nos vários
níveis da organização, aplicar métodos
sistematizados de solução de problemas e padronizar as
melhorias desenvolvidas.
Por vezes, vemos esse esforço enorme no início, mudando
completamente o planejamento, os processos, o layout e implantando
várias rotinas lean. A empresa passa a funcionar de uma forma
totalmente diferente.
Só que se você voltar lá após alguns meses e
tudo estiver da mesma forma, algo está errado. Se todos
não se sentirem desafiados a fazer algo melhor a cada dia, a
essência do lean está faltando: o aprendizado e a melhoria
contínua.
9. Focar só em resultados e não em processos
Não existe forma comprovadamente mais efetiva que o sistema lean
para se obter resultados superiores. No entanto, os dirigentes que focam
somente nos resultados em si, mas não na forma como são
obtidos, estão longe dessa filosofia de gestão. Correm o
risco de estimularem ações imediatistas que podem
até comprometer o desempenho futuro.
A mentalidade enxuta foca na melhoria dos processos, mobilizando todos
para entenderem detalhadamente os desperdícios, questionando o
fluxo todo e o valor que ele entrega aos clientes. Os resultados
são a consequência.
10. Mudar processos sem mudar pessoas
Essa é a última e talvez a mais importante armadilha:
acreditar que lean é algo puramente técnico. Por exemplo,
achar que basta aprender como calcular um kanban ou como
balancear uma célula para que tudo aconteça.
Quem faz o lean acontecer são as pessoas. Não se muda
resultados sem mudar processos. E não se muda processos sem mudar
as pessoas. São os indivíduos que se comprometem,
identificam e resolvem os problemas e mantêm os sistemas
melhorando continuamente.
Seres humanos têm medos, inseguranças e resistem a
mudanças. Porém, podem superar tudo isso e fazer a
diferença se engajados e motivados por lideranças com
comportamentos adequados e que sejam muito mais mentores do que
controladores.
Como fugir dessas armadilhas?
É claro que ninguém planeja conscientemente cair em uma
dessas ciladas. No entanto, as decisões tomadas no dia a dia da
implementação lean podem facilmente levar a jornada a
alguns desses becos sem saída.
Conhecer quais são as armadilhas e ficar atento a elas é
fundamental. E ao primeiro sinal de que estejam ocorrendo, é
preciso discutir imediatamente como superá-las.
Melhor ainda é planejar os passos da jornada desde o
início, de forma que os entraves nunca ocorram, com uma
visão estratégica, puxada pela liderança, e com
envolvimento de todos. Só assim o caminho de maior
agregação de valor aos clientes e de resultados superiores
poderá sempre evoluir de forma contínua e robusta.