Algo que chama a atenção quando visitamos o gemba de empresas é perceber que boa parte delas ainda têm problemas, por vezes básicos, de qualidade em seus processos, produtos e serviços.
É incrível como diversas empresas, mesmo com sistemas de gestão complexos, ainda enfrentam problemas sérios e frequentes com relação à qualidade. O fato é que investimentos enormes, focados principalmente em documentações e inspeções, dificilmente levam a melhores produtos ou clientes mais satisfeitos. Muitas vezes, acabam se tornando mecanismos burocráticos, de alto custo, que não resultam em qualidade superior.
Na gestão lean, a elevada qualidade em tudo que se faz é decorrência da busca incessante para agregar valor aos clientes (abrangendo todos os processos). Começa com o exemplo da liderança e depende totalmente do comprometimento de todos. O intuito final não é apenas atingir um nível determinado de qualidade, mas sim melhorar sempre. Simples assim?
Claro que isso é simples de se compreender, mas difícil de ser colocado em prática, pois depende de uma grande mudança de mentalidade.
Como quase tudo em gestão, essa mudança começa pela liderança, dando o exemplo de que qualidade, como decorrência do foco no cliente, é prioridade absoluta da empresa.
Trabalhar e fazer tudo com qualidade torna-se a coisa mais importante da organização – somente depois de segurança, claro, que é algo indiscutível. Obter bons resultados para a empresa (financeiros, de mercado, crescimento etc.) são consequências desse enfoque.
Todos os colaboradores da empresa percebem facilmente se esse é o recado e exemplo que vem da liderança através de atitudes cotidianas. Isso pode ser observado nos mínimos detalhes, como, por exemplo, nas perguntas que os líderes fazem quando visitam um local de trabalho, se a qualidade está entre as principais preocupações.
Essa mentalidade precisa permear todos os processos. Começa, por exemplo, desde o desenvolvimento de produtos. É nesta etapa crítica que se identifica as necessidades dos clientes e o valor que a empresa pretende entregar. Empresas líderes nunca buscam ofertar produtos que estejam “na média do mercado”; elas sempre buscam oferecer algo superior, inovador, acima do que já existe.
Essa postura se reflete em todo o processo de desenvolvimento. Ensaios e simulações não são realizados somente para comprovar que os produtos atendem a parâmetros mínimos de norma. Buscam entender os comportamentos e limites, de forma a gerar conhecimento para desenvolver produtos que extrapolem especificações de qualidade e durabilidade, por exemplo. Fornecedores chaves não são escolhidos pelo menor preço, mas sim pela capacidade em trazer novos conhecimentos e de contribuir para o desenvolvimento de produtos excelentes.
Ao criar um produto, no fundo se está concebendo um novo fluxo de valor, incluindo seu processo de produção e todas as conexões com a cadeia de suprimentos, venda, marketing e distribuição. Aqui entra mais um elemento fundamental da qualidade, do ponto de vista lean: desenhar processos que embutam qualidade na fonte.
Produtos simples e fáceis de se manufaturar, processos de produção robustos e com tecnologia na medida certa, flexibilidade e compartilhamento de linhas de diferentes produtos, potencializando o aprendizado e a estabilidade, fluxos de informação simples e diretos e diversos outros conceitos são aplicados nessa etapa buscando gerar qualidade na fonte. Um bom exemplo dessa mentalidade são os dispositivos à prova de erro, ou poka-yokes, que impedem, muitas vezes fisicamente, que um erro seja cometido.
Produtos e processos planejados para maximizar a qualidade são uma base fundamental, mas esse objetivo só vai ser atingido se os sistemas de gestão que colocam tudo isso em prática tiverem o foco principal em desenvolver e comprometer as pessoas para entregar elevado valor ao cliente em cada atividade que desempenham e para melhorarem tudo que fazem dia a dia.
Diversos elementos do sistema lean de gestão contribuem para isso, a começar pelo trabalho padronizado, que para a mentalidade enxuta é algo muito além de padrões de trabalho tradicionais. Significa analisar e definir, de maneira detalhada, como cada atividade será realizada de uma forma otimizada, produtiva, em fluxo, segura e que garanta a qualidade.
Ao se estabelecer esse trabalho padronizado, com participação dos líderes de time e trabalhadores, desenvolve-se um compromisso e um parâmetro claro do que se espera em termos de qualidade, produtividade, entrega e outros requisitos. Além disso, o próprio time avalia se está atingindo os objetivos, a cada momento, através de gestão visual e gerenciamento diário.
Esse engajamento dos funcionários tem como contrapartida o compromisso da liderança em apoiar os funcionários para realizarem o trabalho da melhor forma possível, ajudando imediatamente a estabelecer as condições planejadas através de cadeias de ajuda quando ocorrem desvios.
A combinação de todos esses elementos gera condições únicas para que ocorra o componente mais importante do sistema lean: a melhoria de produtos e processos, todo dia e com a participação de todos. A cada problema que surge, os times estão preparados para analisar com método científico as causas, gerando contramedidas efetivas e praticando o PDCA. Para isso, os líderes atuam como mentores, desenvolvendo as habilidades de solucionadores de problemas em cada colaborador.
Se esses elementos combinados forem disseminados e efetivamente colocados em prática, garantir a qualidade não será a tarefa de um departamento ou de inspetores, mas sim o compromisso de todos. Somente dessa forma uma organização conseguirá entregar aos seus clientes elevada e diferenciada qualidade, melhorando sempre.