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Na saúde, a “era das ferramentas” dá lugar a um “novo modelo de gestão”

Flávio Augusto Picchi e Flávio Battaglia
Na saúde, a “era das ferramentas” dá lugar a um “novo modelo de gestão”
Com isso, percebe-se uma mudança significativa nas atitudes cotidianas das pessoas que lidam diretamente com o cuidado nos hospitais e clínicas que estão se aprofundando na adoção do sistema lean.

Não é de hoje que as organizações do setor de saúde – como hospitais, clínicas, laboratórios e até mesmo indústrias farmacêuticas e seguradoras – mostram interesse pelo sistema lean.

Não poderia ser diferente porque, como sabemos, trata-se de um setor em que, assim como nos demais, há cotidianamente uma série de problemas que se repetem e cujos efeitos geram baixa agregação de valor e muitos desperdícios, o que é fruto, em última instância, de modelos de gestão ultrapassados, mas que ainda se mantêm bastante vivos.

A diferença é que num hospital, por exemplo, processos ruins, mal pensados e mal executados podem provocar obviamente prejuízos e danos muitas vezes graves ao paciente, que é o centro das atenções e para o qual todos os elementos de uma boa gestão devem – ou deveriam – convergir.

Assim, o sistema lean encontrou um campo fértil para crescer e se desenvolver na área da saúde, algo que se intensificou muito no Brasil desde o início deste século. Alguns hospitais e clínicas de ponta começaram a perceber, muito rapidamente e na prática, que o modelo lean melhora concretamente algo que é muito caro a quem trabalha nesse setor: o impacto direto na qualidade e na segurança do cuidado.

A novidade, porém, é que só muito mais recentemente vem ocorrendo uma mudança extremamente positiva dentro de grandes organizações de saúde com relação a esse fenômeno. É que muitas delas estão, cada vez mais, adotando lean não mais com o foco em melhorar processos pontualmente, mas como ingrediente fundamental de seus modelos de gestão.

Antes, os hospitais utilizavam o lean como uma “caixa de ferramentas” que conseguia, muito rapidamente, identificar em trabalhos pontuais quais eram os gargalos, os retrabalhos, os desperdícios, atacar suas causas e gerar novos processos, muito mais seguros, econômicos e produtivos. Com esse enfoque, muitas melhorias foram feitas, reduzindo filas em pronto socorros, aumentando a utilização de centros cirúrgicos, aumentando a precisão e a agilidade do suprimento de medicamentos etc. Esses primeiros resultados foram fundamentais para mostrar os ganhos que o lean poderia trazer, mas na verdade ganhos muito maiores ainda estavam por vir.

Agora, surge e se intensifica uma nova “onda”, de um jeito diferente de adotar lean, com muito mais ênfase na gestão, no gerenciamento diário, na forma como os problemas são expostos, documentados e resolvidos. E não mais apenas buscando melhorar processos aqui e ali. O entendimento sobre o lean como algo sistêmico vem aumentando nas organizações de saúde. É essa a essência do novo modelo de gestão que, cada vez mais, vem sendo absorvido, indo muito além das ferramentas, e que faz com que os resultados em termos de qualidade de atendimento, segurança do paciente e racionalidade e produtividade de processos deem um salto e se tornem muito mais sustentáveis, por se incorporarem a uma nova forma de trabalhar.

Esse movimento está provocando, de forma lenta e gradual, em muitos hospitais e clínicas, por exemplo, uma substituição daquele típico modelo de gestão, baseado em “comando e controle”, para um modelo essencialmente lean. Com isso, ocorre uma mudança significativa na postura e nas atitudes das pessoas.

Gestão “comando e controle” na área da saúde

Nesse modelo de gestão, as pessoas que estão trabalhando no cotidiano do cuidado, tendo contato com o paciente, não têm “poder”, ou seja, não têm meios, não têm “voz”, no sentido de conseguirem propor melhorias ou aperfeiçoar o trabalho que estão fazendo.

Os hospitais, com suas áreas e setores, têm administradores, sejam diretores, chefes etc. É dessas pessoas que partem o “comando” e o “controle” da organização. Isso, historicamente, sempre deu a elas uma autoridade que é respeitada por todos os subordinados que atuam no cuidado. Trata-se de um ambiente em que o que essas lideranças dizem é a “lei”.

Assim, cria-se um modelo em que enfermeiros, técnicos de enfermagem, profissionais da farmácia… enfim, diversos profissionais que lidam cotidianamente com os pacientes não têm canais adequados para relatar e exteriorizar problemas, o que está ocorrendo de errado e onde estão as oportunidades de melhorias.

Então, nesse sistema tradicional de gestão, seja em hospitais ou em qualquer outro tipo de organização,  a contribuição do indivíduo, feita de forma estruturada e por todos, a cada dia, não tem força, porque o modelo de gestão, em essência, não contempla isso.

Gestão lean na área da saúde

A partir do momento em que se leva para esse ambiente os elementos, os conceitos e a técnicas lean, como rounds diários, dinâmicas de identificação e solução de problemas, quadros de gestão à vista, maneira de resolver problemas usando o método A3…, essas engrenagens permitem que as observações e as ideias das pessoas sobre os problemas cotidianos, e sobre como resolvê-los, comecem a aparecer.

Então, uma das primeiras coisas que se fortalece nessa mudança de modelo de gestão é a participação das equipes, daqueles que estão em contato com o atendimento, com o cuidado, que começam a pensar e agir de uma outra forma, que não mais daquela maneira passiva, mas de uma forma mais ativa e envolvente.

Essa nova postura gera uma série de impactos imediatos dentro de um hospital. Isso impacta na segurança do paciente, na qualidade do cuidado, na produtividade dos trabalhos, na eliminação de desperdícios, na economia de tempo e na diminuição de filas, gerando um cuidado muito melhor e mais seguro e também obviamente economia de custos e melhores resultados financeiros. E de uma maneira que se incorpora ao dia a dia e continua evoluindo e expandindo continuamente. Além disso, essa nova maneira de fazer gestão abre espaço para revitalizar o ambiente de trabalho, trazendo novos níveis de engajamento por parte dos profissionais da saúde, em diferentes níveis e funções gerenciais.

Essa evolução da aplicação lean, de um foco em ferramentas e aplicações pontuais, para uma mudança no sistema de gestão e liderança, já vinha ocorrendo há mais tempo em muitos setores. Sua chegada com toda força ao setor da saúde é uma demonstração de que o sistema lean caminha para se consolidar no setor, o que pode trazer enormes impactos positivos e duradouros. Uma boa notícia para uma área em que as carências são enormes.

Publicado em 04/04/2019

Autores

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil
Flávio Battaglia
Presidente do Lean Institute Brasil

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