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Proliferação de “melhorias fake” exige PDCA

Flávio Augusto Picchi
Proliferação de “melhorias fake” exige PDCA
Se na sua empresa há cada vez mais “melhorias” superficiais, que na verdade não resolvem os problemas, é sinal de que é preciso reforçar o método científico, aprofundando o PDCA.

Não existe nada mais importante na filosofia lean do que a criação de um ambiente onde ocorram diariamente melhorias efetivas com a participação de todos, eliminando desperdícios e aumentando o valor entregue aos clientes.

 Muitos se iludem achando que já atingiram esse estágio. “Aqui já temos o departamento de melhoria contínua”; “todos já foram treinados em ferramentas da qualidade”; “já aplicamos o PDCA”... são frases que escuto com frequência.

Mas em muitos casos o que vejo são melhorias superficiais, que não se sustentam, não têm continuidade. Da mesma forma que aumenta a preocupação de todos com a perniciosa proliferação das chamadas “fake news”, temos que tomar cuidado com a multiplicação, nas empresas, das “melhorias fake”.

E o que são essas melhorias?

São aquelas “melhorias” que parecem verdadeiras, mas se você olhar um pouco mais de perto, vai perceber que elas são falsas, têm efeitos mínimos ou mesmo nulos. Pessoas se reúnem, uma grande energia é despendida, eventos e premiações acontecem, mas o resultado, no final das contas, não aparece para o cliente, nem no resultado da empresa.

Para ficar mais claro, vamos a alguns exemplos de melhorias fake que observamos com frequência por aí:

  • Melhoria Rambo – feita por um herói, que vai atropelando todos pelo caminho;
  • Melhoria elitizada – realizada por um especialista trancado em um escritório, sem verificar in loco o que acontece com as pessoas envolvidas;
  • Melhoria MacGyver – mirabolante, cinematográfica, pirotécnica, mas provavelmente algo muito mais simples e de menor risco teria maior chance de dar certo;
  • Melhoria goela abaixo – proposta por alguém, que acha sua ideia genial e tenta impô-la a todos os envolvidos, que, por não compreenderem o sentido daquilo, acabam boicotando;
  • Melhoria boomerang – fica na superficialidade, não identifica a causa raiz, e o problema acaba sempre voltando;
  • Melhoria gerúndio – nunca sai do papel: aquela do tipo “estamos fazendo, estamos estudando, estamos planejando as ações, pedindo recursos...”, mas nada de efetivo acontece. Os resultados não aparecem, e a empresa fica esperando...;
  • Melhoria miragem – as pessoas acham que fizeram um belo trabalho, acham que algo melhorou, mas nenhum indicador comprova isso;
  • Melhoria “não é comigo” – é aquela em que todos os problemas são originados em outras áreas, todos precisam mudar algo, menos a pessoa que está propondo as “melhorias”;
  • Melhoria pipoca – surge aleatoriamente, mas acaba não tendo vida longa, sufocada por problemas que deveriam ter um enfoque mais sistêmico e menos pontual;
  • Melhoria “estou sem tempo” – ideias boas são identificadas, com resultados potenciais importantes, mas ninguém prioriza sua implementação, e elas acabam esquecidas;
  • Melhoria déjà vu – após grandes análises chega-se a “soluções” que já haviam funcionado muito bem no passado, mas que foram abandonadas por falta de disciplina ou... ninguém sabe o porquê;
  • Melhoria “é a que dá” – é aquela mais fácil de se fazer, mas que não é o que precisaria ser feito para gerar maior competitividade da empresa. É a velha história de focar na formiga deixando o elefante passar;
  • Melhoria do tudo ou nada – disfarçados de puristas, seus proponentes alegam que ou se vai para uma solução ideal – que, já se sabe, demorará anos, dependerá de enormes recursos etc. – ou não se faz nada, o que serve de desculpa para o imobilismo;
  • Melhoria nice to have – seu proponente fica desafiando a todos: “mas isso não está errado? Não podemos melhorar?”. Tudo sempre pode melhorar, o difícil é priorizar e identificar o que precisa ser melhorado;
  • Melhoria do desperdício – melhorias que minimizam os efeitos dos desperdícios (por exemplo, melhor administração de horas extras), o que faz com que se conviva mais tempo com o problema, sem resolvê-lo, pois não se vai à origem (por exemplo, por que temos tantas horas extras?);
  • Melhoria “foi fácil” – se alguma situação exige um desempenho melhor, rapidamente ele aparece, sem nenhuma mudança no processo, deixando claro que simplesmente foram queimadas gorduras evidentes que todos já conheciam, mas que deixavam lá como um buffer;
  • Melhoria jump to solution onde se pula para a solução, sem sequer entender o problema e muito menos suas causas;
  • Melhoria ostentação – é aquela melhoria que consome muitos recursos, que é high tech, que enche os olhos dos visitantes, mas que não resiste à pergunta: que problema você queria resolver mesmo? Por que precisamos disso agora?

Brincadeiras à parte, sabemos que esse tipo de coisa acontece cotidianamente nas empresas.

Todas essas são, na verdade, melhorias fake, pois não são reais, não melhoram os processos da empresa nem as capacidades das pessoas em resolver problemas, pela forma equivocada como ocorrem. É por isso que elas não se mantêm. Dão a impressão imediata de que algo melhorou, mas logo tudo volta como era antes ou até pior.

Não é fácil criar um ambiente onde as verdadeiras melhorias ocorram permanentemente. O sistema lean busca isso através de diversas formas, que interagem entre si: amarrando as melhorias necessárias com as necessidades do negócio, envolvendo todos, realizando ciclos rápidos de aprendizado, utilizando processos simples e expondo problemas rapidamente. E, principalmente, desenvolvendo todos no método científico de solução de problemas, nosso velho conhecido PDCA, mas praticando profundamente, e não de maneira superficial.

Se a sua empresa sofre com problemas – e todas sofrem –, não se iluda com a “era fake” das melhorias. Provavelmente há muitas dessas melhorias falsificadas no cotidiano da sua organização. Acabe logo com essa mentira.

Publicado em 04/04/2018

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil

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