Uma nova visão vem ganhando força nos hospitais e instituições de saúde no país. Tem sido crescente a implementação da filosofia lean nos diversos fluxos hospitalares. E está acontecendo em boa hora. Sofremos muito no Brasil com a má gestão na área da saúde. O desempenho do sistema é visto como muito ruim pela maioria da população.
O sistema público que atende a maioria é de má qualidade e não é capaz de oferecer minimamente serviços de acordo com a demanda. Longas esperas para consultas, exames e cirurgias, frequentes erros medico e hospitalares, comunidades sem nenhum serviço, etc. são mostrados com frequência nas mídias jornalística e social.
O sistema privado é caro e restrito a cerca de 20% da população, e também é causa frequente de reclamações dos clientes, juntamente com operadoras de planos de saúde, que continuam vendendo contratos obscuros com relação à cobertura dos serviços.
Na maioria dos casos, a gestão na área da saúde não consegue utilizar adequadamente os recursos disponíveis. São constantes os casos expostos publicamente de desvios, de mau uso de equipamentos, pessoas e instalações. Esses problemas vêm se agravando apesar das reconhecidas melhorias tecnológicas e dos esforços de muita gente dedicada e qualificada da área médico-hospitalar.
As soluções comumente pensadas são as tradicionais: precisamos de mais recursos! Maior parcela do orçamento público, mais impostos para gerar mais recursos para o sistema, mais médicos (que virou até nome de programa do governo federal), mais hospitais, mais equipamentos, mais pessoal etc. Ou seja, não há uma preocupação real com ganhos de eficiência e qualidade, derivados de melhores métodos de gestão.
Conhecemos esse modo de pensar “comum”, que foi dominante na indústria por muitos anos. Com o tempo, fomos percebendo que era possível fazer muito mais com muito menos. E que mais recursos nem sempre garantem melhores resultados.
No leanmail “Lean em Hospitais”, de Junho de 2009, havíamos anunciado nosso desejo de começar a contribuir para minorar esses problemas, atuando mais fortemente no setor de saúde através do desenvolvimento de métodos e abordagens específicas. Já havia um movimento crescente em outros países e julgamos que seria apenas uma questão de tempo para que hospitais e instituições de saúde brasileiras percebessem essa oportunidade e fizessem as primeiras tentativas.
O que aconteceu de lá até hoje? Tivemos progressos? Quais foram as dificuldades e aprendizados?
Os primeiros casos pioneiros de lean em saúde no Brasil começaram a surgir. No início, tivemos que ir vencendo a “síndrome do não se aplica aqui” ou “aqui é diferente” ou “hospital não é linha de montagem”. Isso já havia acontecido anteriormente quando as pessoas diziam “não se aplica à indústria farmacêutica” ou “o setor de serviços tem características particulares” etc. Após alguns testes iniciais e verificados os resultados, essa visão começou a mudar.
Isso reflete a confusão inicial: encarar lean como um conjunto de ferramentas e não uma filosofia ou sistema de gestão. Assim, é evidente que as necessidades e problemas do setor de saúde requererem abordagens e técnicas diferentes que vão sendo definidas e aprendidas à medida que vão sendo testadas e ajustadas.
O equívoco de se aplicar as ferramentas de maneira isolada, sem necessariamente entender as reais necessidades, os reais problemas, também aconteceu ao longo da expansão do lean para diferentes segmentos da indústria e do setor de serviços. Talvez consigamos evitar que isso ocorra na saúde, que poderá aprender com as dificuldades de outros setores.
No setor de saúde, em particular no sistema privado, tem havido esforço significativo para implementar sistemas de “acreditação”, semelhantes aos sistemas de certificação que existem na indústria. Os esforços requeridos são grandes para algumas instituições e tendem a ser vistos como suficientes por muitos. Porém, as experiências iniciais com lean em alguns hospitais que estavam buscando essas certificações tem mostrado como o potencial do lean vai muito além disso.
Nos Estados Unidos, que têm um sistema privado dominante, as mais importantes instituições de saúde estão utilizando o sistema lean com significativos resultados há mais de uma década. O mesmo tem ocorrido em países onde o sistema é majoritariamente público, como Austrália e Inglaterra.
Não há mais dúvidas de que a filosofia lean é aplicável na saúde e traz resultados muito superiores aos métodos de melhoria comumente utilizados pelo setor, muito baseados na permanente adição de recursos e novas tecnologias. Os princípios essenciais da filosofia lean se aplicam tanto a uma produção de bens materiais em larga escala, quanto para a realização de um serviço médico-hospitalar.
A experiência em vários setores industriais e de serviços nos mostra que lean transforma as organizações em ambientes onde se desenvolvem as habilidades para resolução de problemas e implementação de melhorias por todos os níveis. E temos testemunhado progressos promissores na aplicação do lean nos principais fluxos de valor dos hospitais, como o fluxo de pacientes, medicamentos, equipamentos, informações, entre outros.
Em síntese, podemos conclamar as primeiras vitórias parciais. Mas são ainda muito iniciais.As primeiras experiências ainda são muito restritas e estão sendo concluídas e avaliadas, os aprendizados analisados e os resultados acompanhados.Estamos apenas começando. O potencial de ganhos com o sistema lean na saúde são os mesmos que já foram conquistados em outros setores (a capacidade pode dobrar ou a quantidade de recursos pode cair pela metade num primeiro momento).
E depois continuar com novos processos, equipamentos e instalações concebidos através da filosofia lean para reduzir a necessidade de investimentos e trazer ganhos a todos os envolvidos no sistema (pacientes, planos de saúde, governos, colaboradores etc.).
Nossos esforços para aprofundar e estender o lean na saúde continuarão nos próximos anos.
De imediato, realizaremos o primeiro Lean Summit Saúde em Novembro, um evento internacional que contará com 3 casos brasileiros e dois convidados internacionais dos EUA que compartilharão suas experiências e aprendizados, dentre eles o Dr. John Toussaint, autor do livro “Uma Transformação na Saúde”, nossa primeira publicação dedicada ao tema.
E agora estamos prestes a lançar o nosso segundo livro em saúde, intitulado “Aperfeiçoando a Jornada do Paciente”. Trata-se de uma contribuição com técnicas e métodos adequados para ajudar as equipes nos hospitais a trabalharem juntas nas melhorias dos principais fluxos de valor dentro de hospitais e clínicas médicas.
Desenvolvemos um modelo de transformação específico para o setor de saúde e continuaremos a trabalhar apoiando diretamente a implementação e a formação de equipes para promover e sustentar melhorias nos hospitais. Continuaremos oferecendo treinamentos públicos e nas empresas. E esperamos continuar compartilhando nossos aprendizados através de publicações e eventos.
Sabemos que os desafios serão enormes, mas os benefícios em termos de serviços melhores e mais baratos para toda a sociedade certamente valerão a pena.