Tradução: Odier Tadashi.
Introdução
A produção lean elevou drasticamente a competitividade de muitas empresas de manufatura e o valor que elas entregam aos seus clientes. Mais do que isso, notícias estimulantes surgem de todas as empresas que abraçaram os fundamentos lean e os dirigem para áreas não produtivas, como desenvolvimento de produtos, compras, logística e engenharia.
Apesar destes triunfos, muitas empresas que visito estão paradas na primeira etapa dos seus esforços lean. Estão tentando criar fluxo, mas não conseguem "tração" suficiente. Há muitas razões para este pouco progresso. Liderança insuficiente, recursos ou baixo comprometimento são alguns dos motivos mais comuns. Mas uma falha negligenciada e recorrente que tenho visto cada vez mais freqüentemente é a falta de "estabilidade básica" nas operações de manufatura. Muito simples: não há fluxo porque pontos-chaves não funcionam..
As lutas iniciais da Toyota
Taiichi Ohno, principal arquiteto da produção lean, desenvolveu seus elementos centrais na Toyota Motor Corporation, no Japão entre 1950 e 1955. Durante este período de cinco anos de aprendizagem, Ohno fez experiências intensivas nas fábricas gerenciou. Conceitos chaves, como tempo takt, fluxo contínuo, trabalho padronizado, troca rápida de ferramentas e mecanismos básicos do sistema puxado, foram todos testados e refinados sob sua supervisão.
Infelizmente, muito pouco foi escrito sobre o trabalho de Ohno. Hoje apenas ouvimos as histórias de sucesso da produção lean e a natureza marcante do Sistema Toyota de Produção (TPS). Das entrevistas e conversas que tenho tido com os executivos aposentados da Toyota, obtive uma perspectiva diferente sobre como deve ter sido difícil para se estabelecer os princípios básicos do lean.
Estes comentários são reflexões típicas da época:
• "Nosso processo de troca de ferramenta era horrível e demorava de um a dois turnos para ser concluído. Além disso, a qualidade das primeiras peças nunca era boa".
• "Nossos equipamentos de precisão eram todos da Alemanha ou dos Estados Unidos. Nossa disponibilidade, em média, era de 50-60% do total, no máximo, e lutávamos com a documentação estrangeira e com o recebimento de peças de reposição vindas de fora".
• "Nunca tínhamos as peças que precisávamos, quando precisávamos. O material era escasso e sempre produzíamos demais da coisa errada".
• "Nossos funcionários queriam trabalhar em uma única máquina e do jeito deles. Existiam montanhas de WIP entre os processos, pois as velocidades das máquinas não estavam totalmente sincronizadas com a demanda do cliente (tempo takt)."
Os praticantes lean devem se sentir encorajados tendo como exemplo esta tentativa inicial da Toyota. Ninguém jamais disse que fazer mudanças radicais e melhorias fossem tarefas fáceis. O que a Toyota aprendeu, de maneira árdua, é que para iniciar uma transformação é necessária muita estabilidade básica antes dos elementos lean mais sofisticados serem utilizados.
A seqüência de implementação
A Toyota tem sido relutante em publicar, ou mesmo endossar, o que eles consideram como sendo o caminho certo para a implementação lean. Tal relutância é compreensível, dada a inerente tendência humana de procurar uma saída fácil ou de copiar respostas para tudo. Executivos da Toyota sempre sustentaram que TPS/Lean é um sistema de pensamento e o praticante deve "aprender-fazendo".
Quando pressionados, entretanto, veteranos da Toyota comentam que certas pré-condições são necessárias para que a implementação ocorra com maior tranqüilidade. Por exemplo, deve haver poucos problemas na disponibilidade dos equipamentos, o material deve estar disponível com poucos defeitos e deve haver forte supervisão nas linhas de produção. Estes são precisamente os problemas que, ainda hoje, vejo muitas empresas tentando resolver.
Claro que se nós esperarmos todos estes problemas serem resolvidos, nunca sairíamos do zero. Implementar conceitos e técnicas lean eliminará alguns destes problemas. A partir daí, temos um problema de interação seqüencial -- por onde começar?
Uma dica vem de como a Toyota trabalha com fornecedores estrangeiros. Os consultores de produção da Toyota freqüentemente seguem (mas não dogmaticamente) um padrão de implementação que ajuda a alcançar a estabilidade básica, aperfeiçoa o fluxo, ajusta o ritmo dos trabalhadores ao tempo takt, desenvolve o sistema puxado e nivela a produção. A ordem da implementação real, no entanto, depende do estado atual e, segundo as palavras de Ohno há 50 anos atrás, aconselhando as empresas, iniciar a partir do "seu ponto de maior necessidade". Para muitas empresas, isso significa mais esforços para alcançar a estabilidade básica antes de tentar conseguir um fluxo perfeito de produção.
Estabilidade básica
Sendo assim, o que é estabilidade básica? Na forma mais simples, pode-se dizer que implica a previsibilidade geral e disponibilidade constante em relação à mão-de-obra, máquinas, materiais e métodos – os 4M’s. De baixo de cada um desses blocos básicos da manufatura, a Toyota tenta estabelecer um processo consistente e previsível antes de avançar com os conceitos de fluxo e tempo takt.
O motivo é simples. Sem itens fundamentais, como disponibilidade das máquinas e recursos humanos adequados, você não pode operar uma linha de produção e obter fluxo perfeito em ritmo, de acordo com o tempo takt. Por exemplo, produzir de acordo com o tempo takt e obter fluxo perfeito pressupõem que o nível de disponibilidade das máquinas está adequado. O mesmo é verdade para o resto dos 4M’s.
Como você sabe se há estabilidade suficiente nas operações para continuar com o fluxo? A resposta depende da sua habilidade em atender a alguns requisitos primordiais:
• Você tem disponibilidade suficiente das máquinas para produzir de acordo com a demanda dos clientes?
• Você tem material suficiente em mãos, todos os dias, para cumprir a produção?
• Você tem funcionários treinados em quantidade suficiente para lidar com os processo atuais?
• Você tem métodos de trabalho, tais como instruções básicas, definidas ou padrões estabelecidos?
Se a resposta é enfaticamente "não" para qualquer uma dessas perguntas, pare e resolva o problema antes de continuar. Tentar fluir a produção exatamente de acordo com a demanda do cliente com operários despreparados, supervisão fraca ou poucas peças no lugar certo é a receita para o desastre.
Inversamente, não caia na armadilha de usar essas perguntas como desculpa para não andar pra frente. Lembre-se, você não precisa de disponibilidade perfeita para cobrir a demanda dos clientes. Se, por exemplo, o tempo takt de montagem é de 60 segundos e o tempo de ciclo dos processos fluxo acima é de 30 segundos, então você só precisa de algum estoque para funcionar como pulmão e uma disponibilidade ligeiramente superior a 50% para começar a estabelecer um melhor fluxo de produção baseado no tempo takt. O mesmo senso comum básico aplica-se também aos outros 4Ms. Por exemplo, se a linha precisar de oito pessoas para funcionar e você tiver consistentemente somente seis pessoas treinadas para fazer o trabalho, então você tem um problema de estabilidade básica.
Como garantir a estabilidade
Para se alcançar estabilidade básica, você deve se concentrar nos quatro elementos chaves, correspondentes ao 4M’s.
1. Mão-de-Obra
A estabilidade básica começa com mão-de-obra bem treinada. Felizmente, os funcionários tendem a conhecer o trabalho muito bem; ou todos nós estaríamos com sérios problemas. Entretanto, a Toyota nos anos 50 aprendeu alguns métodos básicos de supervisão de produção e como melhorar as técnicas e habilidades dos grupos de trabalho. Especificamente, eles adotaram um programa de treinamento industrial que os E.U.A. usaram durante a Segunda Guerra Mundial chamado Training Within Industry (TWI). Ele tinha três componentes específicos de treinamento para os supervisores de produção – Instrução de Trabalho, Métodos de Trabalho e Relações do Trabalho. Cada componente era um curso de dez horas que ensinava habilidades práticas de supervisão.
O Instrução de Trabalho ensinava aos supervisores como planejar os recursos corretos que precisariam na produção, como desdobrar as tarefas e como ensinar às pessoas de maneira segura, correta e consciente. O Métodos de Trabalho ensinava como analisar tarefas e como fazer melhorias simples dentro do seu domínio de controle. Cada e toda atividade era considerada para planejar a melhoria. Os supervisores aprenderam a questionar por que uma atividade era feita de determinada maneira e se era possível ser eliminada, combinada com outra, reorganizada ou simplificada. Relações no Trabalho ensinava aos supervisores como tratar as pessoas como indivíduos e a resolver problemas comuns de relacionamento humano no ambiente de trabalho ao invés de ignorá-los.
Tais treinamentos ajudaram os supervisores a criar uma rotina básica, disciplina e senso de justiça nos grupos de trabalho. Cinqüenta anos depois, os mesmo cursos TWI e princípios fundamentais constituem a base atual de treinamento para supervisores e grupos de trabalho na Toyota.
2. Máquinas
Não são necessários equipamentos com disponibilidades perfeitas, mas você precisa conhecer a demanda dos clientes, a capacidade do processo e a média real de produção.
A Toyota usa um documento básico chamado Folha de Capacidade de Processo para medir o verdadeiro potencial de produção de um processo durante um turno típico. Se você tem capacidade teórica, assim como uma capacidade demonstrada para suprir a demanda, então não há problemas. Instabilidades relacionadas a máquinas ocorrem apenas quando não há capacidade de produção demonstrada para suprir a demanda. Por exemplo, se existe uma demanda de 700 unidades por turno e a sua produção real é de apenas 500 unidades, apesar de ter capacidade para 1000 unidades, então é necessário maior disponibilidade.
Em casos como estes, Ohno mantinha pessoas observando máquinas com problemas durante as oito horas de um turno anotando dados de produção planejada versus a quantidade real em intervalos pequenos de tempo, variando de 15 minutos a 1 hora. No final do turno, todas as perdas e motivos reais eram identificados num Gráfico de Pareto. Reuniões simples e rápidas eram convocadas, quando necessárias, e planos de melhoria eram colocados em prática. Este é o fundamental respeito pelo "gemba" (do japonês para local real de trabalho) na Toyota.
3. Materiais
Em geral, o objetivo lean é reduzir o desperdício e diminuir o tempo compreendido entre o recebimento de um pedido até sua entrega. Normalmente, isto requer a redução dos estoques no fluxo de valor. Se você sofre com instabilidades básicas, entretanto, talvez necessite aumentar um pouco os estoques em determinados pontos do fluxo de valor, quando for o caso.
O motivo é que em alguns processos você pode fazer fluxo de uma peça ou de pequenos lotes. Porém, para um processo em grandes lotes, uma quantidade de peças em estoque é necessária para cobrir o tempo em que outras peças estão rodando ou ferramentas estão sendo trocadas.
Este acúmulo de peças necessárias (ou estoque necessário) é composto pelo que a Toyota chama de "estoque do ciclo" (quantidade de peças para cobrir uma demanda média e o tempo de acionar o reabastecimento), "estoque pulmão" (peças para cobrir variações fluxo acima ou da demanda do cliente) e pelo "estoque de segurança" (peças para cobrir perdas como refugos ou tempos de máquinas paradas que ocorrem naturalmente). Falhas em estabelecer esses "estoques pulmão" e "de segurança" em um ambiente instável realmente prejudicará a eficiência da linha de produção.
Dois pontos do conselho que recebi na Toyota surpreendem-me nesse tópico. Primeiro, nem todo estoque é desperdício. Apenas o estoque além do que é necessário para rodar o processo é desperdício. Segundo ponto, o estoque freqüentemente existe como um sintoma de um problema no processo. Resolvendo os problemas, obtém-se o direito de reduzir o estoque.
4. Métodos
Finalmente, para se obter a estabilidade básica precisa-se de métodos "padrão" para a manufatura. O ponto chave aqui é a definição do que é um "padrão". A definição normal de padrão é uma regra ou método de se fazer as coisas. O efeito colateral involuntário é que as pessoas não são encorajadas a questionar ou mudar as regras. "Nós fazemos assim porque assim é o padrão da empresa" é uma frase que freqüentemente ouço.
A definição de padrão na Toyota é ligeiramente diferente. Um padrão é uma "regra ou base para comparação". Um padrão nada mais é do que uma ferramenta de medição de como algo está sendo feito e uma referência quando se deseja mudar algo. O pensamento lean é sobre mudar os métodos de trabalho para se eliminar o desperdício e fazer melhorias. Os padrões devem ser o que usamos para medir e comparar nossas mudanças, pois assim poderemos saber ser o novo jeito de se fazer é melhor ou não.
Esta mentalidade da melhoria é incutida em todos os funcionários da Toyota desde o primeiro dia de trabalho. Todos são incentivados a fazer mudanças. Entretanto, as mudanças são implementadas e mantidas apenas se superarem o antigo padrão e, assim, poderão ser chamadas, adequadamente, de kaizen (mudança para melhor).
Sumário
Há muitos outros elementos de estabilidade básica na Toyota, sendo subitens destes quatro tópicos principais. Por exemplo, o conceito de métodos poderia ser expandido para incluir o 5S, controle visual, o bem conhecido gráfico de trabalho padronizado e outras ferramentas simples de gerenciamento do trabalho. Além disso, poderíamos adicionar um quinto M para "Metrics" (medições) sem problema algum.
Para finalizar: como muitos de nós hoje, a Toyota uma vez se esforçou grandiosamente para implementar a produção lean. Durante o caminho, descobriu que uma dose saudável de estabilidade básica é necessária antes de se tentar avançar para outros elementos. Assim como nós precisamos engatinhar e andar antes de podermos correr, as empresas freqüentemente descobrem que precisam melhorar a estabilidade básica antes de aperfeiçoar o fluxo e puxar.