O contínuo movimento de fusões e aquisições pouco parece interessar aos clientes. O foco dessas iniciativas tende a aumentar a lucratividade, o que muitas vezes se antagoniza com os desejos dos clientes.
As fusões e aquisições seguem intensas em todo o mundo. A cada semana, são anunciadas novas e frequentemente multibilionárias. Foram os casos recentes da Dell e EMC, ABInBev e SABMiller, Pfizer e Allergen, todas envolvendo valores acima de US$ 60 bilhões.
Porém, quando analisamos as principais razões para justificá-las, notamos que a preocupação com os clientes, ou seja, procurar agregar mais valor, quase sempre é negligenciada.
Cada fusão e aquisição têm um objetivo específico. No caso da Dell, produtora de equipamentos de informática, e EMC, produtora de equipamentos de armazenagem digital, o intuito foi de enfrentar o crescente desafio do mundo digital e das constantes inovações e disruptura na indústria de TI.
Para a fusão ABInbev e SABMiller, respectivamente a primeira e a segunda cervejaria do mundo, o esforço parece ser conquistar o domínio global em um produto e mercado tradicionais que também vêm passando por mudanças importantes.
E na maior das fusões recentes, a da Pfizer, empresa americana conhecida pela invenção e produção do Viagra, com a irlandesa Allergan, conhecida pela produção do Botox, há aparência de se preocuparem com a transferência da sede da nova empresa chamada Pfizer PLC para a Irlanda, implicando uma redução significativa de impostos.
A impressão que dá é que a lucratividade das empresas vem antes do interesse dos clientes, acima dos seus desejos e necessidades.
No caso da Dell-EMC, a nova empresa criada terá de lutar contra gigantes já estabelecidos, como Amazon, Google, IBM etc. E que se mostraram mais inovadores na gestão de serviços usando a nuvem (“cloud”).
Tende a ser difícil supor que a junção de duas empresas que têm se mostrado reativas nesse mercado tão dinâmico e inovador possa trazer alguma resposta melhor para os clientes.
No caso das empresas de cervejas, tem a ver com um mercado declinante e ocupado cada vez mais por cervejas artesanais. A ABInbev tem sido insaciável por comprar empresas em todo o mundo, começando pelo Brasil, onde juntaram as três companhias dominantes (Brahma, Antarctica e Skol) em uma só organização. E não pararam mais, engajando em aquisições de várias empresas em muitos países.
Muitos consumidores estão preferindo cervejas com paladar diferente das consideradas aguadas e muito parecidas cervejas tradicionais. Esse novo mercado cresce acima de 10% ao ano nos EUA, enquanto a venda de cervejas tradicionais está estagnada.
Tanto que a ABInbev está sendo investigada pelo Departamento de Justiça do Governo Norte-americano devido a alegação de que estaria inibindo a atuação das cervejas artesanais. Supostamente, elas estariam fazendo isso através da agressiva compra de distribuidores ou da pressão para impedi-los de vender cervejas artesanais. Sendo assim, bloqueariam o acesso dessas empresas, muito menores do que a gigantesca Ansheuser-Busch, aos clientes finais.
Interessante que a companhia estaria criando obstáculos para quem quer oferecer um produto com uma qualidade mais apurada e atendendo ao gosto de consumidores mais qualificados. Parece que muitos consumidores crescentemente continuarão seguindo essa tendência. Ou preferindo tomar vinho ou vodca em vez de cerveja.
A ABInbev também tem agressivamente comprado marcas artesanais, talvez sonhando com o dia em que talvez tenha todos os consumidores de cerveja de todo o mundo em suas mãos. Oferecendo uma enorme gama de produtos, mas todos de uma única empresa.
No caso das duas companhias farmacêuticas, seus produtos principais já têm escala global, e o esforço de P&D não deverá ter significativas alterações a partir da fusão, a menos que a empresa use os novos recursos gerados pela redução de custos para reforçar esses budgets.
Se uma empresa focaliza nos clientes em primeiro lugar, possivelmente não importa tanto o tamanho da empresa. Diferente disso, se uma empresa tem uma posição dominante no mercado, isso deve ser sinal de preocupação para os clientes.
Uma das principais preocupações das fusões e aquisições parece ser criar e consolidar oligopólios, apesar das regulações governamentais e dificuldades de se desenvolver mecanismos de regulação globais.
As fusões e aquisições trazem promessas de sinergias e de redução de custos, mas que frequentemente são frustradas pelos esforços internos de restruturação com a necessidade de acomodações, jogos políticos etc., como se vê em muitos casos.
A busca pela eficiência deve estar a serviço do cliente, oferecendo mais valor, e não simplesmente visando ao lucro. No modelo da gestão lean, o cliente vem sempre primeiro, e o lucro vem depois.
Fusões e aquisições podem ser úteis para acelerar entrada de novos mercados ou facilitar o acesso de clientes a determinados produtos. Fusões e aquisições que visam beneficiar os clientes. E não para tirar-lhes a quantidade de opções.
Fonte: Revista Época Negócios