O governo do Estado de São Paulo tentou implementar, por decreto, uma significativa reforma na educação estadual envolvendo uma maior especialização das escolas nos ciclos de ensino e a liberação de prédios escolares. Impactava quase 10% do total de estudantes. Na semana passada, decidiu suspender o plano. O que deu errado? O que poderia ter sido feito de diferente para reestruturar a educação em SP? O que precisa ser feito para dar certo?
Sabemos que a educação no Brasil é de péssima qualidade. São vários os indicadores internacionais que comprovam isso. Por exemplo, o PISA (Programme for International Student Assessment) faz uma avaliação do ensino básico no mundo. Uma de suas recentes edições, que mediu a capacidade de resolução de problemas de estudantes de 15 anos, levou o Brasil à 38a posição, em um total de 44 países.
Desse modo, seria louvável a iniciativa dos governos de fazer algo. Mas por que essa iniciativa deu errado? Seriam estudantes radicais se aproveitando e colocando o governo estadual na defensiva em um momento delicado da vida política nacional com pedido de “impeachment” da presidente da República sendo discutido no Congresso, com forte polarização política? Ou então, professores e pais de alunos não foram engajados e não apoiaram as mudanças? Ou ainda, teria havido falta de diálogo?
Embora esses motivos não possam ser excluídos, cremos que o maior problema no fracasso da reorganização foi o processo seguido. Sugerimos a seguir alguns passos típicos da gestão lean que poderiam ter sido adotados e que aumentariam as chances de sucesso da reorganização escolar.
1. Promover um entendimento prévio entre as partes envolvidas sobre a gravidade do problema, a necessidade de se fazer algo e o problema a ser atacado.
Seria fundamental haver uma grande concordância sobre a importância do problema e que precisamos fazer algo. O ex-secretário da Educação deu declaração pública sobre a péssima qualidade do ensino no Estado.
É importante reconhecer o problema. O que estamos tentando melhorar? Aonde queremos chegar? Essas definições precisam ser entendidas por amplas parcelas para que todos se movam em direção a uma situação melhor.
É preciso que as bases se mobilizem, talvez puxados pelos diretores das escolas, e envolvendo pais, professores e mesmo alunos, para discutir a gravidade do problema e suas implicações. Todos precisam reconhecer. Sem buscar culpados. Ou encontrar desculpas. Só procurando entender as causas e buscando alternativas.
Ou seja, o diálogo deveria ter começado desde o início, na construção de um entendimento comum da situação e na definição de uma situação-alvo. Por exemplo, sobre a importância de concentrar os ciclos, a necessidade de racionalizar os custos para poder concentrar os esforços na melhoria da qualidade ou sobre a possibilidade de melhor utilização dos edifícios públicos. Seria algo possível de ser entendido, principalmente no atual momento de forte recessão econômica, desde que bem comunicado.
Não se resolve todos os problemas de uma só vez. Na verdade, é melhor focalizar em um de cada vez. Qual era o problema que estava sendo resolvido com esse plano? Ficou a impressão de que o objetivo da reestruturação era fechar escolas, que pode ter, em si, uma conotação extremamente negativa.
2. Após um acordo básico, fazer “pilotos” para testar alternativas, aprender e criar consensos.
Toda a vez que um programa, proposta ou plano amplo como esse é definido “top-down”, as chances de sucesso são pequenas, independentemente da qualidade das ações sugeridas.
Há sempre múltiplas alternativas para se resolver um problema ou fazer uma melhoria. Assim, o governo do estado poderia fazer alguns pilotos, iniciativas controladas, nas quais suas hipóteses de que a mudança na alocação dos estudantes com base nos ciclos ajudaria a melhorar a qualidade seriam testadas.
Com isso, estariam criadas as condições para ajudar no convencimento de que as ações propostas trariam um impacto positivo na educação.
Nessa fase, o diálogo e o envolvimento dos interessados deveriam ser orientados para construir, juntos, alternativas que seriam testadas na prática e analisadas para verificar os impactos e benefícios concretos. E não “dialogar” a partir de decisões tomadas.
3. Desdobrar os pilotos.
A cada estágio de disseminação dos pilotos, novos aprendizados ocorreriam e novas ideias poderiam surgir. Um eventual plano mestre inicial iria, então, sendo modificado na medida em que seriam melhor entendidos os impactos das medidas sobre o desempenho. Mesmo porque há inúmeros fatores adicionais envolvidos no desempenho escolar dos alunos. A mudança na estrutura dos ciclos pode ser um deles. Mas certamente não é o único.
Nesse processo, outras questões poderiam ter sido levantadas: não seria o caso de se fazer um plano específico para cada região? Ou, no limite, para cada escola? Será que outros fatores, que não só a reorganização por ciclos, deveriam ter sido atacados em paralelo para melhorar o desempenho escolar?
A partir desse processo mais científico, com base em experimentos, análises e diálogos com todos os envolvidos em todas as fases, seria construída uma nova situação, na qual cada escola poderia (e deveria) ser responsável por fazer melhorias em suas práticas para garantir um melhor desempenho escolar.
Embora possam e devam ser definidas políticas gerais, é possível construir um plano de melhoria para cada escola. E a comunidade envolvida deveria ser responsável por elas.
Achar que as soluções e decisões devem ser tomadas em um gabinete, e que haja um diálogo após um plano já definido, por melhor que ele possa ser, são certamente caminhos abertos para o fracasso.
Pode ser que a restruturação dos ciclos seja fundamental mesmo. Pode ser essencial reduzir os custos para poder concentrar-se na qualidade. Mas isso deveria ter sido acordado por muitos. Os fatos e dados resultantes desses experimentos e testes falariam por si.
Muitas grandes empresas já passaram por isso e aprenderam que reestruturações “top down”, por decreto, não funcionam. Após anos de experiências (e fracassos) com grandes programas massivos de restruturação no setor privado, podemos extrair algumas lições úteis para os governos e para a transformação da educação.
O melhor é fazer uma reorganização de “baixo para cima”, com as necessidades e objetivos fundamentais – no caso, a melhoria da qualidade da educação – vindo de cima, e as ações e alternativas – o que fazer para resolver e melhorar – vindas de todos os lados. Com pilotos para testar hipóteses e gerar aprendizados. Para só então disseminar as mudanças em ampla escala.
O que vimos foi que a necessidade e o problema não ficaram claros para todos, o processo não foi engajador e envolvente em suas diversas fases, não houve acordo de que a solução proposta era viável e necessária, não se entendeu os possíveis benefícios.
O fracasso atual deve possibilitar uma reflexão profunda e gerar um novo tipo de pensamento e de prática na administração pública. A péssima qualidade da educação não pode continuar. Nem prédios malcuidados ou subutilizados. Algo precisa ser feito. Urgentemente! Mas com métodos e processos muito diferente do que foram tentados.
Fonte: Revista Época Negócios