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Saúde na América Latina vai mal: o que fazer?

O problema não é falta de recursos - é a gestão dos recursos que existem

Enormes filas de espera em pronto-atendimentos. Esperas longas para marcação de consultas e cirurgias. Muitas pessoas sem acesso à cobertura de saúde. Erros em diagnóstico e tratamentos de doenças. Custos crescentes.

E mais. Colaboradores (médicos, pessoal de enfermagem e de suporte) estressados, mal preparados, mal remunerados e em esquemas de trabalho inadequados.

E ainda. Elevada “judicialização” do sistema com as divergências entre usuários e planos de saúde desembocando em pendências judiciais.

Apesar dessa situação, os agentes econômicos envolvidos, como hospitais, clínicas privadas e planos de saúde privados, em sua maioria, não têm resultados financeiros positivos, sem contar os elevados déficits estatais nos vários níveis de governo.

Esse foi o relato da situação da saúde comum em vários países da América Latina apresentado em um evento na semana passada, em Santiago, no Chile. As pressões demográficas, com as populações desses países vivendo cada vez mais, coloca ainda mais pressão em um sistema já incapaz de atender as demandas atuais. E o futuro parece ainda mais difícil.

Outros pontos comuns apresentados foram a crença de que há recursos em volume adequado no sistema, ou seja, o problema não é falta de recursos. O que deveria ser feito é buscar uma melhor utilização dos recursos existentes. E deveria haver um maior foco no atendimento ao paciente, propósito essencial do sistema.

Ou seja, a concordância da maioria dos participantes do encontro no Chile foi que, para resolver o problema da saúde na região, é necessário repensar e reprojetar radicalmente as formas de gestão atualmente ineficazes no setor.

Ter uma gestão eficiente é sempre um fator de sobrevivência para todo tipo de empresas. Mas no setor de saúde a tarefa é urgente e muito desafiadora.

Nesse evento do setor de saúde latino-americano, o que impressionou é que a maioria dos participantes mostrou não saber exatamente como fazer isso. E algumas estratégias atuais não estão dando os resultados esperados.

Por exemplo, vários hospitais estarem investindo em programas de “acreditação”, como se isso fosse conseguir resolver os problemas de gestão dos estabelecimentos, tornando-os mais competitivos. Pelo contrário. Nesse encontro, diversos representantes de grandes grupos hospitalares criticaram esses programas, relatando que tal processo aumenta custos, não garante a segurança ao paciente e não melhora o sistema de gestão.

Outros hospitais apostam em fazer grandes investimentos em tecnologia da informação, como se isso fosse – por si só – melhorar o atendimento ao cliente e trazer mais qualidade e competitividade ao hospital. Ledo engano também. Dispor de mais informações pode ser útil para médicos, enfermeiros, administradores, pacientes e famílias. Mas há maneiras simples e baratas de se fazer isso sem investir uma quantidade enorme de recursos já escassos.

No encontro no Chile, até governos relataram ter feito massivos investimentos para a geração de informações, muitas delas inúteis e não utilizadas, cujos resultados quase nunca melhoraram o atendimento ou aumentaram a capacidade de atendimento.

Ou ainda, há esforços de maior profissionalização da gestão no setor privado através da utilização de maiores controles, principalmente financeiros, do mesmo modo que empresas industriais fizeram há décadas passadas, com resultados limitados, no caso dos hospitais, em termos de satisfação dos pacientes, embora muitas vezes com resultados adequados para acionistas.

São todos caminhos “fáceis”, mas que, na prática, melhoram pouquíssimo a gestão da saúde e a melhoria do cuidado ao paciente.

Há, porém, um caminho mais “difícil”, mas que se bem trilhado gera certamente resultados. Difícil porque significa mudar profundamente a gestão na saúde. Sem investir em mais recursos.

Trata-se de uma transformação profunda nos métodos e conceitos trazidos pela gestão lean (enxuta) na saúde que está avançando em outros países e que trazem resultados substanciais. Entretanto, na América Latina, inclusive no Brasil, esse movimento é ainda incipiente.

Creio que esse é o caminho para melhorar o desempenho sem requerer inversões de recursos. Mas isso demanda uma mudança profunda de mentalidade e de sistema de gestão.

Fonte: Revista Época Negócios

Fonte: Época Negócios
Publicado em 02/06/2015