A maior empresa do Brasil teve a quase totalidade de sua diretoria trocada na semana passada. Não é fato trivial. Na história recente da gestão das grandes companhias no mundo, poucas vezes se testemunhou tal fato dramático.
A gota d´água teria sido a divulgação dos dados financeiros da empresa extremamente negativos, após muitos meses de atrasos devido às dificuldades com os aspectos contábeis, que teria desagradado o acionista principal, o governo federal.
Como é possível uma empresa que tem faturamento superior a R$ 350 bilhões, que emprega diretamente mais de 80 mil e indiretamente mais de 700 mil pessoas e que tem ações comercializadas em Wall Street chegar a tal situação, após um longo período em que frequentou as colunas de crimes e não as de negócios?
O setor de petróleo continua sendo o negócio de maior faturamento no mundo. Das dez maiores empresas globais, pelo menos cinco são desse setor. O gigantismo da nossa empresa nacional deve-se essencialmente ao seu poder de monopólio, e não a eventuais vantagens decorrentes de um elevado nível de eficiência, adequada estratégia ou alta tecnologia.
O que talvez você não tenha se dado conta é que, apesar de todos os discursos ideológicos e campanhas publicitárias ufanistas dizerem o contrário, a Petrobras é privada! Vejamos por que.
Uma empresa deve atender aos interesses de seus clientes, acionistas, colaboradores e fornecedores, além da sociedade mais ampla. Há várias abordagens e definições do que consiste uma empresa pública/estatal ou uma empresa privada.
Uma empresa pública (ou estatal) no Brasil seria uma companhia que teria interesse em atender aos desejos e necessidades da sociedade. Enquanto uma empresa pública nos EUA, por exemplo, tem o sentido de ser uma organização de capital aberto, em que qualquer pessoa pode ser um proprietário. Ou seja, a propriedade é pública, contrastando com a ideia de uma empresa de capital fechado, onde prevaleceriam os interesses dos donos.
Vamos examinar agora a Petrobras e vejamos alguns indicadores recentes. Os preços de um de seus principais produtos, o petróleo, caíram cerca de 60% no último ano no mercado mundial. Trata-se de uma commodity, cujo preço é definido essencialmente pela oferta e procura globais.
Um de seus subprodutos mais importantes é a gasolina, que na maioria dos países vem reduzindo de preço. Enquanto nos EUA o preço caiu no ano passado para o menor patamar dos últimos quatro anos, os preços da gasolina no Brasil, na contramão, aumentaram mais de 7% em janeiro – sem contar a melhor qualidade da gasolina norte-americana.
Ou seja, do ponto de vista de seus clientes, a empresa não vem primando por atender a esses interesses. Nós, clientes “forçados” da Petrobras, somos prejudicados, pagando os preços mais caros do mundo em um país produtor de petróleo.
Examinando agora do ponto de vista dos acionistas: no começo do ano, as ações estavam no menor valor em 11 anos. Caíram mais de 8% só no dia em que foi escolhido o novo presidente. Ou seja, para quem acreditou e investiu recursos pessoais, a empresa constituiu-se em uma das mais espetaculares perdedoras dos últimos anos.
Olhando agora para os colaboradores, a maioria procura fazer o seu trabalho de forma correta. Alguns técnicos brilhantes tiveram contribuição importante em certos desenvolvimentos fundamentais da empresa, mas tendem a ser encobertos pela má gestão. Porém, um grupo muito restrito de colaboradores parece ter tido a liberdade e autonomia para fazer o que quiseram, com o silêncio conivente e conveniente de parte da direção da empresa. E nas barbas dos vários órgãos de controle contábeis, internos e externos, desviaram milhões para os seus bolsos e bolsos alheios.
Já muitos fornecedores da companhia têm sido apoiados por uma política protecionista ao fornecimento local, o que acabou gerando além de custos maiores, entre outros desvios, o famoso empresário Eike Batista, protegido do governo federal, apoiado com recursos de elevada monta para se criar o que seria o “campeão nacional” do setor de óleo e gás. As empresas de Eike Batista estão em intervenção judicial e na última divisão do “campeonato”, tendo as últimas “bolas e uniformes” retidos pela Justiça para pagar dívidas e irregularidades de diversos tipos, como acesso privilegiado a informações, manipulações etc. e a ideia de um campeão nacional do setor parece ter sido enterrada, junto a bilhões de reais em financiamentos.
Há outros fornecedores multinacionais com alta especialização tecnológica que realizaram investimentos em produção e engenharia no Brasil e que agora veem um horizonte que parecia promissor tornar-se, no mínimo, cinzento, pois o alto grau de endividamento atual da empresa coloca em questão o ambicioso plano de investimentos previsto.
Por outro lado, as empreiteiras estão no olho do furacão, com executivos presos e processos vultosos na justiça, enquanto se procura levantar a natureza de contratos irregulares, com execução sempre muito acima do orçado e com muitos atrasos e perdas de qualidade.
Quando assumiu a presidência da Petrobras, em fevereiro de 2012, a ex-presidente Graça Foster deu algumas entrevistas para a imprensa que mostraram haver a possibilidade de ruptura com práticas nefastas anteriores. Cheguei até a comentar essa perspectiva positiva naquele ano numa coluna. Aprendi a lição de que o mais importante é o que as pessoas fazem e não o que elas falam!
Assim, podemos argumentar que a Petrobras virou uma empresa “privada”. Acabou ficando nas mãos de um pequeno grupo composto de funcionários da empresa, fornecedores privilegiados e alguns políticos, todos se apropriando privadamente da riqueza da empresa.
Eles têm sido seus “verdadeiros donos”. E foram eles que ganharam muito com a péssima gestão da companhia. Os governantes atuais e seus partidos de sustentação tiveram campanhas recheadas e foram reeleitos. As empreiteiras nunca ganharam tanto, e os funcionários da Petrobras envolvidos abocanharam milhões nas contas pessoais com isso.
O principal acionista da Petrobras, o Governo Federal, que tem a maioria dos assentos no Conselho de Administração e define seus diretores executivos, conseguiu transformar o que poderia ser uma empresa referência e orgulho do país em uma vergonha nacional.
Não, o petróleo não é nosso. É deles, para seus usos particulares.
Com recursos adicionais do orçamento e manipulações financeiras, a nova direção da empresa vai se tentar tapar os buracos e dar uma envernizada nos resultados para ver se consegue empurrar com a barriga até, quem sabe, a próxima eleição ou quando os preços do petróleo eventualmente se recuperarem.
O setor de petróleo vive momentos decisivos no mundo com um desequilíbrio entre oferta e procura, com novas tecnologias emergindo e novos padrões de consumo de energia. A maior empresa brasileira deveria estar preparada para isso. No entanto, está entalada com esses desmandos e desvios.
Devemos agradecer à Justiça Brasileira, ao Ministério Público e aos órgãos de investigação pela possibilidade de termos acesso a essas irregularidades originadas da “privatização” da empresa. Tomara que o aprendizado leve a mudanças profundas e que as ações legais responsabilizem quem levou o patrimônio público a essa situação lamentável.
Que tal transformar a Petrobras em uma empresa pública? Com a possibilidade de qualquer cidadão poder ser proprietário. Uma companhia que tenha foco nos clientes e com respeito aos colaboradores e fornecedores, sem privilégios. E políticas adicionais para garantir a competição e a eficiência da empresa com a utilização da gestão lean, amplamente adotada por empresas de outros setores da economia. Por que não?
Fonte: Revista Época Negócios